Em menos de dois meses, devem ir a júri no noroeste do Estado dois acusados de terem assassinado uma contadora e desaparecido com seu corpo. Em janeiro de 2018, Sandra Mara Lovis Trentin saiu de casa em Boa Vista das Missões, e nunca mais voltou. O carro dela foi encontrado no município vizinho, Palmeira das Missões, último local onde ela foi vista com vida.
O mistério sobre o sumiço de Sandra gerou mobilização, até a morte dela ser confirmada, com a localização dos restos mortais, um ano depois. A ossada foi achada no limite com o município de Condor, numa área de mata. A Justiça agendou para 27 de fevereiro o julgamento do ex-vereador Paulo Ivan Baptista Landfeldt, marido da vítima, e Ismael Bonetto, apontado como executor do crime. Os dois seguem presos e negam envolvimento no homicídio.
Segundo a denúncia do Ministério Público, o então vereador de Boa Vista das Missões teria contratado Bonetto e outros executores — não identificados pela investigação — para assassinar a vítima. O crime teria sido planejado por Landfeldt, conforme a acusação, para se livrar da esposa, em razão de problemas no relacionamento e de um caso extraconjugal.
De acordo com o MP, o réu não queria precisar dividir o patrimônio do casal, numa eventual separação. Além disso, a acusação sustenta que Sandra tinha conhecimento do envolvimento do marido em atos ilícitos, irregularidade e improbidade administrativa, em Boa Vista das Missões, e poderia levar isso ao conhecimento das autoridades.
O político teria prometido o pagamento de R$ 40 mil pelo assassinato e sumiço da mulher. Segundo a denúncia do MP, em razão disso, Bonetto e os demais executores renderam Sandra, com armas de fogo, levaram a vítima até local ermo, onde ela foi assassinada. Inicialmente, o corpo teria sido escondido em matagais no interior do município de Vicente Dutra.
Depois disso, conforme narrado na denúncia, após a prisão de Bonetto pela Polícia Civil, temendo o risco de ser delatado, o marido teria removido o corpo de Sandra, com auxílio de outras pessoas, não identificadas, até uma cova rasa, às margens da BR-285. No mesmo local, foi deixada uma sacola, contendo cartões bancários, documentos e pertences da vítima.
Reviravoltas
O desaparecimento de Sandra e, posteriormente, a descoberta de seu assassinato gerou série de reviravoltas ao longo dos últimos anos. Paulo Ivan Baptista Landfeldt foi preso antes mesmo de o corpo da esposa ser encontrado. Foi detido após Ismael Bonetto ser preso em Lages, Santa Catarina, e confessar à polícia ter matado a contadora a mando do então político.
Na época, segundo a polícia, Bonetto admitiu ter sido pago para interceptar a vítima e executá-la. Para o Ministério Público, o então vereador prometeu ao executor o pagamento de R$ 40 mil para assassinar Sandra Mara a tiros e esconder o corpo. Inicialmente, Bonetto confessou ter assassinado a contadora com um tiro no peito e enterrado o corpo em Vicente Dutra (a 65 quilômetros de Boa Vista das Missões). Uma semana depois, voltou atrás e disse que havia mentido.
Em entrevista a Zero Hora, no Presídio Estadual de Palmeira das Missões, na época, Bonetto negou o crime e alegou que extorquiu o político ao saber do desaparecimento de Sandra, mas que nunca teve envolvimento no sumiço dela.
— Tentei me aproveitar da situação, quando deu tudo aquilo lá para extorquir, tirar dinheiro dele, dizer que sabia o que tinha acontecido. Tudo que falei é uma bobagem — disse.
O ex-vereador alega que foi procurado por Bonetto, que afirmava pertencer a uma facção e saber o paradeiro de Sandra. Para isso, teria exigido pagamento em dinheiro. O marido chegou a registrar essa suposta extorsão numa ocorrência na polícia e, logo depois, Bonetto acabou preso. Quando o investigado apresentou a versão sobre quem seria o mandante, Landfeldt também teve a prisão preventiva decretada. No entendimento da acusação, o crime teria sido cometido para que o marido pudesse ficar com os bens da família e assumisse outra relação, sem que houvesse separação, já que o casal viveria um relacionamento conturbado.
