Pela primeira vez, Yasmin Vaz dos Santos Rodrigues, 28 anos, mãe do menino Miguel dos Santos Rodrigues, sete anos, falou à Justiça sobre a morte do filho. Ela é a primeira ré a ser ouvida durante o julgamento em Tramandaí, no Litoral Norte, nesta quinta-feira (4).
A mulher optou por somente responder as perguntas da própria defesa — algo que já era previsto pela acusação. Além dela, está sendo julgada a madrasta do garoto, Bruna Nathiele Porto da Rosa, 26 anos. As duas respondem pelo assassinato do garoto, por tortura e ocultação de cadáver.
Num tom sereno em boa parte do depoimento, que durou cerca de duas horas, Yasmin alegou que era uma mãe presente e zelosa com o filho. Um dos pontos explorados pela defesa foi o fato de o pai não ter aceito a sexualidade da filha. Yasmin também alegou que Miguel foi fruto de um relacionamento de um ano e que o pai do garoto nunca teve contato com ele, e que nem sequer conhecia o filho pessoalmente. As perguntas foram feitas pela advogada Thais Constantin, responsável pela defesa dela.
— Até eu conhecer essa pessoa (Bruna), o Miguel era presente em tudo. Eu sou a mãe do Miguel. Minha realização da vida era ser mãe — disse.
Yasmin relatou ter conhecido Bruna por meio das redes sociais e que as duas teriam se encontrado pela primeira vez cerca de um mês depois.
A ré afirmou que foi o relacionamento dela com Bruna que gerou seu afastamento de Miguel e que ela teria sido a culpada pelo que aconteceu com a criança. A versão é o oposto do apresentado pela madrasta, que relatou em audiência anterior que quem espancou e dopou Miguel foi Yasmin.
Relacionamento com Bruna
No interrogatório, Yasmin detalhou como teria sido a relação com Bruna. Afirmou que elas teriam vivido juntas em Pelotas, no sul do Estado, em Porto Alegre, e também em Paraí, na Serra, cidade de onde Miguel era natural. Durante o período na Capital, segundo Yasmin, a situação era muito tumultuada na casa de familiares de Bruna:
— Se eu não colocasse comida dentro de casa, não tinha como comer.
A ré alegou que a companheira lhe fazia acreditar que só poderia ser feliz ao lado dela, e que assim poderia ter uma família.
— Era briga, pedido de desculpa: “Tua mãe vai te rejeitar. Tua mãe não te aceita” — disse.
Às 18h56min, Yasmin chorou pela primeira vez, ao contar que teria sido espancada pelo pai, após a família descobrir que ela mantinha relacionamento com uma mulher. Por mais de uma vez, ela alegou que Bruna lhe convencia a seguir com o relacionamento, mesmo em meio a brigas.
— Eu tava decidida, eu ia embora. Diversas vezes eu pedia dinheiro para minha mãe pra voltar pra casa. A minha família era o Miguel. Se ela se juntasse ao Miguel eu ia ter minha família — disse.
Litoral Norte
Após Miguel começar a morar com as duas, em Porto Alegre, eles mantinham uma rotina de família até fevereiro de 2021, segundo Yasmin. A ré voltou a chorar quando questionada pela defesa sobre uma tentativa de suicídio, que teria ocorrida em março, quando ainda estavam morando na Capital.
Mais uma vez ela usou o fato de eu ser rejeitada. Ela cuidou de mim. Disse que ficou com muito medo de me perder.
— Era briga atrás de briga. O meu filho não que tinha passar por aquilo — disse.
Yasmin relatou que, mesmo após esse episódio, manteve o relacionamento com Bruna porque teria sido cuidada por ela durante esse período.
— Mais uma vez ela usou o fato de eu ser rejeitada. Ela cuidou de mim. Disse que ficou com muito medo de me perder — afirmou.
Yasmin, que afirmou ter se prostituído em alguns momentos, alegou que decidiu ir morar no Litoral Norte como forma de deixar a casa da família da namorada. Ela teria feito contato com um homem com quem já havia mantido uma relação anteriormente, para que ele lhe auxiliasse financeiramente. Para isso, teria passado a ser acompanhante deste homem, em troca de dinheiro.
— Quando eu tive oportunidade, falei que não ia mais ficar lá. Ou ela ia comigo, ou eu ia sozinha. E aí ela veio junto, como cuidadora do Miguel e minha cuidadora — relatou.
Relação de Bruna e Miguel
Yasmin alegou que no início era ela quem auxiliava o filho a realizar as tarefas da escola em Imbé e que eram feitas de forma remota por conta do período de pandemia. No entanto, quando estava trabalhando num restaurante, Bruna teria passado a auxiliar o enteado com os estudos. Yasmin disse que a companheira reclamava constantemente do menino.
Era só reclamação. Ela dizia que o Miguel não era dedicado. Eu não gostava porque tinha que ficar escutando reclamação o dia inteiro.
— “O Miguel era isso, era aquilo. O Miguel não sabe ler”. Era só reclamação. Ela dizia que o Miguel não era dedicado. Eu não gostava porque tinha que ficar escutando reclamação o dia inteiro. Trabalhava o dia inteiro e tinha que ficar escutando blim, blim de telefone de uma criatura que ficava o dia todo em casa, sem fazer nada. Não quero tirar a minha culpa. Mas não era fácil — disse.
