Quinta maior cidade do Rio Grande do Sul, Santa Maria enfrenta uma escalada de mortes violentas — na contramão da maior parte do Estado. No primeiro semestre deste ano, foram 44 pessoas assassinadas no município de 271,7 mil habitantes. O número representa crescimento de 46% no comparativo com o total de homicídios registrados nos primeiros seis meses do ano passado, quando foram 30 vítimas. É também o maior número de casos desde o ano de 2011, segundo dados da Secretaria da Segurança Pública do Estado.
O motivo por trás da maior parte das mortes violentas não é novidade: as disputas envolvendo o tráfico de drogas. Brigas por territórios ou desavenças dentro dos próprios grupos estão entre os principais fatores que fazem o crime organizado ser responsável pela maioria das execuções.
O município da Região Central, no entanto, tem características distintas de outras cidades. Estende-se por Santa Maria uma espécie de colcha de retalhos do crime. Alguns grupos possuem maior atuação do que outros, mas há, na cidade, cerca de 10 células criminosas identificadas, disputando o comércio de entorpecentes.
No topo dessa briga, estão duas gangues: uma delas com maior domínio dos pontos e presente em praticamente todo o município. Outra quadrilha mantém a hegemonia do tráfico na região da Vila KM2, no bairro Divina Providência. Além da disputa entre os dois grupos, há em Santa Maria pelo menos três facções da Grande Porto Alegre. As duas quadrilhas locais, embora briguem entre si, são aliadas da mesma facção, nascida Vale do Sinos, e apontada como responsável pelo fornecimento de armas e drogas.
Outra facção, com berço no bairro Bom Jesus, na zona leste da Capital, também está instalada em Santa Maria, e vem conflitando com grupos locais. Ainda há mais um grupo criminoso, que se uniu para fazer frente aos traficantes do Vale do Sinos e da Bom Jesus, e começou a tomar poder na Região Central no fim do ano passado. Esse contexto coloca a cidade em uma tensão constante.
— Esse cenário vem do ano passado para cá, quando começaram a brigar de forma mais contundente. Esses vários grupos estão em briga pelo tráfico de drogas. Obviamente, isso gera muito desentendimento entre eles, disputa de espaço — explica o delegado regional da Polícia Civil, Sandro Meinerz.
Na última sexta-feira (5), 25 mandados de busca e apreensão foram cumpridos numa operação contra o tráfico e os homicídios. A maior parte das ordens judiciais foi cumprida na Vila Brenner, no bairro Divina Providência. Nove pessoas foram presas em flagrante e um adolescente foi apreendido, com drogas e armas de fogo.
Somente a Brigada Militar apreendeu no primeiro semestre deste ano em Santa Maria 155 armas de fogo, o que representa aumento de 42% em relação ao ano passado. Segundo o comandante do Comando Regional de Polícia Ostensiva (CRPO) Central, coronel Cleberson Braida Bastianello, a corporação também apreendeu cerca de 400 quilos de drogas no período.
— Estamos tendo aumento em termos de produtividade, de prisões, apreensões de armas, drogas. Ao mesmo tempo, os homicídios têm aumentado, o que deixa claro que não é só o órgão policial que vai resolver essa problemática. Há necessidade de conscientização em outros sentidos. O alto consumo de entorpecentes na nossa região é um mercado que aquece e aumenta essa disputa por espaço no mundo criminoso. É uma cadeia milionária, da qual o tráfico de drogas é a ponte do iceberg — afirma o coronel Bastianello.
Jovens são as principais vítimas
O crescente envolvimento de adolescentes e jovens com o crime organizado é outro fator que preocupa em Santa Maria. Essa faixa etária está entre os que mais morrem e mais matam. Dos 44 homicídios do primeiro semestre, 23 vítimas, ou seja, mais da metade, eram jovens. Das 54 pessoas detidas neste ano por suspeita de envolvimento em homicídios, nove eram adolescentes.
— A maioria das vítimas são homens, entre 15 e 29 anos. A maioria dos executores também está dentro dessa faixa etária. Está tendo aumento do envolvimento de adolescentes, tanto na execução, quanto no ponto de vista das vítimas. A maioria dos homicídios são com emprego de arma de fogo, e tem como fator determinante ou motivação o tráfico de drogas — explica o delegado Meinerz.
A maior parte dos homicídios nesse período, segundo a polícia, foi registrada em dois pontos da cidade: na Região Oeste, em bairro como o Nova Santa Marta e Pinheiro Machado, e no Leste, onde fica o bairro Camobi, por exemplo. Mas os assassinatos não se restringem a essas áreas, já que os conflitos estão espalhados por toda a cidade.
— A grande maioria das vítimas, não todas, claro, são pessoas envolvidas com o consumo e ou tráfico de entorpecentes. Estamos com problema social de consumo de drogas — afirma o coronel Bastianello.
Transferências
O que acontece nas ruas é também reflexo da organização desses grupos criminosos no sistema prisional. É de dentro da cadeia que, segundo a polícia, parte a maioria das ordens de execuções. Na semana passada, a Polícia Penal realizou revistas gerais em duas das galerias da Penitenciária Estadual de Santa Maria. Foram apreendidos celulares, carregadores e drogas. Um dos objetivos era justamente coibir a comunicação de criminosos com o lado de fora. Neste ano foram realizadas 10 revistas gerais na penitenciária.
Outra medida, com esse objetivo, foi tomada recentemente, com a transferência de cinco presos, que estavam em Santa Maria, apontados pela polícia como lideranças do crime organizado, para unidades prisionais sem acesso a sinal de celular.
— Estamos trabalhando na questão da inteligência policial, muito fortemente. Não só a Polícia Civil, mas trocando informações como a Brigada Militar e Polícia Penal, fazendo ações integradas, tipo essa de sexta-feira. Conseguimos nos últimos dias a transferência dessas lideranças. Eram cinco pessoas, que estavam aqui, de quatro grupos, que foram tirados para tentar cortar a comunicação com o pessoal que está na rua — afirma Meinerz.
Dados
No primeiro semestre do ano passado, Santa Maria teve redução de homicídios no comparativo com o mesmo período de 2022. No entanto, nos meses de março, abril e agosto foram registrados entre nove e 10 homicídios — números considerados elevados para a cidade.
Na tentativa de conter o crescimento, houve reforço policial e lideranças foram transferidas. Em setembro, outubro e novembro, os assassinatos caíram, com no máximo três casos num mês, mas em dezembro voltaram a subir, com sete assassinatos.