O caso
Desaparecimento
Sandra Mara saiu da casa onde residia com o marido e três filhas, de 16, 11 e cinco anos na época, em Boa Vista das Missões, na manhã de 30 de janeiro de 2018.
A contadora pegou a caminhonete que estava na residência do cunhado, passou no escritório de contabilidade, na mesma rua, e, por volta das 7h30min, seguiu para Palmeira das Missões.
Sandra Mara chegou a passar na Junta Comercial, no centro da cidade vizinha. Depois disso, circulou pelas ruas da área central da cidade e estacionou na Rua Rio Branco, ao lado de um CTG. A partir dali, não foi mais vista.
Carro encontrado
O carro da vítima, uma Ranger, foi encontrado em Palmeira das Missões, logo após o sumiço dela. Dentro do veículo, foram achados dois chips e o cartão de memória do celular, a bolsa dela, um par de sapatilhas, dinheiro e diversos papéis do escritório. A família percebeu o sumiço do celular e da carteira de habilitação.
Extorsão e prisões
Em fevereiro de 2018, o marido de Sandra procurou a polícia para afirmar que estava sendo extorquido por um rapaz, que afirmava estar com a contadora. Dois dias depois, o mesmo jovem, identificado como Ismael Bonetto, então com 22 anos, foi preso em Lages, Santa Catarina. A prisão mudou os rumos da investigação. Bonetto confessou à polícia que tinha sequestrado e assassinado com dois tiros a contadora, a mando do marido dela. No mesmo dia, Landfeldt foi preso.
Novo depoimento
Uma semana após a prisão, Bonetto voltou atrás e disse que mentiu sobre ter assassinado a contadora a mando do vereador. Contou que ficou sabendo do desaparecimento por uma vizinha e que decidiu extorquir Landfeldt, mentindo que estava com Sandra. Mas não soube explicar por que disse à polícia que havia matado a mulher.
A Polícia Civil entendeu, no entanto, que a primeira versão apresentada pelo jovem preso era a mais próxima do que aconteceu com a contadora e indiciou os dois. Até então, Sandra Mara seguia desaparecida.
Corpo encontrado
Quase um ano após o sumiço de Sandra Mara, em janeiro de 2019, uma ossada foi encontrada enterrada no limite de Palmeira das Missões e Condor — a cerca de 40 quilômetros de onde a contadora sumiu. O cadáver foi encontrado em um matagal próximo de uma lavoura de soja. Na mesma cova rasa, estavam pertences da contadora, como cartões bancários. A análise da arcada dentária confirmou que os restos mortais eram da vítima.
A causa da morte não pôde ser apontada com precisão, em razão do tempo transcorrido entre o óbito e a localização da ossada. Segundo o Ministério Público, a possibilidade de morte por disparo de arma de fogo não foi descartada pelos peritos. No entanto, não foi encontrado nenhum projétil na cova e nos restos mortais.
Contrapontos
O que diz a defesa de Ismael Bonetto
Os advogados Volnete Gilioli e Lucas Estevão Duarte, que representam Bonetto, afirmam que "o julgamento representa um importante passo em busca de justiça".
"O acusado encontra-se preso há mais de seis anos. E que, muito embora várias versões foram expendidas pelo acusado ao tempo da instrução da primeira fase e que as teses aventadas pela acusação na denuncia não trazem a verdade sobre a hipótese fática, as antíteses defensivas serão levadas a termo no julgamento, onde os constitucionais julgadores, os jurados, farão o cotejo dos elementos de culpabilidade e decidirão sobre qual versão é a mais provável de ter ocorrido ao tempo do fato", diz a nota da defesa.
O que diz a defesa de Paulo Ivan Baptista Landfeldt
A reportagem entrou em contato com o advogado João Taborda, um dos responsáveis pela defesa do réu, e aguarda retorno. Em manifestação anterior, o advogado afirmou que não existem provas que liguem Landfeldt à morte da esposa.