O esqueleto de um homem encontrado em um sítio arqueológico do Litoral Norte e que teria cerca de 6 mil anos ganhou um rosto graças à tecnologia da reconstrução facial forense. Carinhosamente chamado de Zé, o homem, com idade aproximada entre 40 e 45 anos, estava sepultado sob uma rocha em Barra do Ouro, distrito do município de Maquiné, de onde foi exumado em 1961. Desde então, faz parte do acervo do Museu Arqueológico do Rio Grande do Sul (Marsul), localizado em Taquara.
A informação foi divulgada, em primeira mão, pelo repórter Giovani Grizotti, no RBS Notícias, da RBS TV. A iniciativa de dar um rosto ao esqueleto Zé ocorreu por acaso e partiu do 3D designer catarinense Cicero Moraes, referência no Brasil em reconstrução facial forense e que vive no Mato Grosso. No início deste ano, Moraes foi convidado para apresentar a técnica num evento em Porto Alegre, que ocorreria no final do primeiro semestre. Ele, então, contatou representantes do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) na capital gaúcha solicitando a indicação de um crânio arqueológico que pudesse ser reconstruído. A ideia era apresentar o trabalho no evento. E foi desta forma que Moraes chegou ao Marsul e firmou a parceria.
Para conseguir montar o quebra-cabeça que chegaria o mais próximo do que seria o rosto de Zé, o 3D designer contou com o auxílio do historiador e arqueólogo Antonio Soares, diretor do Marsul. Foi Soares quem, a partir das orientações de Moraes, fotografou o crânio em diferentes ângulos e enviou as imagens nas quais o especialista se baseou para trabalhar na técnica.
Com informações de estudos anteriores sobre o mesmo crânio, Moraes criou um modelo virtual e tridimensional correspondente à estrutura anatômica. Depois, com base nas informações repassadas pelos técnicos do Marsul, esculpiu digitalmente e detalhou o rosto, o tom de pele e os cabelos.
— O evento no qual eu participaria acabou suspenso. Mas o objetivo dessa reconstrução é fazer com que as pessoas tenham interesse pela pesquisa em si e pela história do Rio Grande do Sul e do Brasil. Ao mesmo tempo em que contemplamos a nova imagem do Zé com rosto, é como se ele contemplasse a gente, só que há milhares de anos — comenta.
Em agosto do ano passado, Moraes foi o responsável por reconstruir a face da múmia egípcia que estava no museu do Centro Cultural 25 de Julho, em Cerro Largo, e que teve a identificação confirmada pelo pós-doutor em História, pesquisador e caçador de relíquias Édison Hüttner. A história foi publicada em GZH.
Tradição Umbu
Segundo o diretor do Marsul, Zé pertence a um grupo estudado pela arqueologia e que foi denominado, no passado, como Tradição Umbu, devido a sua cultura material, caracterizada pelas pontas de flecha e bolas de boleadeiras.
— Sítios arqueológicos desse grupo se localizam ao longo de todo o pampa gaúcho, uruguaio e argentino — explica o diretor.
O professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Gustavo Wagner, coordenador do curso de Arqueologia da instituição, acrescenta que esses indivíduos viviam em grupos não muito grandes, entre 30 e 40 pessoas, que se deslocavam constantemente com grande domínio da paisagem. Outra característica é que eram caçadores e coletores.
— Sabemos como eles viviam, mas esse povoamento não tem face, não tem rosto. Essa é a importância da reconstituição que está sendo feita: dar rosto para os antepassados que nós desconhecíamos. Estamos falando da gente do passado, com a mesma capacidade de resolver os problemas do dia a dia que nós temos hoje. É muito importante saber olhar e enxergar o rosto do antepassado. É a primeira vez que se faz isso no Estado — avalia o docente.
Amostras do esqueleto Zé estão no Exterior, onde aguardam uma análise de DNA para mapear a ascendência do achado e saber com mais precisão a data em que o homem viveu.
— Para nós, o Zé representa uma forma de incentivar a comunicação do museu, a pesquisa e novos pesquisadores. Também mostra a importância da salvaguarda dos acervos arqueológicos. Todos os povos têm obrigação de guardar suas memórias, e o Rio Grande do Sul faz isso quando mantém o Marsul. É uma contribuição da sociedade gaúcha para a história da ocupação humana na América — finaliza Soares.