Projeto que produziu convergência entre a União, o Estado e o município de Charqueadas não conseguiu transpor o campo das intenções e elaborações políticas. A proposta, motivada por uma das mais graves ondas de violência registradas no Rio Grande do Sul, que teve início em 2016, previa a construção de uma penitenciária federal no Estado para encarcerar líderes de facções, comandantes de homicídios, atentados e decapitações. O plano não saiu da prancheta ao longo dos últimos sete anos.
Era começo de 2017 quando o governo estadual, sob o comando de José Ivo Sartori (MDB), apresentava seu plano de candidatura para receber aquele que seria o primeiro estabelecimento prisional federal em território gaúcho. Ocorreram tratativas entre Sartori e o então presidente Michel Temer (MDB), que chegou a anunciar o projeto durante evento no Parque Assis Brasil, em agenda oficial em Esteio.
No ano seguinte, Sartori perdeu a eleição para o atual governador do Estado, Eduardo Leite (PSDB). Temer, que era vice de Dilma e assumiu após o impeachment, sequer concorreu. Jair Bolsonaro (PSL, à época) vencia o candidato petista Fernando Haddad. O projeto da penitenciária caiu no esquecimento. Mesmo após a permanência de Leite no poder e a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como presidente, em 2023, o tema jamais foi retomado publicamente.
Distanciada do campo de batalha político-eleitoral, a proposta continuou sendo trabalhada por áreas técnicas da União. Em 2022, a Coordenação-Geral de Modernização da Engenharia e Arquitetura Prisional, setor responsável por este modelo de projeto na Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), efetuou serviços fundamentais para orientar a execução da obra.
"Com relação à Penitenciária Federal em Charqueadas, cumpre informar que após as tratativas junto ao município e afetação de terreno, foi promovida contratação para elaboração e revisão de projetos, bem como desenvolvimento de especificações técnicas, memoriais, peças orçamentárias e demais elementos necessários à execução da obra", aponta a Senappen em nota enviada a pedido de informação de GZH.
A secretaria, que está subordinada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, informou que o valor estabelecido como orçamento para execução do projeto é de R$ 12o milhões. Segundo nota, "a eventual tomada de decisão aguarda a conveniência e oportunidade da alta gestão, se for o caso".
Governo do Estado deixou de atuar sobre o tema
A Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo do Estado, nomenclatura definida na gestão do governador Eduardo Leite, informou que jamais participou de reuniões, com a União ou com a administração municipal de Charqueadas, para tratar sobre a construção da penitenciária federal, desde que começou sua administração, em 2019.
"Em 2017, o governo do Estado estava acompanhando o início do projeto do governo federal sobre a criação de uma unidade prisional federal no Rio Grande do Sul. Contudo, este projeto foi descontinuado e a Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo não tem conhecimento sobre o motivo da desistência", aponta a nota da pasta.
A resposta desconsidera a informação de que o projeto não foi descontinuado pela União e permanece à disposição dos governantes para que discutam a eventual retomada. A secretaria também afirma não ter conhecimento preciso sobre os encaminhamentos realizados pela gestão de José Ivo Sartori.
"Que é de conhecimento da atual gestão, é de que a última reunião teria ocorrido no governo anterior, entre 2017-2018", explica o texto enviado em resposta à GZH. Acerca do teor da última tratativa, a nota restringe-se em indicar: "Não saberíamos responder."
O texto também menciona que o governo do Estado não manteve nenhum diálogo com a prefeitura de Charqueadas sobre o assunto.
"Como o projeto é de âmbito federal, que trata diretamente com o município, o governo do Estado não se reuniu, nesta gestão (2019-atual), com o município de Charqueadas para tratar deste tema", informa.
"O governo estadual sempre foi parceiro da União e é favorável a investimentos no RS. Entretanto, não tem gerência sobre eventual decisão tomada pelo governo federal", conclui a nota da Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo do Estado.
Prefeitura de Charqueadas silencia
GZH fez uma série de pedidos de entrevista à prefeitura de Charqueadas, que designou um assessor especial do Gabinete do Prefeito para prestar informações. Porém, até o fechamento desta reportagem, o pedido não havia sido atendido.