Em meio à angústia e ao medo vividos pelos gaúchos durante as enchentes que assolam o Estado, a segurança das crianças que estão em abrigos para famílias atingidas se tornou uma preocupação a mais para autoridades e população. Diante de relatos e registros policiais sobre crimes sexuais cometidos em locais de acolhimento, ações ostensivas das polícias, como rondas e patrulhamentos, são reforçadas enquanto medidas preventivas são articuladas, como a criação de espaços exclusivos para a população feminina e infantil (leia abaixo).
Desde o início das cheias, cinco casos de estupro em abrigos foram registrados pela Polícia Civil na Região Metropolitana. As vítimas são quatro crianças com idades entre seis e 10 anos e uma jovem. Seis suspeitos foram presos. A polícia alerta, contudo, para notícias falsas e boatos compartilhados nas redes sociais, que narram um cenário mais grave do que o real.
Conforme a Secretaria da Segurança Pública do Rio Grande do Sul (SSP-RS), entre os cinco casos registrados, quatro, ocorridos em Porto Alegre e Canoas, envolviam familiares das vítimas apontados como autores. Suspeita-se de que esses abusos já aconteciam antes das enchentes.
— Eram situações que já vinham ocorrendo na casa dessas pessoas e foram constadas agora que chegaram aos abrigos — diz o secretário da Segurança Pública do RS, Sandro Caron.
O quinto caso teria acontecido no último sábado (4) em um abrigo não oficial no bairro Estância Grande, em Viamão, onde a vítima, de seis anos, estava sozinha. Ela foi resgatada antes da família, já que a prioridade era remover primeiro as crianças. Com isso, a criança ficou sem supervisão enquanto os pais eram resgatados. Ela teria sido abusada por um homem de 24 anos que também estava abrigado, no período entre a chegada dela e a dos responsáveis.
De acordo com a diretora do Departamento de Polícia Metropolitana (DPM), delegada Adriana Regina da Costa, os casos são pontuais e estão sendo investigados. Não foi observado pela polícia um aumento dos registros de abusos.
Ação ostensiva
Uma força-tarefa, com participação do Ministério Público (MP), foi montada no início desta semana para acompanhar o trabalho realizado nos abrigos, especialmente com foco no acolhimento e proteção de crianças e adolescentes. A Brigada Militar também atua no policiamento destes locais. No domingo (12), mil PMs da reserva retornarão à ativa temporariamente, com foco nos locais de abrigamento.
Além disso, segundo a diretora do DPM, a Polícia Civil tem feito rondas diárias, durante a noite e a madrugada, para garantir a segurança dos abrigos na Região Metropolitana. Os agentes ingressam nos locais e circulam pelas ruas do entorno. Equipes especializadas, como as da Divisão Especial da Criança e do Adolescente (Deca) e da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) participam dessas operações.
Na terça-feira (7), por exemplo, 120 policiais do DPM fizeram rondas dentro dos abrigos durante a madrugada. Os policias conversam com volutários e responsáveis. Uma das orientações dadas é para que os responsáveis pelas crianças não as deixem sem supervisão. Quando a polícia identifica uma situação que possa apresentar risco, orienta o representante do abrigo.
A polícia realiza estas rondas também para tentar impedir conflitos entre os abrigados. A possibilidade é de que os problemas já existentes nos bairros, como brigas e ameaças, migrem para os locais de acolhimento. Tais situações, já conhecidas pela polícia, podem ser potencializas com o aumento de número de pessoas concentradas.
Espaços exclusivos
Além da ação ostensiva das forças de segurança, medidas preventivas estão sendo articuladas para evitar que tanto crianças como mulheres vítimas das enchentes e acolhidas em abrigos fiquem sob risco de mais uma violência. Até domingo, será aberto em Porto Alegre o primeiro espaço exclusivo para abrigar mulheres e crianças até 12 anos. Será no prédio do Foro do Partenon, que cedeu dois andares para este abrigo que deverá servir de modelo para a abertura de outros em diferentes cidades atingidas pela enchente.
O abrigo, que no primeiro momento deverá acolher 50 mulheres, mas que deve ser ampliado nos próximos dias, é resultado de uma parceria entre a prefeitura de Porto Alegre, o Ministério Público e o Poder Judiciário, articulada pela deputada estadual Nadine Anflor (PSDB), ex-chefe de Polícia e militante dos direitos das mulheres.
O local deverá contar com serviços da Defensoria Pública e da Polícia Civil, para garantir proteção a vítimas da violência doméstica. No abrigo não serão permitidas visitas. Logo, mulheres que têm companheiro deverão ficar em outros, onde é permitida a presença de casais.
Em Canoas, uma das cidades mais afetadas pelas inundações, a médica e ex-BBB Marcela McGowan está atuando como voluntária no Hospital Nossa Senhora das Graças e em abrigos. Na quinta-feira (9), ela anunciou que um local específico para mulheres e crianças começou a ser construído:
— Tá nascendo, aqui em Canoas, um abrigo para mulheres e crianças. Algumas mulheres tomaram essa iniciativa para construir e, agora, a gente conseguiu também o apoio do Me Too e do Instituto Survivor para ajudar a comprar as coisas para cá, deixar o abrigo ainda mais completo e seguro.
*Produção: Camila Mendes