Alvorada, na Região Metropolitana, já foi a sexta cidade mais perigosa do país, segundo o Atlas da Violência de 2019. O estudo do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública analisou dados de 2017, quando 210 pessoas foram assassinadas no município de 187,3 mil habitantes.
De lá para cá, o cenário se alterou, com a redução dos crimes violentos. No primeiro semestre deste ano, Alvorada chega a um momento histórico: o menor número de homicídios já alcançado — desde 2011, quando as estatísticas foram revisadas. Foram 15 mortes entre janeiro e junho — no mês de abril, por exemplo, pela primeira vez, não foi registrado nenhum assassinato. O mês de julho tem um homicídio até o momento.
A evolução nos indicadores de criminalidade é percebida nas ruas. No bairro Umbu, já considerado um dos maios violentos, em razão do domínio do tráfico de drogas e das desigualdades latentes, moradores avaliam que a situação melhorou. Dos 15 assassinatos no primeiro semestre, nenhum deles foi no bairro.
Enquanto caminha pela Rua Dezoito de Julho, a dona de casa Dalva Bernardino, 62 anos, mãe de quatro filhos, todos já crescidos, relata que fica mais aflita quando eles estão longe de casa.
— Melhorou bastante. Era muita matança, muito mais violento. Hoje me preocupo mesmo quando eles saem para fora daqui — diz.
Os filhos de Dalva cresceram em Alvorada e estudaram nas escolas Normélio Pereira de Barcelos, no bairro Umbu, Mario Quintana, no bairro Maria Regina, e Campos Verdes, na Vila Campos. Não raras vezes, as vítimas dos assassinatos eram estudantes da mesma escola. Os jovens estão entre as maiores vítimas dos homicídios do crime organizado e do tráfico de drogas, segundo a polícia.
— A gente ligava o rádio e ouvia notícia de que tinham matado alguém. Muitas vezes eram pessoas conhecidas. Muitos colegas de escola deles — recorda.
Nascido em Erechim, no norte do RS, Paulo Mendes, 55 anos, mudou-se para Porto Alegre na busca por oportunidades de emprego, e se tornou morador de Alvorada. Em frente ao bazar onde trabalha, varre a calçada com tranquilidade, e descreve que nas últimas três décadas viu a situação mudar no bairro Umbu, onde mora.
— Está bem mais seguro. O policiamento passa mais vezes — garante.
Do outro lado da rua, o pedreiro Sandro Moisés, 52 anos, concorda com o vizinho.
— Antigamente tinha bem mais mortes. Mudou muito — diz.
A percepção é semelhante para quem reside em outros bairros. De São Luiz Gonzaga, no Noroeste, João Braga, 68 anos, cresceu em Canoas, na Região Metropolitana, e passou boa parte da vida em Brasília, no Distrito Federal. Há seis anos, com a idade avançando, decidiu retornar a morar perto da família, no bairro Piratini, em Alvorada.
— Dizem que a cidade é muito violenta, que já foi a sexta mais violenta do país. Mas aqui nunca vi um tiroteio, nem nada — diz o autônomo.
Estratégias
O cenário de violência que está na memória dos moradores marcou Alvorada. Em 2017, ano de pico da violência, policiais chegavam a atender na mesma madrugada cinco locais de crime. Em 2024, o município ficou 57 dias sem registrar nenhum homicídio: entre os dias 30 de março e 25 de maio.
Para chegar a esse cenário, uma série de medidas foi implementada na tentativa de reduzir os homicídios. Em 2019, Alvorada foi incluída na lista de cidades prioritárias do programa RS Seguro, de combate à violência no Estado. Nos anos seguintes, os números seguiram caindo, com queda mais acentuada em 2024.
— Pelo seu tamanho e importância para o Estado e para a Região Metropolitana, Alvorada sempre esteve entre os municípios que exigiam uma atenção especial da segurança pública. Por isso, focamos as nossas ações no combate ao crime organizado na cidade, com mais operações da Polícia Civil e rondas permanentes da Brigada Militar, reduzindo os crimes contra a vida e o patrimônio. Seguiremos firmes para que os indicadores continuem caindo ainda mais na cidade — afirma o secretário de Segurança Pública, Sandro Caron.
A redução segue a mesma tendência de Porto Alegre, onde os assassinatos também despencaram. A estratégia usada pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) na Capital é repetida em Alvorada, com a aplicação pela Brigada Militar, Polícia Civil e Polícia Penal de um protocolo de medidas contra os assassinatos. O foco é o combate aos homicídios ordenados pelo crime organizado, que ainda são maioria. No município, uma facção domina o tráfico de drogas, embora haja presença de outro grupo, em menor escala.
