Compradores de imóveis edificados pela Conceitual Construtora, em Santa Maria, aguardam pela dissolução de conflitos que acabaram parando nas mãos do Ministério Público e do Poder Judiciário. As alegações apontam que a empresa teria abandonado projetos, deixando de realizar a entrega a pessoas que teriam quitado valores correspondentes à aquisição de apartamentos e boxes de garagem. Em alguns casos, citados pelo MP em ação civil coletiva de consumo, o mesmo imóvel teria sido vendido a até quatro compradores.
— Paguei uma entrada de R$ 73 mil. Assumi parcelas de financiamento e quitei R$ 148 mil em outubro de 2015. Tenho um filho de 12 anos e estamos vivendo em aluguel. Fiquei endividada. Era para termos o nosso apartamento próprio desde 2018. Vivo em desespero. É uma angústia inexplicável. O investimento de uma vida colocado nesta incerteza e a sensação de ter sido enganada — desabafa a enfermeira Angelita Rigon, 54 anos.
Ela é compradora de uma unidade no Edifício Contemporani, localizado na área central de Santa Maria. Mais precisamente, de acordo com a documentação que possui, Angelita seria proprietária do apartamento número 411 e de um box no mesmo prédio.
Além de não poder morar na residência com a qual sonhou, a enfermeira descobriu, no curso dos acontecimentos, que existe ao menos mais uma pessoa a qual acredita ser proprietária do mesmo imóvel.
— Compramos dois apartamentos no Contemporani, um para cada filho. O mais velho deseja estudar Medicina e poderia morar perto da faculdade. O caçula poderia morar perto do irmão assim que chegasse no momento certo. Pagamos à vista, R$ 325 mil, pelo 411 e pelo 710, mais um box para automóvel. Vivemos um desgaste emocional absurdo e um sentimento de impotência diante de termos acreditado que estávamos fazendo a coisa certa — descreve a empresária Valdirene Soares, 47 anos.
A situação da Conceitual é uma incógnita para consumidores a autoridades. Haveria mais de uma razão social relacionada com o grupo societário, formado por pai e dois filhos. Contudo, o pai, fundador das empresas, morreu em acidente rodoviário ocorrido em 9 de novembro do ano passado, após colidir veículo contra uma rocha, enquanto dirigia pela BR-158. O fato tornou o caso ainda mais complexo.
Ação coletiva de consumo foi ajuizada em março
Diante de diversos relatos desta natureza, o MP, por meio da 2ª Promotoria de Justiça Cível de Santa Maria, ajuizou em 17 de março uma ação coletiva de consumo contra a Conceitual Construtora e os dois ex-sócios e herdeiros da empresa pelas práticas consideradas abusivas, pedindo "amplo ressarcimento moral e material" aos consumidores lesados.
"Em janeiro deste ano, já haviamos ajuizado ação cautelar, com decisão favorável da 3ª Vara Cível de Santa Maria no sentido do deferimento de amplas medidas, de caráter patrimonial e de cumprimento de obrigações, para resguardar o resultado efetivo final da ação coletiva agora proposta", informa, por nota, a promotora de Justiça Giani Pohlmann Saad.
Irregularidades
Conforme as investigação do MP, a Conceitual praticava uma série de irregularidades, como oferta e comercialização de unidades autônomas sem registro da incorporação imobiliária no Cartório de Registro de imóveis, o que, segundo a promotora, configura prática criminosa; atrasos e descumprimento na entrega das unidades em edifícios e condomínios horizontais; deliberada diferença entre a metragem de imóveis que constavam em inúmeros contratos de promessa de compra e venda com a matrícula registral, para evitar que o consumidor que, em muitos casos, pagou à vista o apartamento, obtivesse definitivamente o direito real pela escrituração.
Além destes apontamentos, Giani Saad também identificou e citou na ação a venda múltipla de mesma unidade imobiliária, box e garagem para vários consumidores. Mencionou, ainda, que a Conceitual descumpria contratos com pessoas que lhe vendiam terrenos para a edificação de projetos, sob a promessa de receber unidades nos endereços após a conclusão das construções.
A ação do MP pede a indisponibilidade de uma série de bens e valores, para resguardar capital para o cumprimento de obrigações. Solicita também que a empresa e seus responsáveis sejam condenados a indenizar, "da forma mais ampla e completa possível", os danos materiais e morais causados aos consumidores.
Prejuízos a clientes pode superar R$ 70 milhões
Representante de um grupo de 22 adquirentes de imóvel supostamente lesados pela construtora, o advogado Marcelo Taborda sustenta que a Conceitual não tem se posicionado de forma transparente e não indica a intenção de saldar suas dívidas. Taborda calcula que apenas os danos materiais decorrentes da lista de obrigações descumpridas pode ser superior a R$ 70 milhões.
— Com base no conjunto de unidades habitacionais relacionadas ao caso, a estimativa é muito elevada, podendo atingir a casa da centena de milhões de reais. Existe uma expectativa de que a construtora se apresente para uma mesa de negociação, mas esta perspectiva tem sido frustrada por contatos infrutíferos com seus representantes — lamenta o advogado.
Alto padrão
Taborda afirma que possui clientes com contratos descumpridos em cinco empreendimentos da Conceitual. Além do Contemporani, há o Metropolitan, o Salvatori e o Majestic, todos edificados em endereços de alto padrão de Santa Maria.
— Tenho cliente que havia comprado unidade no Gran Luxor, uma construção realmente de luxo, com um apartamento por andar. Este agricultor investiu algo próximo dos R$ 3 milhões na negociação — exemplifica.
Contraponto da Conceitual
A Conceitual Construtora foi procurada em diversas tentativas de contato telefônico e mensagens enviadas para sua assessoria jurídica com pedidos de entrevista. Nesta quarta-feira, por nota remetida à Redação, a empresa informou que "nos próximos dias serão adotadas as medidas judiciais cabíveis, diante do cenário econômico-financeiro verificado das empresas".