Cirurgias robóticas complexas conduzidas por profissionais geograficamente distantes, instantaneidade no acesso a informações para a tomada de decisões urgentes, amplo uso de dispositivos inteligentes para monitoramento do paciente. A tão aguardada rede de internet móvel 5G, evolução da atual 4G, encontra projetos ambiciosos, concebidos desde muito antes de sua chegada. Disponível desde a última sexta-feira (29) em Porto Alegre e com implementação gradual no Rio Grande do Sul e no Brasil, a tecnologia permitirá que a saúde seja uma das principais áreas beneficiadas, o que impactará diretamente na qualificação de profissionais e de serviços oferecidos à população.
Instituições como o Hospital Moinhos de Vento e a Santa Casa, em Porto Alegre, já planejam de que forma as conexões ultrarrápidas e estáveis serão implementadas na rotina assistencial. Tudo depende, entretanto, da vasta disponibilização e do pleno funcionamento do 5G. A uniformização na distribuição de sinal de qualidade é essencial para a segurança dos projetos. Softwares em desenvolvimento e aprimoramento em centros de excelência de pesquisa terão nessa novidade a possibilidade de massificação de uso.
André Bigolin, cirurgião do aparelho digestivo e coordenador do Serviço de Cirurgia Robótica e do Centro de Formação em Cirurgia Robótica da Santa Casa, cultiva há anos a ansiedade despertada pelo universo de possibilidades que se descortina a partir de agora.
— Qual o bem mais valioso hoje? Dados. A saúde é instantânea. Para ter dados auxiliando na tomada de decisões, não posso ter delay, tempo de espera. Temos nos preparado para fazer a captação e a recepção desses dados — explica Bigolin.
A telepresença — atuação virtual do médico, como se estivesse ao lado do paciente, para avaliação ou execução de procedimento — será uma das modalidades mais incrementadas, conforme enumera o especialista:
— Poderemos fazer cirurgias em outros lugares. Interferir na cirurgia de outro médico no outro lado do mundo ou no interior do Estado, diagnosticar câncer de pele a distância por microscopia de pele, ajudar um colega que está tendo dificuldade.
A cirurgia robótica é uma realidade, mas será incrivelmente aprimorada. Obedecendo aos comandos do médico, o robô enxerga melhor e executa movimentos mais precisos. As decisões são do profissional, enquanto a máquina é “obedece”. No futuro do 5G, haverá acesso imediato a um vastíssimo banco de dados. Atualmente, o aprendizado é feito de forma retrospectiva.
— Com velocidade de comunicação de informação, com transmissão de mais dados mais rapidamente, conseguiremos aplicar algoritmos com feedback instantâneo. Hoje temos softwares que apontam falhas, mas depois da operação, para aprendermos. Isso poderá ser feito em tempo real, a partir de um banco de dados de milhares, milhões, de cirurgias. Serão emitidos alertas na hora — antecipa Bigolin, que destaca a ampliação das atividades no Centro de Formação em Cirurgia Robótica e o início do curso de pós-graduação nessa especialidade, com ênfase em tecnologia, na Escola de Saúde La Salle Santa Casa, em outubro.
A pandemia acelerou a telemedicina. Essa modalidade também conhecerá um formato mais moderno com o passar do tempo. Uma conexão de internet de alta qualidade viabilizará envio massivo de documentos, laudos, imagens. Os wearables, acessórios como pulseiras e relógios para acompanhamento individual, facilitarão alertas e estreitarão o contato entre paciente e equipes de saúde.
A velocidade de informação será traduzida em individualização do cuidado e segurança.
ANDRÉ BIGOLIN
Cirurgião do aparelho digestivo e coordenador do Serviço de Cirurgia Robótica e do Centro de Formação em Cirurgia Robótica da Santa Casa
— Não é massificação no cuidado, é medicina centrada no paciente. A velocidade de informação será traduzida em individualização do cuidado e segurança. Queremos mais informações daquele indivíduo. Para quem tem arritmia cardíaca, o médico, utilizando tecnologias de monitoramento, saberá como está o coração do paciente e poderá fazer um pequeno ajuste no marca-passo — exemplifica Bigolin.
