O jornalista Daniel Giussani colabora com a colunista Giane Guerra, titular deste espaço
Desde o segundo semestre do ano passado, grandes empresas de tecnologia, que contratam milhares de pessoas, têm anunciado demissões em massa. Só neste ano, já foram anunciados 18 mil desligamentos na Amazon, 12 mil no Google, 10 mil na Microsoft e 6,6 mil na Dell, para trazer alguns exemplos. Antes, Twitter e Facebook também já tinha feito cortes, com uma carta emblemática de Mark Zucerberg assumindo que errou ao prever o tamanho de crescimento de receita com mais pessoas migrando para o espaço online por conta da pandemia. Esse, aliás, é um dos principais motivos vistos por analistas para explicar o que está acontecendo: uma forte onda de contratações na pandemia, prevendo um crescimento que não aconteceu. Inflação e desaceleração econômica no mundo em 2022 também pesam na balança. Por fim, há também quem veja uma tentativa do mercado em se regular, inclusive sob questões salariais.
No podcast Nossa Economia, de GZH, a coluna conversou sobre isso com João Victor Archegas, mestre em direito pela Harvard e pesquisador-sênior no Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio), uma das principais organizações que debatem o futuro da internet no Brasil. Confira trechos abaixo.
São números enormes de demissões, em um universo de empresas com milhares de funcionários, certo?
Exatamente. São empresas muito grandes, que chamamos de big techs, que empregam milhares de pessoas nos Estados Unidos, na União Europeia, na Ásia e também na América do Sul.
O que explica essas ondas de demissões em massa?
São dois grandes movimentos. Primeiro, é o aumento expressivo no efetivo dessas empresas durante a pandemia da covid-19, quando a maior parte das interações humanas se deu na internet. Essas empresas começaram a contratar muitos funcionários, apostando nesse efeito migratório. Em um segundo momento, o que a gente tem é a bolha quase explodindo, em razão de condições como, por exemplo, o aumento da taxa de juros e da inflação dos Estados Unidos. Depois, a invasão da Rússia na Ucrânia, que também gera impactos significativos no ponto de vista macroeconômico. Isso tem um efeito imediato nessas empresas de tecnologia que dependem muito de uma receita específica, que é a venda de espaços publicitários nas plataformas. Com essas condições macroeconômicas adversas, você tem uma desaceleração do gasto de algumas empresas com espaços publicitários. Eram empresas que já tinham contratado muita gente durante o período da pandemia e acabam se vendo nessa posição de perder a sua principal receita em razão dessas condições macroeconômicas.
Quando houve as demissões no Meta, antigo Facebook, Mark Zuckerberg disse que houve um erro de percepção sobre o uso da internet.
Eu acho que essa carta do Mak Zuckerberg ilustra bem esse ponto. Essas plataformas apostaram em uma migração quase que completa para o cyber espaço, que as pessoas não retornariam ao escritório, continuariam trabalhando remotamente. Inclusive, durante a pandemia, cresceu também o debate em torno de um outro conceito importante nesse cenário que é o do metaverso. Havia essa aposta de que a digitalização das relações humanas era um caminho sem volta. Aí, talvez, um erro de cálculo mesmo. Digitalização é um caminho sem volta, mas temos que nos perguntar até que ponto. Acho que essas empresas acabaram apostando em um ponto além do que de fato ocorreu agora.
Teve um recuo nas expectativas sobre o metaverso?
Sim e não. Há, de fato, um recuo na expectativa. Mas, do outro lado, essas empresas continuam investindo bilhões de dólares, mesmo diante desse cenário macroeconômico desfavorável e da necessidade de demitir milhares de funcionários. Elas continuam investindo bilhões de dólares no desenvolvimento de tecnologias relacionadas ao metaverso. A Meta não tirou o pé do acelerador. As empresas acreditam que o modelo de plataforma digital que ganhou força no anos 2010 está demonstrando sinais de cansaço, e que o futuro da internet permite relações mais imersivas e realistas. Falava-se que viveríamos isso daqui 10 anos. Talvez demore um pouco mais agora em razão desse cenário macroeconômico desfavorável. Pode ter algumas mudanças de estratégia, mas o fato é que elas ainda continuam vendo o metaverso, a web 3.0, como o futuro da internet.