Yasmin disse que a namorada fazia uso excessivo de medicamentos e que havia uma suspeita de que ela pudesse sofrer de espectro autista. Yasmin também alegou que a companheira passou a relatar que tinha transtorno dissociativo de identidade, após assistir ao filme Fragmentado.
Depois disso, segundo a ré, Bruna passou a apresentar cinco personalidades. Uma delas teria o nome de Lorenzo. Durante as investigações, a polícia localizou mensagens trocadas entre as duas, nas quais Bruna escreveu: “Tudo bem amor? O Miguel se soltou daí o Lorenzo prendeu de novo e deu comida para ele, ele mandou dizer pra ti prender mais forte daí, daí eu tomei café”.
— Lorenzo é um ser que habitava o corpo dela, junto com quatro personalidades — disse Yasmin.
Yasmin disse que Bruna insistia que ela deveria ser mais rígida com Miguel. Às 19h28min, a ré chorou mais uma vez.
— Eu sou um monstro. Eu sou muito monstro. Se estou aqui é porque errei para caramba. Se está todo mundo aqui, é porque eu fui péssima como mãe, como ser humano. Mas eu jamais imaginei que ela pudesse fazer isso — afirmou.
A ré negou que soubesse que Miguel estava sendo preso num armário pela companheira. Disse que o filho teria passado a ficar cada vez mais arredio, e que teria se afastado dela.
— Foi aí que eu comecei a pedir para minha mãe buscar ele, mas não era o que eu desejava. O meu filho foi meu sonho de vida. Queria que ela (a avó) cuidasse dele porque eu não estava conseguindo cuidar. O Miguel estava emagrecendo, não estava comendo. A Bruna dizia que ele não comia nada o dia inteiro — falou, emocionada.
Agressões
Yasmin admitiu ter batido no filho na segunda-feira anterior ao crime. Ela relatou ter novamente agredido o filho, ao chegar em casa, com mais força. Nas duas oportunidades, o menino teria sujado as roupas e os móveis da casa com fezes. Sobre o dia da morte do menino, Yasmin alegou que o filho acordou estranho:
Hoje eu sei que independente do que fosse acontecer, eu deveria ter levado para o médico, mas naquele dia eu não fiz isso.
— Molinho, geladinho, sem querer comer. Ele estava magro e eu estava dando ele para minha mãe. Soquei comida nele. Fazia caldo de feijão e tocava nele. Era o mínimo que eu tinha que fazer, obrigar ele a comer. Nesse dia ele não quis comer. Fiz sopa, fiz mamadeira, fiz suco, fiz caldo de feijão, fiz tudo. Nada ele quis. Peguei, fui na farmácia, comprei duas seringas e ia fazer ele comer. Não importasse como — disse.
No mesmo dia, Yasmin disse que pediu ao homem com quem mantinha relacionamento para que levasse alguns medicamentos para o filho.
— Hoje eu sei que independente do que fosse acontecer, eu deveria ter levado para o médico, mas naquele dia eu não fiz isso — alegou.
Ao falar sobre o momento da morte de Miguel, Yasmin se desesperou. Ela narrou que passou cerca de 40 minutos conversando com o homem do lado de fora da pousada, e que quando retornou deparou com Bruna sob a mesa, em posição fetal.
— Olhei pra ela e perguntei: “Cadê o Miguel?". Saí correndo para dentro do quarto e do banheiro. Vi o Miguel deitado. Eu não queria. Vi o Miguel deitado, no chão. Estava todo gelado, todo roxo. Voltei pra ela. Perguntei o que tinha acontecido. Ela simplesmente disse que o Miguel estava morto. Estava roxo e duro — afirmou.
O corpo no rio
Yasmin disse que não pediu ajuda porque se sentiu culpada por ter deixado o filho morrer.
— Então peguei ele no colo, ele não tava vestido adequado, estava frio. Vesti um casaco quentinho e coloquei um casaco. Ela levantou e veio com a mala. Disse que a gente tinha que fazer alguma coisa — contou.
Neste momento, Yasmin se desesperou, e o delegado Antônio Carlos Ractz, que investigou o caso, retirou-se da sala. A investigação apontou que Yasmin espancou o filho brutalmente e dopou a criança, provocando a morte do filho.
Vi o Miguel deitado, no chão. Ele estava todo gelado, todo roxo. Voltei pra ela. Perguntei o que tinha acontecido. Ela simplesmente disse que o Miguel estava morto. Estava roxo e duro.
— Eu levei ele até o rio — desesperou-se outra vez.
Yasmin admitiu ter sido ela a colocar o filho dentro da mala e ter carregado o corpo da criança até o rio. A defesa indagou por qual motivo ela carregou a mala:
— Naquele momento estava pensando no meu filho. O meu filho estava morto. E aquela mala era o caixãozinho dele. Não podia deixar ninguém mais carregar. O filho era meu — afirmou.
Yasmin diz que se sente culpada por ter permitido que Miguel convivesse com pessoas como Bruna.
— Amava o meu filho. Amo meu filho. Rezo pelo Miguel todos os dias. Peço que ele me perdoe todo os dias. Só queria por um milésimo de segundo ouvir a seguinte frase: “Mamãe, eu te perdoo e eu te amo”. Eu fui mãe de Miguel até conhecer a Bruna, depois eu fui só uma genitora.