A primeira parte da manifestação do Ministério Público no júri da mãe e da madrasta acusadas de matar o menino Miguel, de sete anos, em julho de 2021, foi marcada pela apresentação de provas obtidas ao longo da investigação.
A mãe, Yasmin Vaz dos Santos Rodrigues, e a companheira dela, Bruna Nathiele Porto da Rosa, respondem por homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, com emprego de meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima), tortura e ocultação do cadáver. O corpo, que teria sido arremessado no rio, nunca foi encontrado.
Em uma fala enfática e emocionada, o promotor André Tarouco ocupou as duas horas para mostrar o sofrimento da criança e a indiferença das duas a quem ele chamou de "anjo Miguel".
Traçando uma linha do tempo, Tarouco repassou ponto a ponto os três últimos meses de vida de Miguel. A intenção era demonstrar quando cada um dos crimes ocorreu.
Para ilustrar a tortura, o promotor rodou vídeos gravados por Bruna enquanto ameaçava Miguel.
— Tu já viu há mais de um mês que tua mãe não vai fazer (merda) nenhuma pra ti, por que tu continua? — perguntava Bruna ao menino preso no armário.
— Porque eu acho que uma hora ela vai cansar e vai fazer tudo pra mim, de novo — responde o menino.
Logo na sequência, o vídeo apreendido no celular de Bruna revela as ameaças da madrasta.
O promotor também mostrou aos jurados um caderno em que Miguel era obrigado pela mãe a escrever frases autodepreciativas, como "Eu sou um idiota", "Eu sou um inútil", "Eu não presto", "Eu sou ruim", "Não mereço a mãe que eu tenho".
Durante a manifestação, Tarouco ainda explorou mensagens trocadas entre as duas antes do crime e no dia seguinte à morte do menino. A estratégia foi adotada para demonstrar aos jurados a tese de que as duas têm o mesmo nível de envolvimento no crime.
— No dia 29 (dia da morte), o sol nasceu na Fazendinha. Eu não sei se isso tem relação com a morte, mas, às 10h20min, depois de o filho morrer, ela manda mensagem pra ela: "O sol já nasceu lá na fazendinha". Eu tenho certeza que ele está lá naquela fazenda, nos olhando, nos guiando. E neste processo, ele como anjos, guiou diversos anjos — disse Tarouco em um dos momentos de maior exaltação.
A perícia no celular das acusadas ainda revelou pesquisas feitas pelas duas na internet dias antes. Em uma das buscas, Yasmin queria saber se impressões digitais sumiam no mar, o que demonstra a premeditação de ocultar o corpo.
Objetos apreendidos durante a investigação também foram exibidos aos jurados, entre eles uma corrente que seria usada para amarrar Miguel, a mochila da escola do menino e a mala usada para transportar o corpo até o rio.
A manifestação de duas horas e meia do Ministério Público se encerrou às 12h30min. O MP pediu que os jurados votem pela condenação das duas em todos os quesitos, o que poderia garantir a pena máxima, a ser calculada pelo juiz na sentença.
A sessão foi retomada às 13h30min, com manifestação da defesa, e posteriormente com a réplica pelo MP.
“Elas sentem prazer em maltratar o Miguel”
Nas duas horas da réplica do Ministério Público, no começo da noite desta sexta-feira, a fala foi da promotora Karine Teixeira, que buscou detalhar provas contra as duas rés. O MP exibiu novamente o vídeo no qual Bruna aparece ameaçando de espancar o menino, mostrou a última imagem registrada do garoto, no qual ele aparece esquálido e pálido, e exibiu materiais que teriam sido usados para torturar Miguel.
— Elas sentem prazer em maltratar o Miguel. Tudo que foi praticado contra Miguel foram demonstrações de poder e subjugação — enfatizou.
A promotora argumentou que o relacionamento da mãe e da madrasta era doentio. Durante a fala do MP, Yasmin manteve a cabeça baixa a maior parte do tempo. Já Bruna comeu bolacha e tomou café, enquanto a promotora falava sobre o perfil dela.
Com uma das mãos, a representante do MP segurou a mala usada para transportar o corpo e com a outra a mochila do garoto. Outro ponto explorado pela acusação foram mensagens trocadas por Yasmin por telefone. Numa delas, a mãe teria escrito ao ser indagada sobre hematomas no corpo da criança.
— Meu anjo, o filho é meu, se eu quiser desmontar ele a pau e deixar três dias no hospital, quem pariu fui eu — promotora leu, reproduzindo a mensagem da mãe de Miguel.
Em 29 de abril de 2021, Yasmin teria trocado mais mensagens com outro homem, nas quais ela teria se referido ao filho com desprezo.
— Tu não conhece o Miguel. Ele está um ser humano muito ruim, detestável. Ontem fui brigar com ele e começou a gritar “chama a polícia” — promotora leu a mensagem de Yasmin.
A promotora exibiu ainda uma foto na qual a mãe e a madrasta estariam mantendo relações sexuais, enquanto o menino estaria trancado dentro do armário, ao fundo.
— Sentem prazer em ver o guri sofrer — reforçou.
A promotora afirmou que os medicamentos eram usados para que Miguel apanhasse quieto, e que Yasmin nunca planejou entregar o filho para a avó, porque se fizesse isso o garoto contaria sobre as torturas sofridas. No fim das argumentações, Karine apresentou um vídeo no qual é possível ouvir Miguel falando em dois momentos. No primeiro, é um menino animado, falando sobre brincadeiras. E no outro está dentro do armário na pousada, e se expressa com dificuldade. O MP buscou mostrar com isso que Miguel foi tão torturado, que nem conseguia mais falar como antes.
— Que a Justiça seja feita. E que o Miguel realmente possa descansar em paz — encerrou.