Com a criação de uma nova estratégia no ano passado, a Polícia Civil acredita ter encontrado uma eficiente receita para o enfrentamento ao roubo de cargas no Rio Grande do Sul. A fórmula, de acordo com o Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), consiste no somatório de rápida comunicação das vítimas à pronta resposta das autoridades. O resultado foi a queda 43,14% com relação a 2022.
— Treinamos uma unidade especial, que fica de prontidão 24 horas por dia, aos sete dias da semana, para entrar em ação imediatamente após a comunicação de um assalto. Este grupo está posicionado estrategicamente, equipado e treinado para enfrentar grupos armados, interceptar criminosos em deslocamento, recuperar cargas e veículos — define a diretora do Deic, delegada Vanessa Pitrez.
A delegada explica que canais de comunicação foram estabelecidos com as transportadoras para que os alertas sobre crimes cheguem com mais brevidade. Ferramentas tecnológicas têm sido aprimoradas, com base em geolocalização e mapeamento de ocorrências, para aplicação de análises pelo setor de inteligência do departamento.
— A investigação está cada vez mais qualificada, com uso de recursos digitais e análise de dados — pontua a delegada Vanessa.
Por questão de preservação da efetividade da estratégia, cujo funcionamento teve início em fevereiro de 2023, a diretora do Deic não revela quantos agentes compõem o grupo tático, nem divulga onde são as bases de prontidão da força especial.
— Trabalhamos sob a ótica de que o emprego da nova estratégia tem resultado na queda de ocorrências, na desarticulação de quadrilhas, com prisões, apreensões de armas e recuperação de produtos roubados — define.
Arrojo em recuperação de carga milionária
Aos seis meses de atividade, em agosto do ano passado, o grupo tático efetuou uma de suas missões mais arrojadas: interceptou quadrilha que havia roubado um grande carregamento de cigarros, avaliado em cerca de R$ 3 milhões. A ação teve início após o comunicado de que uma quadrilha havia abordado caminhão, em Osório, no Litoral Norte, minutos depois do veículo partir carregado de uma fábrica localizada na Região Metropolitana.
O crime ocorreu no final da manhã. A comunicação aconteceu minutos após o fato. Por meio de ferramentas de rastreamento via satélite, os policiais da unidade especial monitoram o deslocamento dos criminosos, armando cerco próximo ao destino de transbordo do material roubado, em Portão, no Vale do Sinos.
— As prisões aconteceram quando o grupo chegava no local onde pretendia descarregar o material. Foi de surpresa. Não houve tiros. Sem feridos. Material recuperado. Uma ação bem-sucedida, que serve de modelo para o que buscamos com a estratégia — define o diretor de investigações do Deic, delegado Eibert Moreira.
A interceptação aconteceu no começo da tarde. Seis homens e uma mulher foram presos, pistolas e munições foram aprendidas. O grupo tático coordenou a ação que contou com apoio de agentes das delegacias distritais da região implicada nas buscas.
Crime organizado
Além da especialidade dos criminosos em atuar sobre o roubo de cargas, prevalece no Deic a percepção de que o tipo de crime está conectado com ações segmentadas dentro das estruturas do crime organizado.
Segundo a delegada Vanessa Pitrez, as investigações acerca do roubo de cargas mantém conexão próxima com as investigações sobre organizações criminosas que controlam o recrutamento de pessoas e o financiamento de crimes cujo capital converge para alimentar o narcotráfico e o tráfico de armas.
— São assaltos praticados mediante violência ou grave ameaça, dependem de recursos de pessoal, armamento e veículos, que são fornecidos pelo crime organizado, o que indica que a polícia tem atuado sobre o foco correto em suas estratégias — pontua a diretora do Deic.
Cobiça de criminosos por tabaco, agro e eletro
Estudo elaborado por uma consultoria especializada em gestão de risco logístico aponta que as cargas mais cobiçadas no país são tabaco, produtos agrícolas e eletroeletrônicos. Conforme a Overhaul, a trajetória descendente na quantidade de crimes verificada no Rio Grande do Sul possui sentido inverso na comparação com o País. No Brasil, segundo o estudo estatístico sobre bases oficiais, ocorreram 16.331 assaltos, em 2022, e 17.108 no ano passado – alta de 4,8%.
De acordo com o gerente de Inteligência da Overhaul, Reginaldo Catarino, a onda crescente no roubos de cargas no país está relacionada à condição de mercado emergente e com o comportamento de consumo tolerante à informalidade.
Para o RS, o relatório demonstra que 72% dos crimes ocorrem em rodovias, 23% em vias urbanas e 5% na sede das empresas. A distribuição por turno aponta que 64% acontecem entre manhã e tarde, e 36% ocorrem durante a noite e a madrugada. Terças-feiras (26%) e sextas (19%) são os dias com maior incidência.
As cargas preferidas
Detalhamento do estudo mostra que tabaco (31,04%), produtos agrícolas (24,14%) e eletroeletrônicos (10,34%) lideram a listagem dos bens mais cobiçados. Entre os produtos do agronegócio, 64% são defensivos, 29% são grãos e 7% são cargas diversas de produtos agrícolas. A Overhaul menciona no documento que veículos também são subtraídos e, prevalentemente, desmanchados para venda avulsa de peças.
Transportadoras: sensação de insegurança
Empresários sustentam que a sensação de insegurança permanece, apesar dos dados positivos. Para o presidente do Sindicato das Empresas de Transportes de Carga e Logística do RS (Setcergs), Sérgio Gabardo, a circulação de cargas pelas rodovias enfrenta o risco pela precariedade nos pontos de parada para refeições e descanso.
— Existe um sentimento de tensão, sobretudo sobre aqueles trabalhadores que conduzem cargas valiosas e caminhões de grande porte (valor elevado de mercado). Não contestamos os dados oficiais, mas a insegurança é um componente que impacta no custo das operações, afasta motoristas da atividade e aumenta o valor dos seguros, tanto para cargas, quanto para veículos — descreve Gabardo.
Segundo o presidente do Setcergs, a frota nacional de transportadores de cargas é superior a 40 mil caminhões.