Acordar cedo, se dirigir ao restaurante da família do marido, chegar antes de todos para limpar o estabelecimento, realizar as preparações das refeições e sair de lá no fim do dia. Essa era a rotina de Priscila Diniz, 34 anos, havia cerca de oito anos. Ela morreu após ser alvo de tiros em 12 de outubro em frente ao negócio que tanto prezava, no bairro Canudos, em Novo Hamburgo, no Vale do Sinos. O esposo, Jonas Diniz da Silva, e a sogra, Terezinha Diniz da Silva, foram presos na última semana, sob suspeita de participação no crime.
Considerada por todos uma pessoa batalhadora e sorridente, Priscila aparentava estar abatida e entristecida nas semanas que antecederam o assassinato, segundo relata uma vizinha, que preferiu não se identificar.
— Ela sempre foi muito querida, sempre cumprimentava, aparentava estar sempre alegre, sorrindo. Só que nos últimos meses, a gente começou a perceber que ela não estava bem. Ela estava sempre no celular, roendo as unhas, aparentava estar nervosa — analisa a vizinha, que conta que moravam na mesma casa Priscila, o marido, a sogra e os quatro filhos de Jonas, frutos de outro relacionamento dele.
A vizinha conta que, neste meio tempo, Priscila teria relatado que era maltratada pela sogra e que tinha medo da família de Jonas.
— Ela disse que a sogra era muito ruim. Quando a sogra fazia comida, ela não comia. Se a sogra fazia janta, ela não jantava naquela noite — afirma.
Uma amiga de Priscila, que a conhecia havia uma década e falou à reportagem sob condição de anonimato, também disse ter ouvido relatos neste sentido.
— A sogra dela sempre tratou ela mal — disse.
Insegurança
A vizinha lembra que recomendou que Priscila considerasse terminar o relacionamento para preservar sua integridade física e emocional.
A insegurança a respeito do próprio sustento, em caso de uma separação, seria algo que preocupava a comerciante. Tanto a vizinha quanto uma amiga do casal, que também não quis se identificar, relataram que Priscila não recebia salário pelos serviços prestados no restaurante da família do marido. Ela seria recompensada apenas com uma pequena mesada em dinheiro. O valor não foi revelado por Priscila às pessoas próximas.
A amiga do casal afirma que situação semelhante acontecia no relacionamento que Jonas teve antes de Priscila. A ex-companheira, com quem o homem teve quatro filhos, também teria trabalhado no restaurante sem remuneração adequada.
— Ela disse para mim: "Tu viu o que aconteceu com a outra? Saiu de lá só com uma sacolinha de mercado na mão. Então, não tem como" — recorda a vizinha sobre um diálogo que teve com Priscila.
Intrigas
Amigos da família relatam que a sogra intervinha com frequência na dinâmica do casal, causando intrigas, supostamente com o objetivo de gerar a separação.
— A sogra sempre tratou ele como um bebê, e a Priscila tentava fazer com que ele não fosse tão dependente, mimado. Isso gerava muita divergência — comenta a amiga de Priscila.
Em uma dessas brigas, ocorrida há cerca de cinco anos, Priscila relatou para a amiga que Jonas se mostrou agressivo, desferindo um soco na parede com o objetivo de intimidá-la.
— Ela disse que isso acendeu um alerta, alguns gatilhos, e que estava ficando cada vez mais insustentável o convívio com ele e a mãe dele — recorda.
Fazia alguns meses que Priscila havia informado a amigos, nas redes sociais, que se ausentaria das plataformas por um tempo.
— Depois desse comunicado, ela realmente se ausentou. Ela nunca estava disponível no WhatsApp, sempre dizia "depois a gente se fala", "depois te chamo para a gente marcar algo". Parecia que ela nunca podia falar. Aí no velório dela, eu descobri que o marido estava limitando as redes sociais e o WhatsApp dela — acrescenta a amiga.
