Em breve, o elevado tempo de espera em qualquer atividade mais complexa realizada online pode ser coisa do passado. Imagine decidir assistir a um filme em casa e, 40 segundos depois, já tê-lo completo, em alta definição, pronto para ser visto – algo que, atualmente, mesmo em casas com boa conexão de internet, demora vários minutos, se não horas. Chamadas em vídeo em alta qualidade, ligações online mais estáveis e compartilhamento quase instantâneo de arquivos são apenas algumas das promessas da tecnologia 5G, que está chegando à América Latina e, se as condições políticas e de infraestrutura permitirem, logo deve fazer parte da rotina dos brasileiros (leia aqui, na continuação desta reportagem).
Com velocidade até cem vezes superior ao 4G, a nova geração de dados deve ter um impacto direto no nosso dia a dia. E isso vai além dos filmes, dos vídeos e das chamadas telefônicas. Os benefícios passam por casas inteligentes, transportes mais conectados e avanços na saúde: na China e na Espanha, já foram realizadas cirurgias remotas usando a nova geração de redes ultrarrápidas, que melhora a definição e a qualidade da imagem, cruciais para os médicos tomarem decisões com o máximo de informação possível e, assim, diminuir o risco de erros. O 5G ainda reduz a latência das redes, ou seja, o tempo necessário para receber uma resposta às informações entregues: os dados chegam quase ao mesmo tempo em que são enviados.
– O 5G aumenta muito a velocidade de transmissão dos dados. Teremos conversas com vídeo praticamente sem atrasos, jogos que respondem mais imediatamente os nossos comandos e realidade aumentada quase em tempo real – diz a professora da Escola Politécnica da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Cristina Moreira Nunes.
Mais do que a velocidade e as transmissões rápidas em alta definição, o grande diferencial da tecnologia está na chamada escala. Milhões, até bilhões de aplicativos, de controles de máquina e processos poderão ser rodados ao mesmo tempo, no mesmo espaço – um aumento muito significativo na capacidade de se ter dispositivos conectados à internet com a mesma qualidade. Já tentou usar a internet dentro de um estádio de futebol lotado? Ou baixar grandes arquivos enquanto outras pessoas na sua casa estão fazendo o mesmo?
– A quinta geração da telefonia celular vem ao encontro da necessidade de muito mais dispositivos conectados, oriundos da chamada “Internet das Coisas”. A expectativa é de que possa haver 1 milhão de dispositivos conectados por quilômetro quadrado – projeta Vandersilvio da Silva, professor dos cursos das áreas de Computação e Engenharia da Universidade Feevale.
Para Silva, essa revolução ficará justamente marcada pela esperada conexão de dispositivos de Internet das Coisas. A promessa é que, por meio dessa rede, também conhecida como IoT (sigla em inglês para “Internet of Things”), veículos, prédios e os mais variados produtos com tecnologia embarcada, como geladeiras e televisores, poderão coletar e transmitir dados. Será uma extensão da internet atual, possibilitando que muito mais coisas do dia a dia se conectem à rede.
– O 5G deverá interligar todos os objetos, combinando novas tecnologias. Provavelmente veremos a automatização de operações complexas com drones, a otimização da eficiência energética dos edifícios, infraestruturas inteligentes com objetos do dia a dia conectados e muito mais. Mas ainda levará vários anos até sentirmos todo o seu efeito – prevê Cristina.
Ainda que inicialmente a passos curtos, o 5G nasce conectando bilhões de dispositivos, incluindo carros autônomos, TVs inteligentes e outros objetos propagadores de sinal (29 bilhões, conforme estimativas de empresas como a Ericsson e a Verizon, em 2022). A partir dessa implementação, aparelhos conectados à internet poderão integrar suas atividades em um ambiente “quase vivo” de relações máquina-máquina e máquina-ser humano.
– Essa captação massiva de dados só será possível com uma rede adequada. A quinta geração se propõe a ser essa rede – completa Silva.
Mas nada garante que a tecnologia estará acessível a todos. Estima-se que os preços de acesso, tanto em relação aos aparelhos compatíveis quanto à própria rede, serão impeditivos para a maioria da população. Para Flávia Lefévre, advogada e integrante do Comitê Gestor da Internet no Brasil, a desigualdade no acesso à internet de alta velocidade se aprofundará, privilegiando consumidores de alta renda.
– Vai se acirrar a diferença entre a qualidade da internet dos ricos e a dos pobres, se não houver uma política pública que responda à realidade que a gente tem – alerta ela.
Ainda que 70% dos brasileiros estejam conectados à internet, conforme levantamento do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), ligado ao Comitê Gestor da Internet (CGI.br), a participação é desigual. Enquanto o percentual de pessoas conectadas nas classes A e B é de 92%, nas classes D e E fica em 48%. Entre aqueles que completaram o nível superior, a acessibilidade chega a 98%. Para quem não tem mais do que o Ensino Fundamental completo, o índice é de 65%.
A novidade não significa que as outras tecnologias deixarão de existir. Afinal, mesmo com a grande cobertura atual das redes 4G no Brasil, não é raro que seu celular também mostre, de vez em quando, símbolos como 3G, H+, G e até E na barra de sinais do aparelho, quando em locais em que a conexão não é das melhores ou quando tem muita gente usando a internet ao mesmo tempo.
– Os outros padrões continuarão existindo, e a nova tecnologia será implantada aos poucos. Um grande desafio é fornecer uma infraestrutura que consiga transportar a enorme quantidade de dados dos dispositivos que estarão conectados – pontua Silva.
A ideia, especialmente no início da implementação – já que as mudanças não serão percebidas pelo consumidor de um dia para o outro, e a transição se dará por partes, mais em algumas regiões do que em outras –, não é que o 5G substitua completamente as gerações anteriores da rede móvel, mas complemente gradualmente o que já existe, conforme a demanda.
