Por Priscilla Menezes
Doutoranda em Direito da Empresa e Atividades Econômicas, professora da ESPM-Rio e do Curso Master, membro do ITechLaw. Este artigo integra a seção Horizontes do caderno DOC, um espaço para discutir ideias e pesquisas que nos fazem vislumbrar um futuro cada vez mais próximo
As novas tecnologias estão mudando drasticamente a forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos, mas parece haver um ramo resistente às novas experiências: o Ensino Superior, em especial o jurídico.
Ainda impera na maioria dos cursos de Direito o modelo baseado exclusivamente em aulas expositivas. Em tempos de Google e em turmas nas quais cada aluno tem um smartphone, não faz sentido o professor ainda achar que é a única fonte de todo o conhecimento.
Mas por que ainda ensinamos assim? Bom, por um lado, existe uma preocupação genuína das instituições com exames como o Enade, OAB e concursos para carreiras jurídicas. Essas provas, em regra, exigem um processo de memorização por parte do candidato (decoreba de leis, súmulas), não de análise crítica e resolução de problemas, pelo menos não na primeira fase.
Uma pesquisa divulgada pela Universidade de Oxford em 2013 indicou quais profissões estavam mais cotadas para desaparecer por conta das novas tecnologias. Atividades relacionadas ao Direito não apareciam na lista, mas hoje o cenário já é diferente. As startups jurídicas, chamadas lawtechs ou legaltechs, estão ampliando sua atuação, e já há várias iniciativas em áreas como market place (Diligeiro e Jurídico Certo), automação de documentos jurídicos (Looplex e Netlex), gerenciamento de prazos e pendências (Legal Note), pesquisa jurídica (JusBrasil) e resolução de conflitos (Arbitranet e Acordo Fácil).
Já se tem notícias de softwares de inteligência artificial (IA) com potencial de substituir o operador do Direito em várias áreas. O software Victor, por exemplo, tem sido utilizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para identificar demandas que envolvem temas de repercussão geral com o objetivo de agilizar os julgamentos. Embora a assessoria do STF informe que Victor não julgará processos, não é difícil imaginar a aplicação de IA para julgar demandas repetitivas com jurisprudência pacificada pelo tribunal. A startup Juridoc presta serviços para pequenas e médias empresas nas áreas de constituição de pessoa jurídica, elaboração de contratos em geral e registro de marca. O Ross funciona como um verdadeiro colega de trabalho superdotado em questões referentes à falência.
Não vejo sentido em continuarmos mantendo práticas como exigir que os alunos façam prova sem acesso à legislação e que decorem artigos de lei ou que discorram sobre as diferenças entre prescrição e decadência (prática comum nos bancos de muitas universidades brasileiras renomadas). Manter aulas estritamente expositivas e cobrar que os alunos reproduzam em prova o que foi dito em aula não é mais suficiente para formar bons profissionais. A tecnologia promove uma democratização do conhecimento, e qualquer aluno minimamente interessado pode ter acesso aos conteúdos e conceitos básicos de cada disciplina mesmo sozinho.
Uma pesquisa do Fórum Econômico Mundial mapeou qual será a tendência do mercado em termos de demanda por habilidades dos profissionais. "Conteúdo" aparece em quarto lugar. Primeiro vêm as habilidades cognitivas e de resolução de problemas complexos. Estamos formando profissionais que muitas vezes têm pouca capacidade de raciocínio jurídico ou análise crítica, conformando-se em serem meros reprodutores de peças processuais e decisões, o que os softwares de IA em pouco tempo farão melhor que nós, devido a sua interminável capacidade de armazenamento e processamento de informações.
É imperioso que se desenvolva nos anos de graduação em cada educando uma gama de competências, habilidades e atitudes que os bots não têm como imitar. E, para isso, todos precisam sair da zona de conforto, professores e alunos. Uma sugestão para iniciarmos essa jornada é a inclusão nos currículos de disciplinas obrigatórias voltadas a essa nova realidade. Podem ser matérias focadas estritamente em temas tecnológicos, como Cibersegurança ou no formato "Direito &...". No Brasil já há iniciativas nesse sentido, como, por exemplo, Direito & Tecnologia na FGV, Direito Penal da Informação na UFPE, Direito da Informática na UFRGS, Direito Digital Eletrônico na Mackenzie.
Após a inclusão de disciplinas com esse foco, o próximo passo sugerido é uma modificação na metodologia de ensino jurídico. Deve-se buscar implementar uma abordagem baseada em metodologias ativas que coloquem o educando no epicentro do processo de ensino-aprendizagem e o tornem responsável pelo seu conhecimento. Além disso, os professores precisam incorporar no seu dia a dia de sala de aula os instrumentos que têm à disposição (quando têm), tais como bases de dados para pesquisa, internet, projetores, sistemas de conferência online para atingir aos objetivos pedagógicos de aprendizagem.
Creio que somente esse processo autônomo possa ser capaz de desenvolver profissionais críticos dotados das competências, habilidades e atitudes necessárias para encontrarem seu lugar no mercado de trabalho sem medo de serem substituídos pelo Victor ou pelo Ross.