Por Cláudia Viviane Viegas
Professora do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Unisinos
Muito se escreve e se estuda sobre desperdícios na produção agrícola, industrial, em transportes e em serviços diversos. Matéria-prima, estoques e tempo desperdiçados são temas recorrentes na Engenharia de Produção. O olhar para além da fábrica ou do fluxo direto de produção, no entanto, é bem mais recente quando se trata de avaliar perdas.
A logística reversa – fluxos de materiais, produtos, embalagens desde o ponto final de consumo até pontos de possível reaproveitamento ou transformação no mesmo segmento de origem ou em outro(s) – é algo relativamente novo nos estudos de Engenharia. Embora venha sendo praticada há muito tempo em situações como a da Guerra Civil Norte-Americana (1861-1865), como estratégia de agilidade e eficiência, a logística reversa entrou para os estudos formais há apenas duas décadas.
Foi em 1998 que Dale Rogers e Ronald Tibben-Lembke apresentaram casos dessas práticas no livro Going Backwards, Reverse Logistics Trends and Practices. Começou aí a busca por respostas na pesquisa.
Mas o que a logística reversa tem a ver com nossas vidas e como ela pode melhorar nosso futuro?
A importância mais contundente da logística reversa está nos desperdícios que pode evitar e nas oportunidades de negócios que é capaz de gerar, se bem planejada. Ela está por todos os locais nas nossas relações de consumo. Por exemplo, das 100 milhões de lâmpadas fluorescentes consumidas no Brasil, 94% têm como destino aterros impróprios. Isso causa danos ambientais e à saúde. Também impede que se aproveitem elementos residuais que servem para outros processos produtivos, mas que são nocivos, como o mercúrio. Esse cenário está gradativamente se modificando com o acordo setorial assinado entre representantes de fabricantes, distribuidores, varejistas e governo, em novembro de 2014. Desde então, novos negócios de reciclagem estão sendo criados, gerando empregos que demandam qualificação específica.
Outro exemplo bem próximo são os medicamentos – vencidos ou não – que guardamos em nossas casas. A Organização Mundial da Saúde (OMS), embora não recomende a reutilização de medicamentos usados e não vencidos, pela incerteza quanto à eficácia dos respectivos princípios ativos, dispõe de um guia de melhores práticas para casos emergenciais. A realidade nos mostra que é crescente o número de pessoas sem condições de comprar medicamentos básicos. A essa população, aliam-se estrangeiros que ingressam em nosso país também em condição vulnerável. A logística reversa de medicamentos, dentro de práticas rigorosas e sob acompanhamentos médico e farmacêutico, contribuiria para um futuro melhor. Iniciativas de pequena escala, como a criada há três anos no município de Farroupilha, beneficiam cerca de 90 pessoas por semana e já impediram, de julho de 2015 a dezembro de 2017, o descarte incorreto de 1,5 milhão de toneladas de medicamentos usados. Para fabricantes, distribuidores e varejistas do setor, juntar-se a esse debate ainda é um desafio, pois é preciso resolver problemas da cadeia direta de medicamentos, como custos de inovação, distribuição, concorrência, entre outros, antes de olhar para os canais reversos como novos negócios.
Muitos devem estar se perguntando sobre custos e segurança da logística reversa. Esses são, em grande parte das cadeias produtivas, gargalos que requerem maior capacidade de pesquisa. Independentemente disso, a Lei 12.305/2010 é clara sobre a obrigação de prática da logística reversa por grande parte das cadeias produtivas no Brasil – exceções são os setores de materiais radioativos e de resíduos de saúde, regidos por outras leis.
Nosso papel, como consumidores e cidadãos, parece simples: escolher produtos, serviços e fornecedores já inseridos nas estruturas da logística reversa. Mas não é só isso. O mais importante está na nossa capacidade de praticar o olhar retrospectivo nas relações de consumo. Nossa imaginação está habituada a olhar "de trás para a frente" em contextos lúdicos. Como nos filmes em que se rebobinam cenas ao inverso, para tentar reconstituir um fato ou ato no tempo. Mas e se usássemos esse artifício para pensar o não desperdício em tudo que consumimos?
E se fizéssemos a rota reversa de cada bem, do calçado ao jeans, do automóvel ao celular? Esse é talvez o nosso exercício mais efetivo para evitar comprometer negativamente o futuro comum.