Investigação
Jonas Diniz da Silva e a mãe, Terezinha Diniz da Silva, foram presos temporariamente no dia 21 de outubro, sob suspeita de participação no crime. Um terceiro investigado foi detido em Garopaba, Santa Catarina, pelo mesmo motivo.
Os três foram encaminhados ao Núcleo de Gestão Estratégica do Sistema Prisional (Nugesp), em Porto Alegre, onde ainda se encontram. A audiência de custódia dos suspeitos aconteceu no dia seguinte à prisão. Segundo a Justiça, eles devem ficar presos por 30 dias.
A Polícia Civil está com a investigação sob sigilo e não detalha o caso, mas informou à reportagem, por nota, que as prisões aconteceram para "garantir a efetividade da investigação, que ainda segue em andamento junto a DHPP Novo Hamburgo, em sigilo" (confira a íntegra abaixo).
No começo, o caso chegou a ser tratado como latrocínio, uma vez que a moto de Priscila foi levada pelos criminosos que efetuaram os disparos, mas após novas pistas, a polícia passou a tratar o crime como homicídio.
Contraponto
Os advogados que representam os três suspeitos presos se manifestaram por nota enviada à reportagem:
Considerando que a prisão se deu de forma temporária, apenas para garantir a investigação, não havendo ainda prova suficiente e cabal das acusações assim delineadas contra os suspeitos, a defesa dos acautelados está analisando e trabalhando de forma minuciosa os fatos ora imputados, sendo que, assim como a investigação laborou em sigilo, do mesmo modo a defesa o fará, sendo rebatido cada ponto de cada acusação feita até o presente momento com provas devidamente fundamentadas e idôneas nos próximos dias. Desse modo, a defesa aguarda momento oportuno e apropriado para manifestar-se de forma mais ampla acerca dos fatos.
Advogados de defesa: Dra. Roberta M. Klein Knewitz e Dr. Teddy Leonardo Klein
O crime
Priscila foi alvo de tiros por volta das 6h30min do dia 12 de outubro. Ela foi surpreendida por dois homens quando chegava em uma Biz para abrir o restaurante. Eles tripulavam uma moto. Um deles desceu do veículo e se dirigiu até a mulher, imobilizando-a e disparando contra ela. A arma falhou várias vezes, mas a vítima acabou atingida por um tiro na nuca.
Os criminosos fugiram, levando a Biz, e Priscila ficou caída no chão por alguns minutos até receber socorro. Ela foi encaminhada ao Hospital Municipal de Novo Hamburgo, onde ficou internada.
A morte de Priscila foi confirmada por volta das 14h10min do dia 14 de outubro. O velório aconteceu no dia seguinte, no crematório e cemitério Parque Jardim da Memória.
No dia em que Priscila morreu, Jonas conversou com a reportagem de Zero Hora, relatando tristeza pelo fato. Ele chegou a definir a comerciante como uma mulher batalhadora e querida.
O caso está sendo investigado pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de Novo Hamburgo.
Leia a íntegra da nota da polícia:
A Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul esclarece, por meio desta nota, que na noite do dia 21 de outubro de 2024 três pessoas foram presas temporariamente pela participação no homicídio de Priscila Morgana Alves Diniz.
A segregação dos suspeitos só pôde ser confirmada ao final da tarde do dia 22 de outubro, uma vez que havia medidas cautelares sigilosas ainda pendentes de cumprimento.
Dois suspeitos foram detidos em Novo Hamburgo pela DPHPP/NH, enquanto o terceiro suspeito foi preso em Garopaba/SC, em ação conjunta com a Polícia Civil de Santa Catarina, mais precisamente da Delegacia de Polícia de Garopaba.
As cautelares de restrição de liberdade são temporárias, pelo prazo de 30 dias, e buscam garantir a efetividade da investigação, que ainda segue em andamento junto a DHPP Novo Hamburgo, em sigilo.