Para os mais entusiastas, diferentemente de transições anteriores, como a de 3G para 4G, a mudança para o 5G irá impactar de forma significativa na qualidade de vida, melhorando o dia a dia de todos graças aos resultados de se ter uma enorme quantidade de máquinas conectadas e às possibilidades trazidas pela Internet das Coisas.
Já os menos otimistas trazem à tona questões como eventuais malefícios à saúde da exposição dos seres humanos a quantidades tão grandes de irradiação eletromagnética, além de riscos quanto à proteção de dados e possíveis ameaças cibernéticas.
O certo é que, com o 5G, poreremos alcançar uma era de total conexão, com sinais emitidos praticamente a partir de todos os lados – e tudo aquilo que isso traz de bônus e também de ônus.
O que é o 5G
- É a nova tecnologia de internet, capaz de mudar as comunicações como um todo, pela intensidade das conexões e pela sua alta capacidade de difusão. Estima-se que as redes 5G precisarão de 15 vezes mais espaço do que as tecnologias 2G, 3G e 4G combinadas.
- Muitos dos aparelhos atuais não estão aptos a usufruir da tecnologia 5G. Eletrônicos compatíveis com a nova tecnologia já estão sendo lançados, mas será preciso adquirir novos produtos para aproveitá-la: não há compatibilidade direta entre os aparelhos 4G e os 5G.
Onde já está disponível?
- Até o fim de outubro, 328 operadoras, em 109 países, haviam lançado ou feito testes para implementação do 5G. Na Coreia do Sul, nos EUA, na China e em países da Europa o 5G já é realidade. O serviço comercial deverá estar disponível até 2020 em Canadá, Noruega, Alemanha, Suíça, Japão e Austrália.
- No Brasil, a oferta deve ficar para 2021. Isso porque o governo ainda não decidiu as regras e os espectros a serem colocados à venda. Depois é que será definida a data do chamado leilão do 5G. Também há a pressão das operadoras de telecomunicações, que manifestaram desejo de ver o leilão mais adiante.
As disputas para levar a outros países
- Dois países lideram o desenvolvimento do 5G: China e EUA. Mercados como o brasileiro são importantes para ambos. Os norte-americanos levantam preocupações sobre a segurança dos equipamentos da chinesa Huawei (líder mundial na área), que estariam suscetíveis a ataques cibernéticos e espionagem. Nos EUA, a tecnologia é desenvolvida diretamente pelas operadoras de telecomunicações. A China defende seus equipamentos: mais da metade das operadoras do planeta, garante o governo chinês, os utiliza sem ter acusado problemas. Além dos EUA, a União Europeia (UE) também faz restrições à Huawei. Mas, após investigação, a Alemanha aprovou os equipamentos da gigante asiática.
- O caminho a se trilhar no Brasil será indicado no leilão do 5G. As operadoras interessadas deverão apresentar propostas de instalação das redes seguindo as especificações a serem definidas pelo governo (em uma operação liderada pela Agência Nacional das Telecomunicações, a Anatel). A estimativa é de que o leilão, previsto inicialmente para 2020, movimente até R$ 20 bilhões, segundo a Anatel.
4 promessas do 5G
- Velocidade ultrarrápida de conexão: a experiência de acesso à internet sem fio será muito diferente para os usuários móveis: espera-se que as velocidades para enviar e receber dados, com o 5G, sejam em torno de cem vezes melhores do que com o 4G.
- A “Internet das Coisas”: para os consumidores, a tecnologia é representada por objetos que executam funções e trocam informações entre si sem precisar da intervenção humana para isso. A chamada IoT (sigla em inglês para “Internet of Things”) pode ser aplicada tanto em sistemas de robótica mais complexos quanto em dispositivos como eletrodomésticos inteligentes (o robô da foto acima, por exemplo).
- Saúde: na China e na Espanha, cirurgiões já realizaram operações guiadas remotamente com alta qualidade de imagem e tempo mínimo de resposta usando a nova geração de redes ultrarrápidas. Devido à baixa latência oferecida pelo 5G, mais cirurgias e também consultas importantes poderão ser realizadas a distância.
- Transporte: carros autônomos, que funcionam sem condutor, até já existem. A diferença é que, com conexões melhores, esses veículos serão mais confiáveis e seguros.
4 desafios do 5G
- Infraestrutura: com uma tecnologia melhor, vem também a necessidade de infraestrutura melhor. No caso do 5G, será necessária uma grande quantidade de fibra para gerenciar o aumento maciço de banda larga. A captação massiva de dados só será possível com uma rede adequada.
- Investimentos: a necessidade de aporte significativo de recursos em infraestrutura deve significar que, em países em desenvolvimento, como os da América Latina, a transição de redes será de maneira gradual: primeiro em algumas regiões, depois em outras.
- Governos versus operadoras versus Forças Armadas: para manter a segurança de informações sensíveis envolvendo a Defesa, os governos reservam um espaço significativo da infraestrutura para entidades militares, que a utilizam para a comunicação via satélite e o monitoramento climático, entre outros. O aumento da demanda por capacidade de espectro deve levar a negociações entre operadoras, governos e Forças Armadas para saber quem vai usar qual espaço. O governo norte-americano, por exemplo, já alertou o Congresso de que o projeto de telecomunicações de quinta geração da China deve interferir diretamente nos sistemas de armas dos Estados Unidos.
- Desigualdade: a tendência, apontam pesquisadores, é de aumento da distância entre as condições de conectividade entre os mais ricos e os mais pobres. Uma política pública que atenda aos interesses das parcelas menos privilegiadas economicamente é considerada a solução para amenizar o problema.