O julgamento de Thiago Guedes Pacheco, 43 anos, réu acusado de ter tentado matar a ex-namorada dentro de um veículo na zona sul de Porto Alegre, foi encerrado na madrugada desta quarta-feira (3) sem um desfecho. Após cerca de 13 horas do início, a juíza da 4ª Vara do Júri, Cristiane Busatto Zardo, decidiu dissolver o Conselho de Sentença (formado pelos sete jurados) e encerrar a sessão. A magistrada definiu que o novo júri deve ocorrer em 1º de agosto, às 8h30min.
Segundo o Judiciário, a decisão da juíza se deu porque “após desentendimento acalorado entre Ministério Público e defesa, não houve mais condições de dar continuidade ao julgamento”. A decisão ocorreu no momento em que a defesa do réu apresentava suas alegações, cerca de 15 minutos após início dessa etapa. Antes disso, o promotor Eugênio Paes Amorim e a advogada Paola Stroschoen Pinent, que também representa a vítima, já tinham apresentado os argumentos da acusação. Pela defesa do réu falavam os advogados Lucas Batista Pereira, Rejane Weimer Pierobom e Ellen Batista Pereira, quando o júri foi encerrado.
O julgamento se iniciou por volta de 10h30min, após o sorteio dos sete jurados para integrarem o Conselho de Sentença. Depois dessa etapa, foi ouvida a vítima da tentativa de feminicídio. Na sequência, mais cinco testemunhas de acusação falaram sobre o caso. Pela defesa, foram quatro pessoas ouvidas durante o julgamento. Depois desses depoimentos, o réu também foi interrogado. Em seguida, se iniciaram os debates, etapa na qual o julgamento acabou sendo dissolvido.
Zero Hora entrou em contato com o Ministério Público e com a defesa do réu, e aguarda manifestações.
Defesa nega motivação e tentativa de feminicídio
O advogado Leandro Pereira, um dos responsáveis pela defesa de Pacheco, alega que o debate com a acusação não foi o que motivou o desfecho do julgamento.
— O acirramento entre defesa e acusação não foi a causa da dissolução do júri. A causa foi outra, que está nos autos do processo. Inclusive, a defesa tem profundo apreço pelo doutor Eugênio Amorim. O respeito é recíproco. O debate foi apenas acalorado, mas essa não foi a causa. A causa foi outra e consta no processo — afirma.
Sobre as acusações contra Pacheco, a defesa sustenta que não houve tentativa de homicídio. O advogado afirma que o cliente não tentou matar a ex-namorada, e que o caso foi uma briga.
— A defesa insiste de que jamais houve tentativa de homicídio. O rapaz nega há quatro anos e meio, ele está preso há quatro anos e meio, sem julgamento. Ele alega que tudo está acontecendo com ele porque é negro e pobre. Ele é um preso exemplar, gritando sua inocência, que o sistema cruel não quer ver. Foi uma briga de casal, não quis matar ela de jeito nenhum. Ela que se botou nele, que se avançou nele, mas ele está preso há quatro anos e meio. Se ele for condenado, já cumpriu a pena — defende Pereira.
O caso
Segundo a vítima, o homem – que continua preso na Penitenciária Estadual de Canoas – tentou matá-la dentro do carro, por asfixia e espancamento, e ela só sobreviveu porque outro motorista percebeu as agressões. Por esta acusação, Pacheco responde pelo crime de tentativa de feminicídio qualificado — por motivo torpe, dissimulação, meio cruel em razão de asfixia e a questão de gênero em si.
Em janeiro de 2020, a psicóloga relatou a Zero Hora como teriam acontecido as agressões. Segundo a mulher, após expor o caso nas redes sociais, ela passou a ser procurada por outras ex-namoradas de Pacheco, que também relatam ter sido vítimas dele. Entre elas, uma nutricionista de 34 anos, que chegou a se mudar do Rio Grande do Sul para não ter mais contato com o músico. Outras quatro mulheres foram ouvidas pela reportagem de Zero Hora. Elas relataram terem sido agredidas entre os anos de 2011 e 2019, quando a psicóloga foi vítima de tentativa de feminicídio.
