Mulheres negras com ou sem filhos e mulheres brancas com crianças até 12 anos são os grupos que tiveram maior queda na produção científica no decorrer do período de distanciamento social provocado pelo coronavírus, apontou o estudo Produtividade acadêmica durante a pandemia: efeitos de gênero, raça e parentalidade. A pesquisa foi desenvolvida pelo grupo Parent in Science, que é composto por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e outras nove instituições de Ensino Superior.
Para o levantamento, foram colhidas, aproximadamente, 15 mil respostas de pesquisadores e docentes. A partir desse material, foi observado que 8,1% das docentes negras e 8,2% das docentes brancas conseguem trabalhar remotamente, sem grandes percalços. Ao mesmo tempo, para os homens, esses valores ficam em 14,1% para professores negros e em 18,8 % para professores brancos.
Quando é acrescentada a parentalidade ao fator raça e gênero, o cenário fica ainda pior. Somente 3,4% das mulheres negras professoras e mães têm conseguido trabalhar no sistema remoto com a mesma produtividade de antes da pandemia. Para mulheres brancas dentro dessa realidade, o percentual sobe para 4,4% Quando se observa a ala masculina, é perceptível que o grau de comprometimento da produção acadêmica foi menos afetado: 12,2% dos docentes negros que são pais afirmam que conseguem trabalhar de casa com a mesma produtividade de antes, enquanto 15,8% dos docentes brancos nessa situação dizem o mesmo.
Fernanda Stanisçuaski, professora do Instituto de Biociências da UFRGS e coordenadora do Parent in Science, explica que o racismo é um fator preponderante para o surgimento desses dados:
— Durante uma pandemia, na rede de colaboração profissional, estar inserida em grandes grupos que tenham condições de tocar parte da pesquisa é fundamental para manter um certo nível de produtividade. Contudo, as universidades não são inclusivas com pessoas negras. Acreditamos que, em função do racismo, mulheres negras têm uma rede de colaboração menor, e isso impacta o trabalho desenvolvido por elas. Para elas, a maternidade não é um fator tão impeditivo, como é para mulheres brancas, porque as artimanhas do racismo são mais fortes e enraizadas nas estruturas e instituições.
Estudantes de pós-graduação também foram afetados. Nesse recorte, a mulheres negras com filhos permanecem na base da pirâmide, aparecendo como as que menos conseguem trabalhar de casa, somente, 9,9%. Por outro lado, 43,5% dos homens brancos conseguem manter o ritmo de teletrabalho.
Pais e mães apresentam produtividade diferente
O levantamento apontou ainda que, entre homens e mulheres pós-doutorandos, 4,2% deles afirmam que conseguem cumprir suas demandas de home office. Já para elas esse número cai para 2,2%.
Acreditamos que, em função do racismo, mulheres negras têm uma rede de colaboração menor, e isso impacta o trabalho desenvolvido por elas. Para elas, a maternidade não é um fator tão impeditivo, como é para mulheres brancas, porque as artimanhas do racismo são mais fortes e enraizadas nas estruturas e instituições
FERNANDA STANISÇUASKI
Coordenadora do Parent in Science
Para Rossana Soletti, integrante do Parent in Science, o motivo dessa disparidade está no machismo enfrentado pelas mulheres.
— Historicamente, as mulheres acumulam tarefas domésticas, cuidados com filhos e parentes idosos de modo muito mais intenso do que os homens. Na licença-maternidade, nos primeiros meses de vida do bebê, a responsabilidade com o cuidado da criança acaba sendo majoritariamente da mãe, e isso é normalizado como regra. Além disso, a divisão de tarefas domésticas ainda é muito desigual no Brasil — diz ela.
Esse dado se refere à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgado em junho deste ano, que aponta que as mulheres dedicam, em média, 21 horas semanais ao trabalho doméstico e/ou ao cuidado com pessoas da família. Para os homens, esse empenho é de 11 horas semanais.
Impacto na ciência
Nessa pirâmide da produtividade acadêmica, foi identificado que os homens brancos e sem filhos são os menos impactados pela pandemia. O problema, segundo a coordenadora do Parent in Science, é que isso acarreta sérias consequências para o desenvolvimento científico do Brasil e do mundo:
Quando temos, basicamente, homens, brancos e cisgêneros pensando a sociedade e tentando desenvolver tecnologias e soluções para os problemas da sociedade, a gente acaba tendo uma gama muito pequena de diferentes soluções, porque a diversidade desses pesquisadores é praticamente nula
FERNANDA STANISÇUASKI
Coordenadora do Parent in Science
— Quando temos, basicamente, homens, brancos e cisgêneros pensando a sociedade e tentando desenvolver tecnologias e soluções para os problemas da sociedade, a gente acaba tendo uma gama muito pequena de diferentes soluções, porque a diversidade desses pesquisadores é praticamente nula. Grupos diversos trazem diferentes olhares para as questões impostas, eficiência e excelência.
Como solução para essa disparidade, os autores do estudo indicam alternativas para as agências de fomento à pesquisa e para as universidades:
- Flexibilização do prazo para submissão em editais de fomento
- Flexibilização do prazo para prestação de contas e relatórios de projetos
- Editais específicos aos grupos mais atingidos, para evitar o agravamento da disparidade de gênero e raça
- Aumento do tempo de análise do currículo para mulheres com filhos, em editais de financiamentos e concursos
- Agendamento dos horários de reuniões, considerando o horário escolar no qual mães e pais devem dar suporte a seus filhos
- Redistribuição, sempre que possível, da carga horária didática e atividades administrativas de maneira a não sobrecarregar os grupos de cientistas mais atingidos pela pandemia