Arqueólogos de São Paulo fizeram uma importante descoberta no bairro da Liberdade entre outubro e o início de dezembro deste ano: encontraram, sob os escombros de um edifício, resquícios do Cemitério dos Aflitos, o primeiro cemitério público da cidade de São Paulo. Segundo os pesquisadores, os ossos dos sete esqueletos identificados são da época da escravidão no Brasil, tendo sido enterrados entre 1775 e 1858. As informações são do G1.
A área onde a descoberta foi feita, localizada entre as ruas Galvão Bueno e dos Aflitos, é uma propriedade particular. Até o início deste ano, um prédio encontrava-se no terreno, no entanto, a proprietária decidiu mandar demolir a construção, que já apresentava problemas na estrutura, para construir um novo empreendimento comercial.
A empresa A Lasca Arqueologia foi a responsável por fazer a consultoria arqueológica do terreno e foi contratada diretamente pela proprietária. Porém, por conta do terreno estar localizado atrás da Capela de Nossa Senhora dos Aflitos, que é um bem tombado, está sob regulamentação dos órgãos de preservação do patrimônio histórico e cultural.
— Por isso, antes de dar seguimento às obras, as instituições recomendaram uma pesquisa arqueológica para saber se havia evidências do antigo cemitério que historicamente sabia-se que existia aqui — explicou Lúcia Juliani, diretora da empresa A Lasca.
Três arqueólogos especialistas em sítios funerários participaram do processo de escavações na área de 400 metros quadrados. Os esqueletos foram encontrados cerca de um metro abaixo do nível da rua.
Apesar dos primeiros indícios de ossos terem sido encontrados em outubro, o último esqueleto só foi descoberto nesta segunda-feira (3). Então, de acordo com os pesquisadores, ainda não é possível definir a origem dos indivíduos, causa da morte ou o sexo de cada um, já que se trata de algo ainda muito recente. No entanto, informam que os materiais encontrados são uma prova do que anteriormente já havia sido documentado e com detalhes que ainda não estavam registrados.
— Os esqueletos não foram enterrados com pertences e pelo menos um deles usava um colar com contas de vidro, o que indica o pertencimento a alguma religião de matriz africana. Assim, no mínimo, a descoberta comprova que o primeiro cemitério de São Paulo era destinado às populações marginalizadas socialmente, aos escravizados, aos presos, aos pobres, às pessoas com doenças contagiosas, aos condenados à forca e àqueles que não possuíam família — afirmou ao g1 Sônia Cunha, arqueóloga coordenadora da pesquisa em campo.
De acordo com Sônia, a identificação deste sítio arqueológico ajuda a remontar a história de São Paulo, além de acrescentar mais informações aos documentos históricos, confirmando ou desmentindo-as.
— Esta identificação já ampliou o conhecimento que se tinha, pois acreditava-se que os restos mortais haviam sido transferidos para o Cemitério da Consolação, a segunda necrópole pública de São Paulo, e pudemos ver como era o procedimento – um dos esqueletos foi enterrado em cúbito lateral, como se dormisse de lado, com as mãos fechadas sob a cabeça. Isso denota um certo cuidado de quem o posicionou aqui — disse a arqueóloga.
Mesmo sendo feito por um empresa contratada, o processo de realização das escavações foi executado com o aval do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que exige um projeto e relatórios de acompanhamento para que a construção do novo prédio seja liberada.
— O Iphan concede a portaria de pesquisa quando a empresa de consultoria arqueológica comprova a idoneidade técnico-científica de seu trabalho por meio de um projeto plausível, bem formulado, criterioso, exequível, visando a integridade patrimonial — afirma Leila Maria França, arqueóloga do instituto.
Com o fim das escavações, que devem durar mais uma semana, os ossos irão para o laboratório da A Lasca, onde serão limpos, passarão por uma curadoria e uma análise e, após isso, serão entregues para o Departamento do Patrimônio Histórico, órgão da Secretaria Municipal de Cultura.
— O trabalho do Iphan só termina quando os objetos são devidamente entregues a uma instituição de guarda. Quando você interfere no solo, você destrói o contexto arqueológico, e o único jeito de compensar isso é disponibilizando este material para construção de conhecimento, conforme determina a Constituição — explicou França ao g1.
Os pesquisadores acreditam que ainda existam outros esqueletos nesta área, mas explicam que não há como derrubar construções vizinhas para avançar com a pesquisa. A descoberta transforma a área em um sítio arqueológico, que demandará pesquisas a cada nova construção.
— O patrimônio histórico é a memória de um povo, o que lhe confere identidade, consciência de cidadania. Os bens arqueológicos são para usufruto do cidadão, que precisa conhecer a sua própria história — diz França. — Tem a questão do desenvolvimento e os empreendimentos devem ser realizados, mas de forma sustentável do ponto de vista cultural — conclui.