Em 27 de novembro de 2019, por conta de um descumprimento da medida protetiva que deveria impedir o músico de se aproximar da psicóloga, Pacheco acabou preso pela Polícia Civil. No dia seguinte, a Justiça decidiu soltá-lo, por entender que a psicóloga não estava em perigo, já que mantinha conversas por WhatsApp com o ex. “Assim, se houve quebra da medida protetiva, essa foi motivada por ambos os envolvidos. Por essa razão, determino a imediata soltura do representado”, decretou a juíza Marcia Kern, do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar.
Na madrugada de 8 de dezembro de 2019, a mulher chegava em casa quando encontrou o ex em frente ao condomínio. A psicóloga conta que Pacheco pediu que ela o acompanhasse até o carro, onde tinha algo a entregar. Quando se aproximou do veículo, diz que foi jogada para dentro, teve a bolsa e o celular retirados das mãos.
— Começou a me dar tapas, puxões de cabelo. Me estrangulava, apertava meu pescoço e dizia: “Para de gritar. Vou te matar”. E eu sem respirar. Me jogava de volta dentro do carro. Me batia — narrou.
Depois disso, a mulher contou que teve o corpo jogado para dentro do carro, mas permaneceu com as pernas para fora. Enquanto ele tentava fechar a porta, outra pessoa interveio, e questionou o que estava acontecendo. Foi esse motorista quem a levou até um posto, onde a Brigada Militar foi chamada.
Prevenção ao feminicídio
- Se estiver sofrendo violência psicológica, moral ou mesmo física, busque ajuda imediatamente. Não espere a violência evoluir. Converse com familiares, procure unidades de saúde, centros de referência da mulher ou a polícia. É possível acessar a Delegacia Online da Mulher
- Caso saiba que alguma mulher está sofrendo violência doméstica, avise a polícia. No caso da lesão corporal, independe da vontade da vítima registrar contra o agressor, dado a gravidade desse tipo de crime
- Se estiver em risco, procure um local seguro. Em Porto Alegre, por exemplo, há três casas aptas a receberem mulheres vítimas de violência doméstica
- Siga todas as orientações repassadas pela polícia ou pelo órgão onde buscar ajuda (Ministério Público, Defensoria Pública, Judiciário)
- No caso da lesão corporal, o exame pericial para comprovar as agressões é essencial para dar seguimento ao processo criminal contra o agressor. Procure realizar o procedimento o mais rápido possível
- Caso passe por atendimento em alguma unidade de saúde, é possível solicitar um atestado médico que descreva as lesões provocadas
- Reúna todas as provas que tiver contra o agressor, como prints de conversas no telefone. No caso das mensagens, é importante que apareça a data do recebimento
- Se tiver medida protetiva, mantenha consigo os contatos principais para pedir ajuda. A Brigada Militar mantém em pelo menos 114 municípios unidades da Patrulha Maria da Penha que fiscalizam o cumprimento da medida
- Se tiver medida protetiva e o agressor descumprir, comunique a polícia. É possível acionar a Brigada Militar, pelo 190, ou mesmo registrar o descumprimento por meio da Delegacia Online. Descumprimento de medida pode levar o agressor à prisão
Fonte: Polícia Civil e Poder Judiciário do RS
Onde pedir ajuda
Brigada Militar
- Telefone — 190
- Horário — 24 horas
- Serviço — atende emergências envolvendo violência doméstica em todos os municípios. Para as vítimas que já possuem medida protetiva, há a Patrulha Maria da Penha da BM, que fiscaliza o cumprimento. Patrulheiros fazem visitas periódicas à mulher e mantêm contato por telefone
Polícia Civil
- Endereço — Delegacia da Mulher de Porto Alegre (Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia), bairro Azenha. As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há 23 DPs especializadas no Estado
- Telefone — (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências)
- Horário — 24 horas
- Serviço — registra ocorrências envolvendo violência contra mulheres, investiga os casos, pode solicitar a prisão do agressor, solicita medida protetiva para a vítima e encaminha para a rede de atendimento (abrigamentos, centros de referência, perícias, Defensoria Pública, entre outros serviços)