A Câmara de Vereadores de Santa Maria, na Região Central, aprovou projeto de lei que incentiva profissionais da saúde a sugerirem a realização de ultrassonografias para tentar convencer mulheres vítimas de estupro a desistirem do aborto. A votação ocorreu em sessão extraordinária na terça-feira (12), contabilizando 12 votos favoráveis e seis contrários.
O texto estabelece que, no caso de uma mulher optar pelo aborto, "o profissional responsável, preferencialmente, poderá sugerir a realização de ultrassonografia" antes do procedimento. Ainda prevê que o médico, durante o exame, "preferencialmente, poderá sugerir à gestante que escute os batimentos cardíacos do nascituro".
— Eu sou uma vereadora conservadora, defensora da vida e eu sempre tenho a esperança de que o aborto não seja a solução encontrada pela mulher ainda que ele seja legalizado. Eu sempre tenho a esperança de que as mulheres não cometam esse assassinato porque eu acredito que a vida existe desde a concepção — afirmou a autora da proposta, vereadora Roberta Pereira Leitão (Progressistas).
A fala foi rebatida pela vereadora Marina Callegaro (PT), que junto da bancada de oposição analisa a possibilidade de questionar a constitucionalidade da lei. Ela argumenta que a medida aprovada alimenta um processo de revitimização de mulheres violentadas.
— Quando tu abre a possibilidade de uma mulher vítima de estupro, uma violência sexual, ter que ouvir num ultrassom os batimentos cardíacos do seu bebê, mesmo ela optando por um aborto legal, tu faz com que a mulher seja, novamente, vítima de violência. Essa mulher que já está abalada, com feridas e sequelas por uma vida toda — afirma a parlamentar ao destacar que o aborto, geralmente, já é uma decisão bastante difícil de ser tomada pela gestante.
Apesar da proposta deixar a critério do médico fazer esse tipo de sugestão para a gestante, um item do texto fixa a possibilidade de sanção em caso de descumprimento. No entanto, nenhuma pena está prevista. A vereadora Roberta Leitão informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que os detalhes deverão ser regulamentados pela prefeitura se o texto for sancionado.
Originalmente, o projeto tornava essa intervenção obrigatória e também estipulava a definição de uma multa se o exame e a escuta dos batimentos cardíacos não fossem sugeridos à mulher — o que caracterizaria um "acompanhamento negligente". Através de emenda, o texto foi alterado.
Cartazes informativos
Outra matéria aprovada durante a sessão extraordinária estabelece que as unidades hospitalares de Santa Maria que realizam procedimentos de aborto nos casos previstos em lei sejam obrigadas a afixar cartazes informativos "para que a tomada de decisão seja consciente". Os materiais deverão ser instalados onde o serviço é prestado e nos consultórios médicos nos quais as gestantes são atendidas.
De acordo com o projeto aprovado, os cartazes deverão conter os seguintes conteúdos:
- Explicação de cada tipo de procedimento abortivo
- Explicação da prática adotada, pré e pós-procedimentos abortivos
- Os danos físicos e psicológicos que os procedimentos podem ocasionar para a gestante
O descumprimento prevê aplicação de multa de 500 Unidades Financeiras Municipais (UFMs), o equivalente, neste ano, a R$ 2.176,30. Os dois textos aprovados seguem para sanção ou veto do prefeito Jorge Pozzobom (PSDB).
Constitucionalidade do projeto é alvo de discussão
No entendimento da advogada Renata Jardim, os projetos aprovados pela Câmara de Santa Maria são uma atualização de portarias do Ministério da Saúde da gestão de Jair Bolsonaro. Elas previam a inclusão de informações detalhadas sobre os riscos da interrupção da gestação e a oferta de visualização do feto. Após críticas e denúncias, as normas foram revogadas.
Integrante do Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos das Mulheres, Renata afirma que as propostas ferem os preceitos fundamentais da dignidade humana e violam as diretrizes nacionais que preveem atendimento humanizado em casos semelhantes.
— Ofertar a escuta dos batimentos cardíacos ou afixar cartazes com informações detalhadas sobre os procedimento do aborto e os danos que o procedimento pode acarretar, que sabemos, por exemplo, que em muitos casos é menor que manter uma gestação até o final, tem o objetivo exclusivamente de constranger as mulheres que buscam os serviços para a realização de atendimento, que já trilharam um longo caminho até chegar ali, além de causar mais desespero à vítima, como forma de demovê-la da interrupção da gravidez, que é um direito indiscutível — argumenta.
O Fórum Aborto Legal do Rio Grande do Sul informou que tem se articulado juridicamente para que os projetos sejam classificados inconstitucionais. A instituição, que reúne diferentes organizações da sociedade civil, universidades e serviços de referência, também tomou conhecimento das iniciativas em tramitação em Porto Alegre e destacou que tem se mobilizado para barrar a aprovação em outras casas legislativas.
Procurado pela reportagem de GZH, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers) informou em nota que "não cabe ao Legislativo municipal estabelecer normas e sanções sobre a conduta médica".
Quem foi favorável aos projetos de lei
- Adelar Vargas dos Santos (MDB)
- Admar Pozzobom (PSDB)
- Alexandre Pinzon Vargas (Republicanos)
- Anita Costa Beber (Progressistas)
- Danclar Jesus Rossato (PSB)
- Getúlio Jorge de Vargas (Republicanos)
- João Ricardo Vargas (Progressistas)
- Juliano Soares da Silva (PSDB)
- Manoel Renato Teles Badke (União)
- Pablo Pacheco de Carvalho (Progressistas)
- Roberta Pereira Leitão (Progressistas)
- Tony Oliveira (Podemos)
Quem foi contra os projetos de lei
- Helen Martins Cabral (PT)
- Marina Callegaro (PT)
- Paulo Ricardo Siqueira Pedroso (PSB)
- Rudys Rodrigues (MDB)
- Valdir Oliveira (PT)
- Werner Rempel (PCdoB)
Não estavam presentes
- Luci Duartes (PDT)
- Tubias Callil (MDB)
Mesmos projetos tramitam em Porto Alegre
Atualmente, dois projetos de lei semelhantes tramitam na Câmara Municipal de Porto Alegre. Eles são assinados pelas vereadoras Comandante Nádia (Progressistas) e Fernanda Barth (PL). Enquanto o Projeto de Lei do Legislativo (PLL) 578/2023 trata da obrigatoriedade da afixação dos cartazes informativos a respeito do aborto, o PLL 580/23 versa sobre o acesso prioritário na marcação e realização de exames de ultrassom durante o período gestacional.
O procurador-geral da Câmara se manifestou sobre os dois projetos, que se encontram na Comissão de Constituição de Justiça. Segundo Renan Teixeira Sobreiro, o PLL 578 apresenta conformidade jurídica parcial, pois a fixação de multa deve estar prevista em legislação, o que não ocorre neste caso. Já o PLL 580 não apresentaria qualquer conformidade jurídica, tendo em vista que esse tipo de proposta deveria partir do Executivo.
Confira a nota completa do Cremers:
O Cremers manifesta-se contrário ao projeto de lei 9647/2023, aprovado pela Câmara de Vereadores de Santa Maria. Nos termos da Constituição Federal, a competência para legislar sobre questões ligadas ao trabalho e à regulamentação da atividade médica é privativa da União e dos Conselhos de Medicina. Logo, a proposição legislativa carece de constitucionalidade e juridicidade. Dessa forma, não cabe ao Legislativo municipal estabelecer normas e sanções sobre a conduta médica, tendo que observar a legislação existente que trata sobre o tema.