As demissões de agora atingem algum tipo de profissional em específico?
É geral, mas a gente vê uma certa tendência a demissões no campo de políticas públicas, profissionais que trabalham com governança de conteúdo e comportamento nas plataformas. Isso demonstra um certo risco, porque são profissionais que hoje atuam, inclusive, no combate a conteúdos antidemocráticos. Mas também há demissões em outros setores. O caso do Twitter é exemplar nesse sentido, porque demitiu por completo um time de funcionários que cuidava de manutenção emergencial da plataforma 24 horas por dia. Então quando existia algum problema de infraestrutura técnica na plataforma, esses eram os profissionais chamados para resolver o problema. E aí, quando você demite essas pessoas, você cria um certo risco para a estabilidade da infraestrutura da plataforma.
Existe algum movimento de fuga de usuários?
Essa era uma expectativa. Muitas pessoas falavam que isso iria acontecer, mas não se concretizou. O caso do Twitter, mais uma vez, é exemplo. O Twitter bateu recordes de engajamento, visualizações, publicações e usuários ativos desde que demitiu milhares de funcionários no final do ano passado. A Meta teve um sinal de desgaste no ano passado, só que a tendência não se concretizou, e o Facebook voltou a ganhar usuários ativos. Essas plataformas continuam crescendo em engajamento e número de usuários. Isso não significa que elas continuam crescendo no ponto de vista financeiro. Isso não se reflete necessariamente no aumento de receita.
Há impactos nas estruturas das empresas aqui no Brasil?
Sim. Também estão sendo reduzidas por aqui, de forma proporcional ao que vimos nos Estados Unidos e na União Europeia. Claro que no Brasil a gente tem, proporcionalmente, menos funcionários empregados por essas big techs, em especial a Meta, o Twitter e a própria Google. Mas, de fato, são demissões expressivas também, impactando especificamente esses setores dessas empresas, em especial, governança de conteúdo e comportamento.
O que vem daqui pra frente?
A tendência é de estabilização por uma questão macroeconômica. Você tem a inflação nos Estados Unidos e consequente taxa de juros desacelerando também. Isso já é um bom sinal. Com essa retomada, a perspectiva é que as empresas voltem a pagar por espaços, contratar espaços publicitários, talvez não na mesma dimensão de antes. Com isso, pode ser que essas empresas não demitam mais funcionários ou até mesmo voltem a contratar. Então há essa perspectiva. Mas, pelo menos agora no primeiro semestre, no início do ano, a tendência é continuarmos vendo algumas demissões nessas grandes empresas de tecnologia.
Inflação dos salários
A coluna também perguntou a opinião de Guto Rocha, vice-presidente de Vendas e Marketing da PmWeb, de marketing digital com foco em relacionamento com o cliente. Ele também citou "inflação dos salários" como um dos motivos.
— O inflacionamento dos salários por causa de uma busca por profissionais de forma muito rápida. O cara que ganhava R$ 5 mil em uma empresa, foi contratado rapidamente por R$ 7,5 mil, passando para R$ 10 mil, indo para R$ 12 mil. Esses valores foram inflacionados. A empresa viu que a conta não se sustentava. Para resolver isso, como não pode reduzir salário, ela desliga um grande volume de pessoas. Normalmente essas pessoas que são afetadas por demissões em massa tem alto nível de capacitação profissional, e tem uma facilidade de se relocar muito grande. O mercado vai acomodando essas pessoas. A interrogação que fica é se conseguirão o mesmo salário que estavam?
Ouça a entrevista com João Victor Archegas na íntegra:
Colaborou Guilherme Gonçalves
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br) Equipe: Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br) e Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br) Leia aqui outras notícias da coluna