A ONG internacional SumOfUs, que luta por respeito aos direitos humanos e ambientais pelas grandes empresas, lançou no Brasil uma campanha para pressionar autoridades a exigir a alteração na política de privacidade do WhatsApp.
Em entrevista a GZH, a coordenadora da entidade, Flora Rebello Arduini, mestre em Direitos Humanos pela Universidade de Maastricht e estudiosa de redes de desinformação na internet, explica por que, ao implementar a mudança no Brasil, o Facebook está tratando os brasileiros como "cidadãos de segunda classe".
O WhatsApp diz que as mensagens são "criptografadas de ponta a ponta". Então, que tipo de dados poderão ser compartilhados com o Facebook?
São centenas: por exemplo, o teu nome, telefone, contatos, foto de perfil, status (as pessoas que usam essa ferramenta dizem, por exemplo, "estou no médico", "estou indo a uma passeata"). Eles podem ler esses dados e repassá-los para o Facebook, que os usará para fins de publicidade. Eles pegam o modelo do teu celular, a conexão que você está usando, o sistema operacional, o browser, o endereço IP, informação de qual rede móvel você utiliza, os cookies, que você utiliza quando navega com o seu celular.
Tudo o que não é o conteúdo da mensagem propriamente dita?
Exato. A mensagem é criptografada, e é lógico que é superimportante e tem de ser assim. Eles vão manter isso. Mas, a partir de 15 de maio, se você trocar mensagem com uma conta empresarial, ela poderá ser lida não somente por todos os funcionários que interagirem com aquela conta, mas também pelo Grupo Facebook. E, a partir disso, eles vão te sugerir conteúdo de publicidade. Por mais que a maioria das pessoas não soubesse, essa coleta já existia desde 2016, só que naquele ano eles deram uma janela de 30 dias para você dizer que não aceitava esse compartilhamento de dados. Muitas pessoas nem perceberam. O que muda agora é que isso vai ser obrigatório: você não tem a opção de não ter seus dados compartilhados com o Facebook. Sob pena de não poder usar o aplicativo WhatsApp.
E como isso viola a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e o Marco Civil da Internet?
O Facebook está usando dois pesos, duas medidas. As autoridades da União Europeia foram muito firmes e contundentes para dizer que esse compartilhamento é ilegal, com base na legislação do bloco e por legislações nacionais. Por que o Facebook respeita a lei da UE e não o faz no Brasil, sendo que a nossa legislação é muito baseada na da UE? Contratamos uma advogada especialista em proteção de dados e privacidade e ela fez um parecer imparcial que demonstra como o Facebook estava violando a normativa brasileira. Embora eles (as redes sociais) nos chamem de usuários, somos consumidores. Temos uma série de direitos que estão sendo violados. Especificamente sobre a LGPD, o usuário tem o direito de saber quais dados estão sendo coletados, quais são necessários ao funcionamento do aplicativo para que possa dar permissão ou não para que seja compartilhado. O Facebook não está fazendo nenhum desses três pilares. Eles não dão clareza para o usuário quais dados estão sendo coletados, não dão clareza sobre o fim para cada qual dado será coletado e não dão o direito de o consumidor dizer não. Eles abusam do monopólio que têm no Brasil para passar esses tipos de termos de uso, políticas abusivas.
É como se considerassem os brasileiros cidadãos de segunda classe, uma vez que na Europa o Facebook não adota essa política?
Por isso, é importante o papel das autoridades. Eles (as redes sociais) têm péssimo histórico de como tratam, usam e preservam os dados dos usuários: desde o Cambridge Analytica até dia atrás, quando foram obrigados a divulgar que vazaram dados de 553 milhões de pessoas globalmente. Esse histórico da empresa mostra a índole de como trata e usa os dados dos seus usuários, a falta de transparência, a nítida falta de ética, a incapacidade de lidar com tal volume de dados. E, quando existem as legislações, eles fazem de tudo para não respeitá-las, que é o que estamos vendo no brasil agora.
Que tipo de atitude vocês esperam no brasil para barrar a decisão?
Que a Agência Nacional de Proteção de Dados junto a Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça) e o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) se unam, coloquem como prioridade essa investigação contra o Grupo Facebook, que emanem uma liminar para que essa política não entre em vigor no dia 15 de maio até que essa questão seja analisada pelas autoridades. O segundo é que haja o fim da integração de dados entre o WhatsApp e o Facebook porque isso não é nada mais do que pedir que eles ajam em conformidade com o que estão fazendo na UE e no Reino Unido. E terceiro: é obvio que as empresas vão ter suas atualizações de políticas, mas que os usuários não sejam punidos, caso não aceitem termos abusivos. Que continuem podendo usar o app.
O que outros países estão sendo feito em relação a essa política?
O que se sabe é que Turquia e Índia estão tomando ações bem incisivas contra essa nova política por meio das autoridades concorrenciais. São grandes mercados do WhatsApp. A Índia é o principal mercado do app, seguida pelo Brasil. O governo indiano já se manifestou, exigindo que o Facebook seja mais transparente. Algumas semanas atrás, a agência que regula a concorrência indiana abriu uma investigação para analisar como a rede social está usando o monopólio para fazer passar essa nova política.