— Ei, Google, limpe.
Após dizer essas três palavras, Daniela Meirelles, 31 anos, vai despreocupada para a academia e para o cinema, entre outras atividades prazerosas, enquanto deixa o trabalho sujo para Neato, o robô que executa a tarefa de aspirar a casa. A gaúcha, que trabalha no Booking.com e mora há três anos em Amsterdã, na Holanda, com o marido, é dona de um Google Home, dispositivo que parece uma caixinha de som, mas é um assistente virtual acionado por comando de voz. Por meio dele, é possível saber desde seus compromissos do dia até descobrir qual o nome da estrela mais distante da Terra.
O “voicebot” (robô de voz) funciona como despertador, mapa e muitas outras aplicabilidades, mas um dos grandes trunfos é sua interação com eletrônicos e o cumprimento de atividades domésticas.
— Temos um no quarto e outro na sala. Damos comandos para ele ligar ou desligar as luzes e a TV e colocar para rodar alguma série na Netflix. O bom é que, quando falo, ele já identifica que precisa logar na minha conta da Netflix, e não na do meu marido — diz Daniela.
Foi a partir do interesse nos assistentes, em 2011, que as interfaces por voz começaram a ficar mais conhecidas e se tornaram objetos de desejo no Brasil. Apesar de ainda não termos assistentes virtuais que falem português, Alessandro Lima, CEO da companhia de gestão de relacionamento digital E.Life, acredita que, cada vez mais, o mundo será mediado por esse tipo de tecnologia.
— Vários estudiosos da área já apontavam a popularização e o interesse das pessoas e também de empreendimentos pelos voicebots. Esperávamos que eles acontecessem. O mercado para o setor começou agora no Brasil. Nós desenvolvemos trabalhos pontuais com algumas empresas, mas a tendência é de grande crescimento. Esse tipo de interface será tão importante para os estabelecimentos quanto os sites foram na década de 1990 — aposta Lima.
Não é simples criar esses robôs
A engenharia parece complexa, uma caixa preta. Mas a lógica de funcionamento dos voicebots foi facilitada nos últimos anos, quando grandes companhias como Amazon, Microsoft e Google disponibilizaram, na nuvem, seus serviços de Inteligência Artificial (IA) e de desenvolvimento de robôs virtuais.
Esse ambiente de compartilhamento de saberes favoreceu a propagação de mais empresas focadas na expansão de serviços desse tipo. Os voicebots são softwares com os quais as pessoas podem interagir a partir da fala, e seu nível de complexidade depende da solução que precisa ser dada ao usuário e das integrações com outros sistemas, diz o chatbot advocate da empresa Take, Caio Calado.
— Projetar uma conversa não é uma tarefa tão simples quanto parece. É muito diferente de um aplicativo ou um site, que são limitados pela sua interface. Os voicebots se tornam complexos no momento em que as pessoas podem falar qualquer coisa e esperam ser entendidas e atendidas — afirma Calado.
Para que as expectativas sejam supridas, é preciso criar um fluxo de trabalho no qual o robô entenda as perguntas e sugira ou associe respostas a elas. Por isso, é importante ter um time multidisciplinar de especialistas, já que programar um computador é como educar uma criança sobre o que é certo e errado: requer tempo e atualizações, afinal, a língua muda a todo instante.
Equipe com mil e uma habilidades
A pessoa responsável por pensar o conjunto de questionamentos e resoluções é o dialogue designer. Esse profissional pode ser da área de letras ou comunicação social. Para fazer a implantação e a integração do voicebot em sites, é preciso contar com as habilidades de um engenheiro de software com especialização em redes neurais e IA. Se o empreendimento for ligado ao setor de atendimento ao público, é necessário contar com um analista de atendimento, porque é essa pessoa que fará a atualização do robô ao incluir novos comandos de perguntas e respostas para suprir as dúvidas dos clientes.
Alguns desses softwares apresentam voz personalizada. O problema dessa opção é que ela torna a inclusão de novos comandos mais demorada, porque será preciso contatar quem fez a gravação sempre que for preciso atualizar a plataforma. Por isso, a maioria das empresas opta por utilizar vozes prontas, como as do DialogFlow, ferramenta gratuita de compreensão natural do Google que cria experiências de conversação por meio da IA.
Nessa plataforma, existem milhares de frases pré-gravadas. Contudo, cada empreendimento tem sua demanda e seu fluxo de atendimento específicos. E, como o arsenal de palavras na nuvem do DialogFlow é imenso, o sistema automatiza sozinho, por meio da síntese de voz e da IA, a resposta para o comando dado.
Rapidez e praticidade no atendimento
Ainda incipientes no Brasil, os “voicebots”, ou robôs de voz, vieram para facilitar e otimizar a execução de tarefas maçantes, principalmente as de relacionamento, como confirmação de consultas, presenças em eventos e cobranças.
Vera é uma callcenter totalmente virtual. Ela tem mais de 3 mil canais de conexão direta com as operadoras e links aptos a realizar atendimentos simultâneos. Desenvolvida pela Velip, a robô chega a fazer 1 milhão de interações por voz para chamadas curtas e, em situações mais complexas – entre dois e três minutos –, realiza até 300 mil ligações por dia. O diretor financeiro da Velip, José Kagan, revela que a maioria dos clientes demanda serviços de cobranças para lembrar vencimento de faturas e agendamento de pagamento de dívidas.
O CEO da empresa E.Life, Alessandro Lima, observa que, no caso de uma empresa de telecomunicações, na qual 40% das ligações são sobre problemas de internet, o uso de voicebots ajudaria a potencializar e a deslocar a utilização de recursos humanos para outras atividades, já que a parte de checagem de dados, a mais burocrática do atendimento, poderia ser feita por um robô. Entretanto, ele crê que, nos próximos anos, haverá uma revolução no modo como as marcar irão se relacionar com essa tecnologia.
— Acredito que o próximo passo é as marcas entrarem de cabeça nesse universo e estreitarem laços com as funcionalidades ofertadas por esse software. Os voicebots estão além da perspectiva promocional. Eles pressupõem relacionamento de longo prazo. Será interessante para o marketing personalizado no futuro próximo, principalmente com a vinda, por exemplo, de assistentes, como o Google Home e a Alexa, da Amazon, para o Brasil. Porque eles vão ofertar para você produtos de acordo com a sua preferência — diz Lima.