Correção: A América do Sul se separou da África e não da Antártica como publicado entre 15h20min de sexta-feira (13) e 19h10min de domingo (15). O texto já foi corrigido.
As águas da costa brasileira serão palco, em 2020, de uma grande expedição científica internacional que busca conhecer as profundezas dos oceanos e investigar as origens e a estrutura do planeta Terra. A bordo do navio norte-americano Joides Resolution, pesquisadores de vários países irão perfurar o fundo do Oceano Atlântico, a 300 quilômetros de Recife (PE), para buscar evidências do ponto exato onde a América do Sul se separou da África , 120 milhões de anos atrás.
— Costumo dizer que o homem foi à Lua, mas não conhece os oceanos. O Atlântico tem muitos buracos, nas não conhecemos muito sobre sua história. Quanto ao Atlântico Sul, da linha do Equador para baixo, sabe-se menos ainda — afirma o geólogo Gerson Fauth, coordenador do Instituto Tecnológico de Micropaleontologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e um dos chefes da expedição.
Na "Expedition 388 - Equatorial Atlantic Gateway", os pesquisadores estudarão a evolução tectônica, climática e biótica do chamado Portal Equatorial do Atlântico, em três locais, próximos ao Platô de Pernambuco. A pesquisa acontecerá entre 26 de junho e 26 de agosto de 2020.
O trabalho é parte do International Ocean Discovery Program (IODP), um programa internacional de pesquisas marinhas que reúne há cerca de 50 anos boa parte da comunidade científica atuante nas ciências do mar em águas profundas de diversos países, usando avançada tecnologia em perfuração oceânica. O Brasil integra o consórcio desde 2013, enviando pesquisadores por meio de financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Ministério da Educação (MEC).
O navio Joides Resolution é composto por equipamentos de última geração voltados à pesquisa geofísica, geoquímica, microbiológica e paleoclimática. Com 130 metros de comprimento, a embarcação passa a maior parte do tempo percorrendo o mundo. Cada expedição, a um custo de US$ 25 milhões, conta com grupos de pesquisadores diferentes, que ficam embarcados por dois meses. Cada trabalho também tem uma abordagem científica diferente.
A embarcação tem capacidade para furar rochas a até 2 mil metros de profundidade, após percorrer 5 mil metros de lâmina d'água (distância entre a superfície e o fundo do oceano). Por meio de um sistema de dutos (espécie de canos), são extraídos sedimentos, que os pesquisadores chamam de testemunhos. São retirados grandes pedaços de 10 em 10 metros. Quanto mais profundo o trecho de sedimento, mais antiga é sua formação. Assim, é possível aos pesquisadores estudarem os componentes e estabelecer até mesmo a idade de determinado pedaço de rocha.
A escolha da costa do Nordeste para a perfuração não é por acaso. Os pesquisadores afirmam que ali seria o ponto exato da separação entre os continentes americano e africano. Companhias de petróleo têm algumas informações, mas, conta o professor, como elas fazem perfurações de forma rápida, não conseguem retirar amostras científicas de qualidade.
— A Terra funciona como um bolo, as fatias que ficam na parte superior são as mais recentes. À medida que vai entrando, vai ficando mais velho. O que queremos fazer em uma das perfurações é tentar chegar ao momento exato em que a África e a América do Sul se romperam.
Em um dos locais, o navio ficará parado durante um mês em um único ponto. A ideia é chegar a 1,2 mil metros nas entranhas da Terra, com uma lâmina d'água de 3,5 mil metros abaixo do navio. Depois, serão feitas perfurações em mais três pontos, esses buscando identificar rochas "mais recentes", que contem a história do planeta há 66 milhões de anos.
Além de Fauth, integram o grupo de 27 pesquisadores internacionais os geólogos brasileiros Karlos Diemer Kochhann, também da Unisinos, e Carlos D'Apolito, Jr., da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). Esta será a segunda vez que a expedição percorrerá a costa do Brasil. Nos anos 1970, os cientistas perfuraram pontos a 500 quilômetros da linha de São Paulo.
Deriva dos Continentes
Uma dos mais importantes trabalhos do IODP foi confirmar nos anos 1960 a chamada teoria da Deriva dos Continentes, do meteorologista alemão Alfred Lothar Wegener, de 1912. Ele argumentou que há cerca de 200 milhões de anos, ainda na Era Paleozoica, havia um supercontinente "mãe" — Pangeia — e um gigantesco oceano chamado Pantalassa. A Pangeia começou a fraturar-se e, primeiro, se dividiu em dois grandes continentes, Laurásia e Gondwana.
— Ele propôs que na Terra os continentes viajavam. E na década de 1960, o IODP descobriu que isso era verdade. Os pesquisadores saíram de Portugal até os Estados Unidos e fizeram perfurações, e foram descobrindo que a medida em que chegavam próximos à cadeia oceânica, entre as Américas, a Europa e a África, no meio do Oceano Atlântico, as idades das rochas iam diminuindo — explica o geólogo Gerson Fauth.
À medida que os continentes se separavam, a água foi ocupando o espaço e foram surgindo os oceanos.
O professor conta que o Oceano Atlântico e o Atlântico Sul, em especial, são "os mais jovens da Terra", tendo se formado há 120 milhões de anos. Parece muito, mas no tempo geológico isso é bastante recente.
— Quando a América do Sul se separou da África, mudaram as correntes, o clima, muita coisa começou a acontecer na Terra — diz Fauth.
Como será a operação
- O navio Joides Resolution perfurará quatro pontos da costa brasileira, a 300 quilômetros de Recife.
- Em um dos locais, serão extraídos sedimentos a 1,2 mil metros de profundidade na rocha. O instrumento de perfuração inicia os trabalhos após percorrer uma lâmina d'água (profundidade) de 3,5 mil metros abaixo do navio.
- São retirados sedimentos de 10 em 10 metros.
- Como se fosse uma fatia de bolo, quanto mais profunda a localização do sedimento, mais antiga é sua formação geológica.