Por Cesar Paz
Empreendedor, fundador do Ecosys, sócio da On2 e da Pipeline Capital
O aumento de demissões no mercado de tecnologia, em 2022, foi de 649%, em relação a 2021. Os desligamentos, que prosseguem em 2023, incluem big techs como Google, Microsoft, Salesforce, Meta e Amazon. Os dados são do site Layoffs (layoffs.fyi), que monitora informações sobre os cortes de gastos no setor – movimento que virou manchete na imprensa no mês passado. O cenário, no entanto, não é completamente imprevisível. Nem irreversível.
É claro que os números expressivos geram preocupação nos profissionais do segmento. Mas precisamos entender o pano de fundo desses layoffs para analisarmos as expectativas da área daqui para a frente, a partir da ótica dos empreendimentos e investimentos. E a pandemia ainda impacta diretamente no mercado de tecnologia. Passamos dois anos inteiros dentro de casa: mudamos nossos costumes e entramos em uma fase de transformação digital que beneficiou os negócios de TI. Projetos que estavam previstos para ocorrer em 10 anos se tornaram realidade em poucas semanas, como o avanço acelerado da telemedicina, do ensino a distância e do e-commerce – segundo a Organização das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad), o volume de consumidores que fizeram compras online disparou de 53% em 2019 para 60% após o início da pandemia em 66 países.
Naturalmente, o capital migrou prioritariamente para as empresas de tecnologia, que tiveram uma superavalorização dos seus ativos por causa dos novos hábitos. Vivemos um período de menor circulação de átomos e maior circulação de bytes. Para dar conta da demanda, houve recorde de contratações e elevação nas projeções de crescimento e lucratividade. Até que o perigo iminente do vírus atenuou, pela oferta de vacinas e outras medidas sanitárias, e as pessoas voltaram a conviver em sociedade, sem depender (quase) exclusivamente do universo digitalizado. Com isso, as grandes empresas perderam usuários e receita, especialmente de mídia (ad spending), e tiveram que ajustar seus negócios: o investimento alavancado não se confirmou porque as estimativas eram muito sensibilizadas pelo contexto da pandemia.
Agora, em um mundo pós-pandêmico, o que se apresenta é uma economia fragilizada e uma perspectiva de inflação global – tempestade perfeita para as empresas de tecnologia reverem seus orçamentos, frearem seu apetite pelo risco e garantirem alguma rentabilidade aproveitando a escalada dos juros. Sem capacidade de captar mais investimentos pela baixa liquidez, e tentando salvar parte do que foi projetado anteriormente, o “jeito mais fácil” é fazer cortes nas áreas de desenvolvimento, pesquisa e tecnologia, onde os salários também são mais elevados pelo alto grau de destaque que esses profissionais receberam ao longo da pandemia.
Nos EUA, um dos países mais afetados pelos layoffs, já é possível identificar a busca por maior estabilidade e segurança. São as forças da economia atuando: o capital orientado a projetos e apostas de risco dá lugar a novas expectativas em negócios mais tradicionais. Ou, nesse caso, à velha economia. Muitos funcionários que deixaram as big techs devem migrar para empresas da indústria e do varejo favorecidas pela conjuntura e pelo resgate de hábitos de consumo da era pré-covid-19. Embora os layoffs assustem pela dimensão, portanto, ainda há um apagão de mão de obra qualificada nas áreas de TI estimado em 1 milhão de profissionais só no mercado norte-americano. Não é por acaso que, de acordo com o site Layoffs, 40% dos demitidos nas big techs conseguem se recolocar de forma imediata.
As demissões em TI representam, assim, uma onda momentânea. É impossível prever que não haverá um aprofundamento da crise das techs, mas penso que vivenciamos o ápice no primeiro trimestre de 2023 (quando as empresas realizam suas tomadas de decisões para o restante do ano). O quadro é de perda de valor dos ativos e de empregos na área, e não de uma desestruturação da "economia tech". Quem viveu a bolha da internet na virada do milênio, a crise financeira sustentada por especulações e que quebrou milhares de empresas "ponto.com" na época, enxerga com muita tranquilidade o atual momento. A tendência é de uma maior racionalidade das aplicações em TI, algo que parece natural após a maior crise sanitária da nossa geração – e após dois anos de investimentos passivos e supervalorização de ativos nesse setor.