Ao mesmo tempo em que busca difundir uma imagem de empresa moderna, preocupada com o ambiente, a gigante de tecnologia Google faz "contribuições substanciais" para alguns dos mais conhecidos institutos ou empresas que negam mudanças climáticas do planeta.
É o que revela nesta sexta-feira (11) uma reportagem do jornal britânico The Guardian. A contradição entre discurso e prática eleva a pressão sobre a companhia do Vale do Silício, questionada por autoridades americanas e pela União Europeia por suspeitas de práticas de concorrência desleal, concentração de poder econômico (duopólio, junto com o Facebook) e métodos pouco transparentes.
A reportagem do Guardian mostra que declarações públicas da empresa exigindo ações para conter o aquecimento global contrastam com o apoio a grupos conservadores que negam evidências científicas sobre o clima e fazem pressão sobre o Congresso americano e a Casa Branca contra legislações que restrinjam atividades que tenham impacto ambiental.
Entre os grupos que a empresa lista em seu site como beneficiários de suas doações, há mais de uma dúzia de organizações. Algumas fizeram campanhas contra mudanças na legislação ambiental, questionaram a necessidade de ação contra causadores do efeito estufa ou tentaram reverter decisões pró-ambiente tomadas pelo governo do ex-presidente Barack Obama.
Na relação, aparece o Competitive Enterprise Institute (CEI), grupo conservador que foi determinante para convencer o governo de Donald Trump a abandonar o Acordo de Paris, pacto global sobre mudanças climáticas assinado na capital francesa em 2015. Publicamente, entretanto, o Google disse "estar decepcionado" com a decisão dos EUA de abandonar o tratado.
A gigante da tecnologia também aparece como patrocinadora do próximo encontro anual da State Policy Network (SPN), rede que inclui grupos como o Heartland Institute. A organização criticou a ativista adolescente Greta Thunberg por sua "ilusão histérica" durante a Cúpula sobre Ação Climática das Nações Unidas, em setembro. O SPN administra um site que nega dados científicos e afirma que "o ambiente natural está melhorando" e que "não há crise climática".
Em seu site, o Google afirma estar comprometido em garantir que seu engajamento político seja "aberto, transparente e claro para nossos usuários, acionistas e público". Mas a empresa se recusou a responder às perguntas do Guardian sobre quanto doou às organizações citadas. Em sua página dedicada à "transparência", a companhia descreve os grupos — incluindo alguns de viés progressista, como o Center for American Progress — como tendo recebido contribuições "substanciais". Além do CEI, aparecem a American Conservative Union, cujo presidente, Matt Schlapp, trabalhou por uma década na Koch Industries e contribuiu com políticas anti-ambientais da empresa em Washington.
Questionado pelo Guardian, o Google defendeu suas contribuições: a "colaboração não significa que apoiamos toda a agenda de uma organização". Um porta-voz da empresa acrescentou que a companhia patrocina "organizações de todo o espectro político" e que "defendem políticas tecnológicas fortes".
Ativistas e líderes da oposição americana ouvidos pelo Guardian dizem que, para uma empresa que pretende apoiar ações globais sobre as mudanças climáticas, essa contradição é questionável.
— Essas contribuições deveriam ser inaceitáveis — afirmou Sheldon Whitehouse, senador democrata por Rhode Island e um dos mais importantes defensores da ação climática no Congresso.
O CEI, um dos grupos apoiados financeiramente pelo Google, se opôs à regulamentação da internet e ao cumprimento de regras antitruste e defendeu a empresa contra as alegações de alguns parlamentares republicanos que afirmam que a ferramenta de busca tem viés anticonservador.
O Google está sob pressão por causa de uma megainvestigação que engloba praticamente todos os Estados americanos. Um grupo de 50 procuradores-gerais avalia se as práticas de publicidade digital da gigante ferem as leis que regem a concorrência. A suspeita é de que a companhia pode estar aumentando os custos para os anunciantes, aproveitando-se de sua posição dominante no mercado. Também questionam se a ferramenta de buscas efetivamente apresenta os resultados mais relevantes aos internautas.