Por Jéferson Campos Nobre
Psicólogo e professor de Segurança da Informação na Unisinos. O texto a seguir integra a seção Horizontes, um espaço para discutir ideias e pesquisas que nos fazem vislumbrar um futuro cada vez mais próximo. Semanalmente no caderno DOC.
Muitos avanços tecnológicos modificam aspectos significativos das relações humanas. Entre outros momentos, os telefones fixos e posteriormente os móveis também tiveram esse papel de aproximar pessoas distantes. Atualmente, vemos a substituição de diversas formas de comunicação pelos mensageiros instantâneos, como o WhatsApp e o Messenger. Nesse contexto, a Psicologia, entendida como o estudo e a análise dos processos intrapessoais e das relações interpessoais, também possui diversas interfaces com a Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). Uma das atividades da psicologia com maior potencial de impacto tecnológico por novas formas de comunicação é a consulta ou atendimento psicológico.
Segundo o Conselho Federal de Psicologia (CFP), "entende-se por consulta e/ou atendimentos psicológicos o conjunto sistemático de procedimentos, por meio da utilização de métodos e técnicas psicológicas do qual se presta um serviço nas diferentes áreas de atuação da psicologia com vistas à avaliação, orientação e/ou intervenção em processos individuais e grupais". Tais procedimentos já são realizados há bastante tempo a distância, por meio de computadores e telefones. No entanto, o CFP restringia tal uso apenas para caráter experimental, situação que se modificou neste ano de 2018.
A Resolução CFP nº 11/2018 descreve o atendimento psicológico online e demais serviços realizados por meios tecnológicos de comunicação a distância. Apesar de todas as vantagens que a consulta psicológica online pode trazer (por exemplo, manter o atendimento com um mesmo profissional mesmo com uma mudança de cidade), preocupações adicionais surgem. As informações que são transmitidas ao psicólogo em tais procedimentos são privadas e sensíveis, devendo ser protegidas. Essa proteção é chamada tecnicamente de Segurança da Informação (SI).
Três propriedades fundamentais fazem parte da SI: a confidencialidade, ou seja a garantia que as informações só serão vistas por pessoas autorizadas; a integridade, ou seja, a proteção contra modificações não autorizadas a informações; e a disponibilidade, ou seja, a confirmação de que as informações estejam acessíveis para uso legítimo. Tais propriedades hoje são encontradas em diversos sistemas, como, por exemplo, os aplicativos para acesso ao sistema bancário. De forma análoga, seriam essas propriedades fundamentais para a realização de atendimento psicológico online? E quem é o responsável por garantir tais propriedades?
A Resolução CFP nº 11/2018 obriga o psicólogo a especificar quais são os recursos tecnológicos utilizados para garantir o sigilo das informações e esclarecer o cliente sobre isso. Assim, podemos nos perguntar: o profissional da psicologia está atualmente preparado para esse contexto? A julgar pelo currículo dos cursos de graduação, certamente não. Mesmo no contexto de pós-graduação, a própria diversidade da psicologia dificulta o desenvolvimento de temas ligados à TIC, especialmente em pontos específicos como SI. Além disso, também é possível vislumbrar dificuldades para a atuação dos Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs), responsáveis por disciplinar critérios de autorização e a adequabilidade dos serviços online.
A solução evidente para o problema reside em mudanças na formação dos futuros psicólogos e na atualização dos atuais profissionais em SI. Claramente, essa é apenas uma solução efetiva no longo prazo. No entanto, a emergência do uso de recursos tecnológicos para comunicação a distância necessita de soluções com efeitos imediatos. Nesse contexto, condicionar os serviços online a um cadastro prévio junto ao CRP (medida atualmente em uso) certamente não garante um serviço seguro. Dessa forma, psicólogos precisam de assessoramento e consultoria com profissionais especializados em SI.
A utilização de novas tecnologias para comunicação tem o potencial de facilitar o nosso cotidiano. Essas tecnologias podem aprimorar significativamente o fazer do psicólogo, apesar de também criarem novos riscos, especialmente no que tange à SI. Nesse contexto, é dever do psicólogo prestar serviços psicológicos de qualidade, em condições de trabalho dignas e apropriadas à natureza desses serviços. Assim, uma abordagem de atuação interdisciplinar, considerando profissionais de segurança da informação, é fundamental, além de investimento na educação em TIC para psicólogos.