Na noite de 24 de abril do ano passado, o veículo do motorista de aplicativo Nicolas Eduardo Zahn, 28 anos, foi perseguido em alta velocidade por bandidos armados pelas ruas do bairro Arroio da Manteiga, em São Leopoldo. Dentro do Logan que usava para trabalhar, o condutor foi executado a tiros pelos criminosos. A investigação deste caso levou o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil a desencadear nesta segunda-feira (18) a Operação Xeque-Mate contra a facção que domina o tráfico no Vale do Sinos.
Ao todo, foram cumpridas nesta manhã 142 ordens judiciais, sendo 37 de prisões (duas delas temporárias), uma de internação de adolescente infrator e 104 de busca e apreensão. A ofensiva envolveu cerca de 500 policiais, e é realizada em nove municípios do Estado: São Leopoldo, Porto Alegre, Gravataí, Portão, Montenegro, Charqueadas, Osório, Arroio dos Ratos e Sinimbu. Até as 16h, 28 pessoas haviam sido presas — outras seis já tinham sido detidas durante as investigações, sendo três como executores e três mandantes do assassinato ocorrido em abril do ano passado.
— É a terceira fase da operação envolvendo a morte de um motorista de aplicativo em São Leopoldo. Hoje estamos terminando as prisões de todas as pessoas envolvidas com o crime. Os seis executores, os três mandantes e mais todas as pessoas envolvidas. É um duro golpe no grupo criminoso com atuação no Vale do Sinos. A Polícia Civil investigará sempre os homicídios de forma intensa, buscando todas as pessoas envolvidas nos fatos criminosos — afirmou o delegado Fernando Sodré, chefe da Polícia Civil, em coletiva à imprensa.
A Operação Xeque-Mate é considerada a maior realizada pela Polícia Civil gaúcha nos últimos meses, no combate aos homicídios.
— É uma das maiores operações contra o crime organizado em relação aos homicídios nos últimos dois anos. É uma operação que mirou desde o escalão mais alto da facção até a base. E tudo isso porque essa facção tem insistido em matar. Quando a facção insiste em cometer um homicídio, será responsabilizada por isso — afirma o diretor do DHPP, delegado Mario Souza.
A ofensiva contou com apoio aéreo da Polícia Civil, além da equipe da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), da Brigada Militar e da Polícia Penal – esta última no cumprimento de mandados e buscas nas unidades prisionais onde estão encarcerados envolvidos com o grupo criminoso.
Além das prisões, duas pistolas, um revólver e pinos de cocaína foram apreendidos. Foram localizadas ainda duas camisetas falsas da Polícia Civil. Os uniformes falsificados eram usados, segundo a polícia, durante o cometimento de crimes.
— Eles usavam essas camisas, que se parecem com a da Polícia. Se apresentavam como policiais para praticar crimes. É uma cópia. Vamos aprofundar as investigações sobre isso — diz o chefe da Polícia Civil.
Morte de motorista
A execução do motorista de aplicativo deu origem à investigação. Ao longo da apuração, nos últimos meses, os policiais identificaram os executores e os mandantes do assassinato. Os investigadores avançaram ainda para apontar quem eram os outros envolvidos com o mesmo grupo criminoso, que domina o tráfico de entorpecentes no Vale do Sinos, e quais as funções desempenhadas por eles dentro da organização criminosa. Entre os alvos da operação, estão lideranças da facção.
— Entre os presos está uma das lideranças do crime organizado do Vale do Sinos. É uma liderança já antiga, que se sabe pelo seu histórico que busca sempre auferir lucro — diz o delegado Rafael Pereira, diretor do DHPP na Região Metropolitana.
Dos envolvidos diretamente na execução do motorista de app, a Polícia Civil conseguiu identificar três mandantes e seis executores. Desses, os apontados como responsáveis por ordenar o crime, e três atiradores foram presos durante as investigações. Outros três executores possuíam mandados de prisão que foram cumpridos na operação desta manhã. Segundo a polícia, a morte do motorista aconteceu em meio às disputas por pontos de tráfico. A polícia mantém em sigilo até o momento o que motivou a execução da vítima, embora tenha confirmado que a morte foi ordenada pelo crime organizado.
— Ficaram restando ainda três executores para serem presos e hoje fomos buscá-los. E não somente os executores, mas todo o grupo criminoso que estava por trás da orquestração desse homicídio. Todos os investigados integram a facção criminosa, tendo envolvimento com o tráfico de drogas, em escala hierarquizada, a depender do grau de confiança dentro da organização criminosa — explica Mariana Lamar Pires Studart, delegada titular da DHPP de São Leopoldo.
Criminoso fala em “guerra do tráfico”
Durante as investigações, a polícia conseguiu obter áudios dos criminosos que seria um dos executores do motorista de app relatando a disputa por pontos de tráfico. Num deles, o investigado se irrita com alguém que está lhe ligando, enquanto ele tenta escapar da polícia após ter se envolvido num confronto para dominar uma área de venda de entorpecentes.
– Quando eu não atender, não fica ligando. (…) Vocês não sabem o que é guerra de tráfico, né? Nós tomamos uma boca agora. A polícia vai incomodar toda hora. É quarta vez que eles vêm agora de noite atrás de nós – diz na gravação obtida pelos investigadores.
Em outro áudio, o mesmo investigado afirma ter assumido novos pontos de tráfico e, em razão disso, não pode deixar o local.
– Não posso sair daqui um segundo, estou armado de noite, com vários ferros (armas) – responde.
A polícia conseguiu ainda obter imagens que mostram o mesmo grupo criminoso ostentando armas, como pistolas e fuzis, e drogas. Um dos objetivos da ofensiva desta segunda-feira durante os mandados é também apreender armamentos e entorpecentes.
Fases anteriores
Em agosto do ano passado, a Polícia Civil já havia desencadeado uma operação com intuito de prender envolvidos no assassinato do motorista de aplicativo e de outro homem, encontrado queimado ao lado de um carro incendiado em Novo Hamburgo. Os dois crimes, segundo o DHPP, teriam sido executados pela mesma facção.
O Departamento de Homicídios descobriu que os casos tinham ligação principalmente a dois investigados. O mandante, que é um apenado considerado um dos líderes da organização criminosa e que está em cadeia gaúcha após voltar de penitenciária federal, e um dos principais fornecedores de armas e drogas para o grupo. Parte do armamento teria sido usada nas execuções.
Em dezembro, novamente a facção foi alvo de outra ofensiva, desta vez relacionada às mortes ocorridas em Novo Hamburgo. Um dos casos investigados é o de um homem de 38 anos, que foi executado a tiros dentro de um carro no bairro Lomba Grande, em agosto passado.
Descapitalização
A próxima fase dessa apuração, segundo a Polícia Civil, será uma investigação de lavagem de dinheiro, com intuito de descapitalizar a organização criminosa. A ação faz parte da série de medidas que vem sendo empregada para combater os homicídios.
— Todas as DHPPs, nas sete cidades, São Leopoldo é uma delas, seguem o protocolo, que inclui revistas em presídios, transferências de presos, grandes operações especiais como a de hoje, investigações de lavagem de dinheiro e operações de saturação de área, como foram realizadas no dia da morte do motorista. Se não recuarem, vamos usar outras medidas, como transferências estaduais e federais. A ideia é que sempre que houve um homicídio isso se torne um grande problema para o crime organizado — afirma Souza.
Onde foram as prisões
- São Leopoldo — 12
- Capão da Canoa — 1
- Charqueadas — 6
- Arroio dos Ratos — 1
- Montenegro — 4
- Osório — 2
- Porto Alegre — 2