Os vereadores de Santa Maria, na região Central do Estado, decidiram nesta terça-feira (19) manter os vetos do prefeito contra dois projetos de lei (PL) que continham viés antiaborto. Com isso, as propostas serão arquivadas definitivamente.
Os PL 9647/23 e 9648/23, de autoria da vereadora Roberta Pereira Leitão (Progressistas), previam a afixação de cartazes informativos nas unidades hospitalares sobre os riscos do procedimento e a indicação, por parte dos médicos, de ultrassonografias a vítimas de estupro para tentar convencê-las a desistirem do aborto. Para ajudar no convencimento, era prevista a sugestão da escuta dos batimentos cardíacos do nascituro durante o ultrassom.
— Nós estamos satisfeitas com o resultado dessa votação, que garante o direito das mulheres, que faz com que as nossas pautas sejam garantidas. Principalmente nesse mês de março, que reforça as nossas lutas — comemorou a vereadora Marina Callegaro (PT).
As duas propostas tinham sido aprovadas em 12 dezembro do ano passado. Na ocasião, o plenário do Legislativo contabilizou, em cada votação, 12 votos favoráveis e seis contrários. No mesmo mês, o prefeito de Santa Maria, Jorge Pozzobom (PSDB), se manifestou sobre o assunto nas redes sociais, comunicando o veto.
Em um dos vetos, o gestor municipal chegou a explicitar que o PL 9647/23 "representa uma ameaça à integridade psicológica e moral das mulheres, especialmente vítimas de estupro. Sugerir a exposição a uma vítima de violência sexual à escuta dos batimentos cardíacos do nascituro antes da realização do procedimento de aborto legal é revitimizar uma pessoa que já foi submetida a uma forma extrema de violência".
Segundo Pozzobom, as proposições extrapolavam a competência do município, condicionando os direitos concedidos às mulheres pela legislação federal.
No entendimento da autora dos projetos, o resultado desta terça-feira se deve ao "medo de cair no cancelamento". Muitos parlamentares que ajudaram a aprovar os PLs, no ano passado, mudaram de ideia desta vez e apoiaram os vetos do prefeito.
— Existiu toda uma construção gigante, uma narrativa, para desqualificar os projetos porque sou eu, uma mulher de direita, conservadora, porque preservo a vida, porque defendo a família, porque para o discurso feminista eu não presto, nem mulher sou, eu não existo, eu sou um monstro. Para a maior parte do discurso feminista eu não me qualifico como mulher para falar, eu não me qualifico nem como uma vítima de estupro para falar — disse a parlamentar do Progressistas, Roberta Leitão, que revelou durante a sessão ter sofrido uma tentativa de estupro aos 18 anos.
Também se manifestaram contrariamente às matérias a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul (OAB/RS), o Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública estadual e um conjunto de 68 entidades, movimentos sociais, partidos políticos e coletivos.
Em agosto do ano passado, antes dos PLs serem apreciados em plenário, a Procuradoria da Câmara Municipal já havia classificado as matérias como inconstitucionais porque, além da indevida interferência na atuação do profissional de saúde, a indicação de ultrassom poderia submeter a gestante a um tratamento desumano e degradante, deixando-a ainda mais vulnerável.
O departamento ressaltou também que a intervenção violaria a intimidade e a vida privada das mulheres, que hoje podem se submeter ao procedimento abortivo dentro das hipóteses admitidas pela legislação.