O 5G está chegando ao Brasil. E, com ele, uma tecnologia que pode nos levar a uma era de hiperconexão (leia na outra parte desta reportagem). Se o país demorar muito para implementar a nova geração de transmissão de dados – por enquanto, só disponível na Coreia do Sul, nos Estados Unidos, na China e em alguns países da Europa –, será por um destes três motivos: falta de investimentos, demora para regulamentar a tecnologia ou indecisão quanto a qual padrão utilizar. Por enquanto, a expectativa é de que se comece a ofertar telefonia 5G no Brasil em 2021.
A necessidade de investimentos significativos em infraestrutura é um dos principais impeditivos, e provavelmente o que mais vai impactar em uma transição gradual na América Latina. Nos Estados Unidos, o custo de implantação está estimado em US$ 104 bilhões (cerca de R$ 440 bilhões), de acordo com um relatório da consultoria em telecomunicações iGR. Antes de implementar, é preciso adquirir a tecnologia – e não fazê-lo a qualquer custo, mas com atenção a questões de cibersegurança e disponibilidade para os usuários e governos.
– Para a rede 5G ser implantada, primeiro é necessário que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) leiloe faixas de frequência a serem usadas pelas operadoras, o que está previsto para 2020. O passo seguinte é a escolha da solução a ser adotada no Brasil. Grandes empresas multinacionais poderão fornecer essas soluções – explica o professor da Universidade Feevale Vandersilvio da Silva.
O Brasil chegou a fazer pesquisas relacionadas ao desenvolvimento da tecnologia, por meio do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), juntamente com a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP). Porém, o provável é que escolha um dos padrões existentes para ser aplicado no país. O primeiro passo para o leilão do 5G, que deve ocorrer em 2020, foi dado no último dia 19, com a inclusão da concessão das frequências no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo federal. O Planalto definirá diretamente os parâmetros do leilão, por meio do Conselho do PPI.
Um dos empecilhos apontados para a dificuldade de implementar a rede 5G no Brasil está na demora na emissão de licenças de antenas. Para Ricardo Dieckmann, ex-diretor do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviços Móvel Celular e Pessoal (Sinditelebrasil), em algumas cidades o tempo de espera das empresas chega a um ano.
– Não há um número exato, mas estima-se que tenhamos 94 mil antenas instaladas no Brasil. Esse é o mesmo número da Itália, que é um país que tem as dimensões um pouco maiores do que as do Rio Grande do Sul. Essa escassez é maléfica ao desenvolvimento econômico do país, já que a maioria das tecnologias pensadas para o futuro depende da internet – observa Dieckmann, que destaca ainda que, para a 5G se tornar realidade no Brasil, será preciso instalar um número de antenas cinco vezes superior ao da tecnologia 4G.
Para Felipe Roberto de Lima, gerente de Regulamentação da Anatel, a diversidade de regras que cada município brasileiro apresenta para liberar a instalação dos transmissores é parte importante do imbróglio. Ele diz que há uma divisão entre o que é de competência da agência reguladora e das prefeituras.
– Fazemos o processo ligado à licença do equipamento de telecomunicação e ele é 100% digital, é rápido e não tem gargalo. As limitações incabíveis ao uso de solo impostas, como a impossibilidade de instalar antenas em áreas próximas a escolas e hospitais pelos municípios, são ações que travam o andamento das etapas – avalia Lima.
Porto Alegre é considerada um destaque positivo nessa área. O Ranking Cidades Amigas da Internet, elaborado pela Teleco, empresa especializada em telecomunicações, e divulgado pela Associação Brasileira de Telecomunicações (Abrintel) em maio deste ano, identificou, entre os cem municípios mais populosos do país, quais são os que mais estimulam a oferta de serviços de telefonia. No levantamento, Porto Alegre aparece em quarto lugar no ranking geral e é líder entre as capitais.
Uma guerra entre EUA e China
Na fase atual da corrida pela implementação do 5G, há basicamente duas opções para tornar a nova tecnologia realidade no Brasil: alinhar-se aos Estados Unidos ou à China.
O grupo chinês de telecomunicações Huawei é líder mundial no desenvolvimento do 5G, mas suas ambições enfrentam a oposição do governo norte-americano, que recomendou a outros países o boicote à empresa por acusações de espionagem. Alheios às críticas, os chineses, que mantêm uma rivalidade tecnológica com os Estados Unidos, têm acelerado a implementação nas operadoras de telefonia do país e procurado negócios no mundo.
O Brasil tem papel importante nessa disputa e vem sendo assediado dos dois lados. Representantes do presidente Donald Trump têm aproveitado reuniões com autoridades brasileiras para levantar preocupações sobre a segurança dos equipamentos da Huawei, que estariam suscetíveis a ataques cibernéticos. Ciente da ofensiva, o novo presidente-executivo da Huawei no Brasil, Yao Wei, também se reuniu com Jair Bolsonaro em meados de novembro.
Mas como fica o país, que busca manter boas relações tanto com a China quanto com os Estados Unidos?