Cirurgias com profissionais fora do país poderão ser realidade
Iniciativas nessas mesmas áreas também estão em foco no Hospital Moinhos de Vento. Com a Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, instituição parceira do hospital, um dos cenários mais almejados pelos gestores é a possibilidade de realizar cirurgias com a participação de especialistas nos dois países — um expert estará presencialmente no bloco cirúrgico e o outro manipulará o robô via internet. A latência será decisiva nesse momento — o tempo entre o comando e a execução, os segundos que o dispositivo demanda “pensando”.
— Com o 5G, isso será quase simultâneo. Daria para ter o melhor cirurgião de Hopkins com agenda uma vez por semana operando com a gente. Ele sem sair de lá, no robô dele, operando o nosso paciente aqui. Esse é o nosso sonho — revela Felipe Cabral, gerente médico de Saúde Digital do Moinhos de Vento.
Tudo ainda depende do ritmo da implementação tecnológica e, em algumas circunstâncias, de adaptações dos códigos que regulamentam as profissões, entre outros processos. Além de desenvolver o projeto 5G — redes de internet exclusivas para centros de saúde estão no radar de administradores —, é necessário solidificar o uso dessa conexão na área cirúrgica e investir em educação e treinamento. Em uma perspectiva otimista, Cabral pensa em viabilizar a cirurgia “internacional”, quem sabe, no ano que vem. A perspectivas de outros analistas do setor é variável, podendo se estender até 2030.
A área de proctologia, destaque na cirurgia robótica do Moinhos, deve despontar como protagonista. Outras previsões envolvem a possibilidade de convite a especialistas de outros Estados para atuarem, via 5G, em procedimentos em Porto Alegre e também a participação de médicos do quadro local operando em instituições de fora que contem com a mesma tecnologia.
De acordo com o planejamento do Hospital Moinhos de Vento, etapas subsequentes incluem investimento nos wearables, com rápido processamento de dados e retorno ao paciente para indicação de tratamento e conduta (ida a uma emergência, prescrição ou troca de medicamento etc.), e um centro de inovação, que permitirá a conexão com grandes empresas e startups.
— É uma forma de ser disruptivo utilizando o 5G: melhorar a qualidade do atendimento para o nosso paciente, melhorar a segurança, gerar negócios. Você pode expandir suas fronteiras, seu negócio, através da digitalização do cuidado — afirma Cabral.
O gerente de Saúde Digital descreve o momento como transformador. A rotina, que era exclusivamente física, calcada no pilar presencial, vem mudando.
— Estamos acostumados a receber o paciente. Ele sempre vem aqui para receber o cuidado. Quando começamos a digitalizar essa jornada, saímos de uma jornada física do paciente para uma jornada híbrida do indivíduo. Começo a tratá-lo antes de virar paciente. Ter os dados permite agir muito antes. Não estamos substituindo o profissional de saúde presencial. Estamos aumentando os pontos de contato desse indivíduo com a saúde dele. Quando ele vem aqui, tenho todos os dados, e ele continuará sendo monitorado em casa — descreve Cabral, citando possibilidades de interação por meio de aplicativos de celular e assistentes virtuais.
Para Bigolin, da Santa Casa, deve-se evitar o “furor” da tecnologia. Quanto a prazos para que se possa desfrutar desses benefícios, o cirurgião acredita em um avanço progressivo. Basta observar a variação do sinal do próprio telefone celular em 4G, sugere ele, para perceber que a instabilidade é um obstáculo que se impõe a tarefas simples, como uma ligação por WhatsApp.
— Serão pequenas conquistas. Quando falamos de âmbito médico, a questão educacional dos profissionais virá antes: softwares que ajudam a interpretar os dados, aprender, testar, simular mil vezes, até conseguir implementar isso em tempo real. É um grande passo — finaliza.