Mesmo no cenário de redução, a maior parte das mortes segue orquestrada pelo crime organizado. Dos 15 homicídios, 11 — ou seja, 73% — são atribuídos ao tráfico. No entanto, a motivação da maioria das mortes, segundo os policiais, envolve desacertos internos das facções. Os homicídios em confrontos entre grupos para tomadas de pontos de tráfico reduziram.
Sempre que ocorre um homicídio, as sete medidas deste protocolo são colocadas em prática de forma conjunta pelas forças de segurança. São ações como saturação das áreas onde ocorrem os crimes, operações especiais e responsabilização de criminosos, especialmente mandantes e executores, podendo chegar à transferência dos líderes para casas prisionais dentro e fora do RS.
— Isso é uma baixa histórica. Nos últimos dois anos tivemos uma baixa muito consistente, principalmente neste ano, em razão da implementação do protocolo das sete medidas de combate aos homicídios, que tem dado tanto resultado. Realmente nossos números nos orgulham muito e nos dão convicção de que estamos no caminho certo — comemora o chefe da Polícia Civil, delegado Fernando Sodré.
A apreensão de armas e drogas é apontada pela BM também como estratégia de combate aos crimes violentos, assim como rondas em horários e locais de maior risco. Em média, a corporação realiza a abordagem de cerca de 4 mil pessoas e 3,5 mil veículos por mês no município.
— Alvorada tem essa pecha de ser um dos municípios mais violentos do Estado e até mesmo do país, mas estamos conseguindo vencer esse obstáculo. Faz muito tempo que não temos nenhum tipo de ataque ou de tentativa de tomada de área por criminosos. Temos conseguido reduzir a incidência desse tipo de crime. Isso é fruto de uma junção de esforços — diz o tenente-coronel Alexsandro Goi, comandante do 24°Batalhão de Polícia Militar.
Onde
A maior parte dos homicídios ocorridos neste ano em Alvorada se deu no bairro Maria Regina, onde foram seis casos. Em seguida, vêm os bairros Tijuca e Piratini, com dois registros em cada. Os demais ocorreram nos bairros Americana, Sumaré, São João e Passo do Feijó.
Mudança em números
O pico dos assassinatos se deu em 2017, com 106 vítimas no primeiro semestre — em 2018 o número ainda era alto, mas caiu para 88.
Em 2019, houve nova queda, que foi mantida nos anos seguintes. De 2022 para 2023, no primeiro semestre, a diminuição foi de três casos. Em 2024, a diminuição voltou a se acentuar e chega a 51% — de 31 para 15 casos.
Em 2017, o município encerrou com taxa de 90 homicídios para cada 100 mil habitantes (com 187 assassinatos). A realidade é bastante diferente agora: a taxa do primeiro semestre de 2024 é de oito assassinatos por 100 mil habitantes.
No Atlas da Violência de 2024, a cidade aparece em 75º lugar em taxa de homicídios por 100 mil habitantes. Os dados analisados são de 2022, quando foram registrados 71 assassinatos em Alvorada, conforme o Atlas.
Assim como Porto Alegre, a taxa em Alvorada está dentro do considerado aceitável pela Organização das Nações Unidas (ONU). A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera epidêmicas taxas superiores a 10 homicídios para cada 100 mil habitantes.
Outro ranking mostra que a situação na cidade evoluiu. Alvorada já figurou como a segunda cidade do RS com maior número de assassinatos, atrás somente da Capital. No primeiro semestre de 2024, no entanto, a cidade aparece em 10º na mesma lista.
Fórmula
- Integração entre polícias
- Mapeamento de crimes e das organizações criminosas
- Foco nas áreas mais violentas
- Redução dos confrontos nos bairros
- Responsabilização de líderes de facções pelos homicídios
- Revistas em casas prisionais
- Operações especiais contra facções
- Prisões de integrantes do crime organizado
- Aumento de efetivo
- Investimento em câmeras
Ranking dos homicídios
2017
- 1º Porto Alegre 675
- 2º Alvorada 210
- 3º Gravataí 168
- 4º Canoas 134
- 5º Viamão 128
2024*
- 1º Porto Alegre 79
- 2º Caxias do Sul 45
- 3º Santa Maria 41
- 4º Canoas 37
- 10º Alvorada 15
* De janeiro a junho de 2024.
Fonte: SSP-RS
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