Correção: o conserto do gerador que estragou no Instituto de Ciência e Tecnologia de Alimentos (ICTA) deve custar R$ 50 mil, e não R$ 450 mil como publicado entre as 18h21min de quarta-feira (14) e as 8h10min desta quinta-feira (15). O texto já foi corrigido.
Equipamentos de até R$ 700 mil, insumos e pesquisas com plantas e animais que exigiram alto investimento financeiro e meses de dedicação estão entre as perdas provocadas pela falta de energia elétrica que atingiu o Campus do Vale da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) entre segunda (12) e terça-feira (13). Os diretores das faculdades que integram a unidade ainda estão tentando contabilizar os impactos de cada setor, mas a estimativa dos profissionais ouvidos pela reportagem é de que o prejuízo já esteja na casa dos milhões de reais.
Localizado no bairro Agronomia, o Campus do Vale possui uma área de mais de 650 hectares e abrange diferentes unidades de ensino. As faculdades de Agronomia e de Veterinária, o Hospital de Clínicas Veterinárias, os Institutos de Pesquisas Hidráulicas (IPH), de Ciência e Tecnologia de Alimentos (ICTA), de Letras, de Filosofia e Ciências Humanas, de Química e de Informática, além de centros de pesquisa e infraestrutura para atendimento dos estudantes estão no mesmo endereço.
O vice-diretor da Faculdade de Agronomia da UFRGS, Paulo Vitor Dutra, destaca que todos os responsáveis pelas unidades estão fazendo seus levantamentos. Ele adianta que há altos prejuízos de valor econômico, mas também algo que não é possível mensurar: o trabalho de anos de alunos de graduação, mestrado e doutorado.
— São cerca de 20 unidades dentro do Campus do Vale e cada unidade tem seus laboratórios. A Faculdade de Agronomia tem 40 prédios e mais de 10 laboratórios, cada um deles com várias pesquisas sendo conduzidas. Alguns setores foram mais afetados, mas todos tiveram um prejuízo ou outro — afirma Dutra, acrescentando que pretendem ter uma ideia das perdas até o final da semana para montar um dossiê e pensar como minimizar os prejuízos.
Como exemplo das pesquisas da Agronomia, o vice-diretor cita um projeto de tese em que o aluno estava desenvolvendo uma tecnologia para produção de alface hidropônica (produzida na água). Como não havia gerador, o experimento foi perdido. O prejuízo calculado é de, no mínimo, R$ 5 mil.
— Eu também tinha um experimento com a produção de frutas de citros que morreram por falta de irrigação. Foi todo perdido também, teremos que recomeçar — lamenta.
Dutra comenta que algumas unidades tiveram vários equipamentos avariados pela falta de luz — entre eles, duas máquinas de R$ 700 mil cada. O vice-diretor ressalta que pode ser que ambos tenham conserto, mas o custo de manutenção também deve ser de milhares de reais.
Dentro da Agronomia, o setor que mais sofreu impacto foi o de Zootecnia. Em um dos projetos, cem frangos jovens morreram devido ao calor, inviabilizando a conclusão do estudo. O prejuízo estimado chega a R$ 150 mil.
Estudante de Zootecnia, Danrlei Nogueira, 28 anos, era um dos responsáveis pelo projeto, que era voltado à nutrição das aves. O aluno explica que o objetivo era melhorar a forma como os animais aproveitavam a dieta, para que ganhassem mais peso, consumindo menos alimento.
— Tem toda uma logística para comprar os animais nos aviários e os insumos nas fábricas, formular as dietas, misturar ingredientes. Ontem era dia de trocar a dieta, então misturamos mais de duas toneladas de ração no sábado, mas a troca não ocorreu. Tínhamos mil animais alojados e cem morreram. Como os outros sofreram esse estresse, não será possível continuar com o projeto. Tem um impacto muito negativo para a pesquisa e para os animais — enfatiza Nogueira.
Algumas perdas não conseguimos nem colocar um valor. Tem amostras de projetos que já aconteceram, por exemplo. Se fosse refazer todos esses projetos, seriam milhões de reais.
INÊS ANDRETTA
Professora de Zootecnia da UFRGS
De acordo com o estudante, três toneladas de ração terão que ser descartadas, porque a dieta era específica para os animais daquela linhagem e daquela idade. A pesquisa poderia ser concluída quando os animais completassem 42 dias de vida, mas parte deles morreu com 27 dias. Nogueira aponta, contudo, que o tempo de trabalho foi muito maior, ultrapassando os cinco meses.
— Ainda estamos contabilizando os estragos, mas tem a questão de amostras e de reagentes químicos, que custam quase o valor de um apartamento. Mas é bem complicado, porque durante toda a graduação aprendemos a produzir alimentos respeitando os animais, então vê-los agonizando e sofrendo sem fazer nada não é fácil— diz o estudante.
No Laboratório de Ensino Zootécnico da faculdade, há seis freezers com amostras e kits de análise que estavam descongelando aos poucos. Inês Andretta, professora da instituição, estima R$ 250 mil em perdas apenas com kits de análise inutilizados.
— Algumas perdas não conseguimos nem colocar um valor. Tem amostras de projetos que já aconteceram, por exemplo. Se fosse refazer todos esses projetos, seriam milhões de reais. Mas, além disso, tem a dedicação das pessoas, os prazos dos alunos com suas pesquisas, a entrega desses resultados para a sociedade. É tudo muito grande — comenta a professora.
Faculdade de Veterinária e ICTA
Vladimir Pinheiro do Nascimento, professor titular e diretor da Faculdade de Veterinária, acrescenta que os efeitos foram diferentes nos variados setores do campus. Por lá, os sete geradores entraram em funcionamento assim que a energia foi interrompida. A preocupação maior foi com o abastecimento dos equipamentos: um deles chegou a ficar sem combustível por algumas horas na tarde de terça-feira.
— Então, por algumas horas, o hospital veterinário e os laboratórios que ficam no mesmo prédio ficaram sem energia. Felizmente, não tinha nenhum animal dependendo de equipamentos que precisassem de energia, então nenhum dos internados sofreu risco — esclarece.
Entretanto, no laboratório de análises clínicas, havia uma grande quantidade de kits de diagnóstico e vacinas que estavam armazenados e precisam ser avaliados para saber se foram danificados. Algumas amostras para extração de DNA só poderão ser verificadas quando forem processadas, no decorrer da pesquisa:
— Há muitas coisas que só olhando não conseguimos ver se foram danificadas. Teremos que dar andamento para saber. Felizmente nossos geradores aguentaram bastante tempo, então as nossas pesquisas não foram tão atingidas quanto a agronomia, mas poderiam ter sido.
Já o ICTA segue sem energia elétrica, em função de um problema no disjuntor. De acordo com a diretora do instituto, Florencia Cladera Olivera, havia um gerador que funcionou logo que o fornecimento de luz foi interrompido, mas o equipamento apresentou problemas durante a manhã. Seu conserto deve custar em torno de R$ 50 mil.
— Como estamos sem luz, ainda não conseguimos avaliar se tivemos problemas com outros equipamentos. Temos diversos equipamentos bem caros aqui no ICTA. Com relação a amostras de pesquisas em andamento e reagentes, felizmente conseguimos retirar tudo que era de mais importante e valioso para levar para os freezers, ultrafreezers e geladeiras do Instituto de Ciências Básicas da Saúde — destaca.
No entanto, Florencia comenta que ainda há 500 quilos de frutas nativas armazenadas na câmara fria, que ainda não descongelaram. Os funcionários do ICTA estão vendo para onde podem transferi-las para que não estraguem.