Às 17h desta terça-feira (14), no horário de Brasília, o pesquisador gaúcho Jefferson Simões, um dos principais exploradores da Antártica, lançará aos céus do Polo Sul um balão meteorológico próximo à estrutura da nova Estação Científica Comandante Ferraz nas coordenadas 62º05'S 58º 23'W, o endereço do Brasil no continente branco. O experimento, embora simples para os padrões de pesquisa no local, estará carregado de simbologias. Marcará a reinauguração da casa brasileira, construída no mesmo local do velho complexo de contêineres de cor verde consumidos por um incêndio em fevereiro de 2012.
Iniciadas em 2015, as obras da nova estação, um colosso de 4,5 mil metros quadrados (quase o dobro da anterior), tem capacidade para 65 pesquisadores que trabalharão em 17 laboratórios (14 internos e três externos). O custo total da construção chegou a US$ 99,6 milhões.
A cerimônia de reinauguração de Ferraz coloca o Brasil em uma nova era da pesquisa na Antártica. Realizar estudos no continente é um dos requisitos exigidos pelo Tratado Antártico para um país continuar tendo direito a voto nas decisões sobre o futuro da região, uma imensidão de gelo e terra encharcada de petróleo, gás e com espécies ainda desconhecidas - algumas, apostam cientistas, capazes de ajudar na cura de doenças como câncer ou de outras que talvez nem conheçamos ainda.
Assinado em 1º de dezembro de 1959, o acordo barra qualquer tentativa de algum governo reivindicar para si parte do território, realizar experiências com armas atômicas ou mesmo extrair riquezas minerais. Em outras palavras, a Antártica não pertence a nenhum país, embora potências tenham se instalado em locais estratégicos do território: os Estados Unidos, por exemplo, têm quatro estações permanentes, uma delas, Amundsen-Scott, no polo sul geográfico.
Em 25 de fevereiro de 2012, um incêndio iniciado na praça de máquinas de Ferraz matou dois militares, destruiu 70% do módulo principal e provocou um prejuízo de R$ 24 milhões. Reconstruir a estação foi uma das prioridades do governo Dilma Rousseff, dentro da estratégia da Marinha Brasileira de projeção de influência no Atlântico Sul - que chama de Amazônia Azul, uma área de mar territorial equivalente à Amazônia e que compreende regiões do pré-sal.
Sob influência dos militares, em especial da Marinha, o governo Jair Bolsonaro deu prosseguimento ao trabalho. O escritório de arquitetura paranaense Estúdio 41 venceu a licitação para planejar o design da nova estação, e a estatal chinesa China National Electronics Import & Export Corporation (Ceiec) foi ganhadora do consórcio internacional para a construção.
Ao longo dos últimos quatro anos, fundações, módulos e outras estruturas foram montadas em Xangai, na China, e transportadas no navio Magnólia para a península antártica. Como um jogo de lego gigante e pesado, a estação foi ganhando forma. Hoje pronta, é capaz de suportar ventos de 200 km/h e até terremotos. Desde o incêndio de 2012, a segurança virou obsessão. Em todas as unidades, foram instaladas portas corta-fogo, sensores de fumaça e alarmes. Nas salas de máquinas e geradores, as paredes são feitas de material ultrarresistente e suportam as chamas por duas horas.
— Nossa antiga estação não era construída para ser científica. Não tinha os requisitos para isso e, naquela época, até requisitos de segurança eram improvisados. Fomos crescendo ao longo do tempo. Hoje, não. Temos uma estação construída para ser científica — afirma o almirante Sérgio Guida, secretário da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (Cirm).
Uma comitiva com 45 autoridades, militares, pesquisadores e assessores deve participar da inauguração. O presidente Bolsonaro será representado pelo vice, Hamilton Mourão. Três ministros também confirmaram presença: Tarcísio de Freitas (Infraestrutura), Fernando Azevedo e Silva (Defesa) e Marcos Pontes (Ciência). Encerrada a construção, a atenção agora se concentra nos investimentos no Programa Antártico Brasileiro (Proantar), que há anos sofre com a inconstância na liberação de recursos.
De acordo com a Marinha, a verba para logística está garantida. Um convênio de R$ 400 milhões com a Petrobras garantirá recursos e combustível por cinco anos para a estação e os navios que operam na região, e emendas parlamentares têm ajudado a fechar as contas. Cientistas, entretanto, denunciam o temor de falta de verbas para pesquisas em razão de cortes federais de bolsas de estudo. Em 2018, foi aberto edital de R$ 18 milhões para pesquisa científica na Antártica. O montante banca as atividades de 17 projetos por quatro anos, R$ 4,5 milhões ao ano.
A nova estação Comandante Ferraz, pintada em verde mais escuro do que a antiga, é o experimento prático de teorias desenvolvidas pela engenharia, arquitetura, física, química e biologia do Brasil ao longo de 35 anos do país na Antártica. É como uma nave espacial, onde tudo é medido, testado. Desde o incêndio, as operações brasileiras são mantidas no Módulo Antártico Emergencial (MAE), erguido em contêineres a 50 metros da edificação original. Com a inauguração, todo o grupo passará a operar dentro da nova casa.
"Uma vitória da ciência"
A pesquisadora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Cristina Engel, que estuda a arquitetura na Antártica há mais de 30 anos, acompanhou a construção da nova estrutura.
— A reinauguração da estação já significa uma vitória da ciência, na medida em que ela foi projetada considerando todo o avanço científico e tecnológico alcançado em mais de 30 anos de pesquisas em tecnologia de edificações antárticas. Não é por acaso que a nossa estação tem estampado jornais de vários outros países. O Brasil hoje representa o que há de mais contemporâneo nas soluções adotadas para a questão da segurança, do mínimo impacto ambiental nas etapas de construção e uso, da maior eficiência energética, do máximo de conforto (térmico, acústico, lumínico, ergonômico e de qualidade do ar), das melhores soluções para o esgoto e os resíduos sólidos, entre outros aspectos — afirma a professora, atual secretária da Ciência, Tecnologia, Inovação e Educação Profissional do Espírito Santo.
Conforme ela, outro aspecto a ser considerado são os laboratórios, montados e equipados com a orientação dos mais renomados pesquisadores brasileiros:
— Espera-se que nossos pesquisadores tenham que demandar menos tempo e esforço nas tarefas cotidianas de operação e manutenção da estação, tais como limpeza, auxílio na rotina da cozinha, tratamento do lixo. Considerando que todas essas tarefas serão facilitadas em função das novas tecnologias adotadas, é de se esperar que além do conforto, os usuários da EACF possam dedicar mais tempo às atividades de campo e de laboratório.