– Quanto mais aberta for a tecnologia, mais acesso as pessoas vão ter e maior também vai ser o poder das empresas que controlam o tráfego de dados. Comunicações sensíveis são muito importantes para um país e, se isso preocupa um governo como o dos Estados Unidos, imagina essa fragilidade em um continente como a América Latina – descreve o cientista político Bruno Lima Rocha, professor de Relações Internacionais e de Jornalismo na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
A disputa comercial, claro, é compreensível. Os países que saírem na frente terão vantagens econômicas – há quem estime mais de uma década de vantagem competitiva. A Huawei incomoda seus concorrentes por ter desenvolvido equipamentos mais potentes, menores, e que operam com todos os tipos de tecnologia (2G, 3G, 4G, 4,5G e 5G). Isso tudo a um preço mais baixo do que aquele oferecido pelos norte-americanos.
“Permitir equipamentos de telecomunicações chineses em qualquer ponto de uma rede 5G cria um risco inaceitável para a segurança nacional, infraestrutura, privacidade e direitos humanos”, defende a Embaixada norte-americana, em nota enviada à imprensa. Nos Estados Unidos, quem desenvolve a tecnologia são as próprias operadoras de telecomunicação, e não os fabricantes de equipamentos, como a Huawei. O que o governo Trump tenta fazer é restringir o uso dos equipamentos fabricados pela gigante chinesa.
Para Bruno Lima Rocha, o Brasil não pode se ater a parcerias econômicas ou políticas na decisão sobre qual tecnologia implementar. A condição ideal seria que o país, de forma soberana, diversificasse suas relações diplomáticas e equilibrasse a balança, não pendendo para a dependência de nenhuma nação.
– Diversificando suas relações, o Brasil tem muito mais jogo de cintura para buscar alianças com os dois países e outros mais. Afinal, quanto mais diverso o tabuleiro, mais chances têm os jogadores – define Rocha.
Toda essa disputa não é uma exclusividade do Brasil: na Alemanha, houve a suspeita de que a Huawei tivesse espionado o governo usando equipamentos que, supostamente, permitiriam acesso completo aos dados trafegados pela rede. Mas uma investigação conduzida pelo Escritório Federal de Segurança da Informação da Alemanha atestou que o 5G da Huawei é seguro. O Reino Unido também tentou banir a companhia, assim como os Estados Unidos, que chegaram a barrar a Huawei antes de voltar atrás devido à pressão empresarial.
A China, por meio da Huawei, já desenvolve pesquisas para implementação da tecnologia 6G. O ministério chinês da Ciência e Tecnologia anunciou, no início de novembro, a criação de um grupo de trabalho para a criação da sexta geração poucos dias depois de lançar a tecnologia 5G. O ministério reuniu 37 especialistas, procedentes de universidades, institutos de pesquisa e empresas. “Esse é o início oficial da pesquisa e do desenvolvimento das redes 6G”, afirmou o órgão do governo chinês em um comunicado.
5 passos para implementar o 5G no Brasil
- O governo brasileiro ainda não decidiu as regras e os espectros a serem colocados à venda. Depois é que será definida a data do chamado leilão do 5G. As operadoras interessadas deverão apresentar propostas de instalação das redes seguindo as especificações a serem definidas pelo governo (em uma operação liderada pela Agência Nacional das Telecomunicações, a Anatel). A estimativa é de que o leilão, previsto inicialmente para 2020, movimente até R$ 20 bilhões, segundo a Anatel. Caso o prazo seja cumprido e o leilão, realizado no ano que vem a implementação do 5G no Brasil deve ocorrer em 2021.
- Até o fim de outubro de 2019, 328 operadoras, em 109 países, haviam lançado ou feito testes para implementação do 5G. As nações que lideram o desenvolvimento dessa quinta geração de transmissão de dados são China e EUA. Basicamente o governo brasileiro precisa optar por um dos dois, sendo que a tecnologia norte-americana é desenvolvida pelas próprias operadoras privadas de telecomunicação e a chinesa, pela gigante Huawei, líder mundial na produção de equipamentos para a área.
- Enquanto o Brasil não anuncia detalhes do leilão, a disputa de bastidores persiste: de um lado, os norte-americanos levantam preocupações sobre a segurança dos equipamentos da Huawei, que estariam suscetíveis a ataques cibernéticos e espionagem, o que é rechaçado pelos chineses. A União Europeia (UE) também já demonstrou preocupação quanto à vulnerabilidade chinesa, embora a Alemanha tenha investigado os equipamentos da Huawei e concluído que eles são seguros.
- A implementação da nova e revolucionária tecnologia de conexão implica em profundas ampliações de infraestrutura no país, que precisará ser disponibilizada para o aproveitamento de seus benefícios. Será necessária, principalmente, uma grande quantidade de fibra para gerenciar o aumento maciço de banda larga. A captação massiva de dados só será possível com uma rede adequada.
- Por fim, caso o Brasil de fato consiga implementar o 5G, e com a infraestrutura adequada, poderemos adentrar na era de hiperconexões, em que objetos como TVs inteligentes e carros autônomos serão difusores do sinal de internet (a chamada Internet das Coisas), possibilitando que 1 milhão de dispositivos estejam conectados no espaço de apenas 1 quilômetro quadrado.
* Colaborou Iarema Soares