O transporte coletivo é um dos locais apontados como de maior risco para casos de importunação sexual. É quando agressores se aproveitam da aglomeração para se aproximar e acessar o corpo da mulher, sem a permissão dela. Não é incomum que a vítima fique sem reação, e não consiga pedir ajuda. Pensando nesse cenário, Rio Grande, no sul do Estado, adotou o aplicativo Ju.li.a, (Juntas Livres do Assédio), pelo qual as mulheres podem notificar casos desse tipo de violência nos ônibus.
Desde a implantação da ferramenta, já foram pelo menos 13 atendimentos, que resultaram em duas prisões em flagrante por importunação sexual. A ferramenta foi lançada no mês de outubro, pela prefeitura, após uma pesquisa apontar que muitas mulheres no município relatavam já ter sido alvo de assédio no transporte público. Duas em cada 10 usuárias do serviço confirmaram ter sido alvo de algum comentário ou atitude de cunho sexual, sendo que mais de 60% dos casos ocorreram nos coletivos.
A implementação da ferramenta veio após a aquisição da bilhetagem eletrônica pela prefeitura em março do ano passado. Ela faz parte também das medidas adotadas para tentar conter a violência no município após onda de crimes no início do ano passado. A partir da bilhetagem eletrônica, foi ofertada a possibilidade de incluir o Ju.li.a. Ao longo de meses, o município buscou se adaptar para colocar a iniciativa em prática.
— Temos uma guarnição da Guarda Municipal, que trabalha diariamente, numa viatura identificada, com o logotipo do projeto. Na nossa central de monitoramento temos um guarda que acompanha o sistema de gestão disso. Se a mulher quiser compartilhar a localização dela, a Guarda recebe em tempo real e vai em deslocamento a esse local — explica o secretário de Mobilidade, Acessibilidade e Segurança de Rio Grande, major Anderson Castro.
Além de atender os casos que são notificados pelo aplicativo, a mesma guarnição também faz o patrulhamento diário pelos locais de maior circulação dos ônibus. A intenção é que a ferramenta seja usada tanto por quem passar por uma situação de assédio, como por quem presenciar algum caso de importunação. Quando a notificação ocorre durante o caso, é possível que o agressor seja preso em flagrante. Foi assim que dois episódios de importunação resultaram em prisões.
Ao todo, até o momento foram feitos 411 registros pelo aplicativo, sendo que 13 resultaram em atendimentos no momentos. Em alguns casos, a prefeitura acredita que a população estava testando se o app realmente funciona. A ideia foi lançada com intuito de que o aplicativo seja usado com foco nos casos de assédio no transporte, no entanto, houve outros pedidos de ajuda por parte das mulheres por meio deles. Alguns dos chamados registrados foram de vítimas de violência doméstica, que tinham medida protetiva contra seus ex-companheiros. Elas solicitaram ajuda por meio do app, e, nessas situações, a Brigada Militar foi acionada.
Facilita identificação do agressor
Delegada regional da Polícia Civil de Rio Grande, Ligia Furlanetto explica que além de provocarem transtornos e indignações nas vítimas, os casos de crimes sexuais dentro do transporte público muitas vezes são de difícil identificação dos abusadores. Antes da implantação do uso do app ela considera que isso era ainda mais complicado.
— A vítima ficava extremamente constrangida de pedir ajuda dentro do ônibus e, quando descia e procurava ajuda para denunciar, não conhecia o abusador, havendo uma grande dificuldade de identificá-lo. O aplicativo Ju.li.a traz a possibilidade de a denúncia ser realizada no momento em que o assédio está sendo cometido e, uma vez a Guarda Municipal sendo acionada, traz a possibilidade de abordagem do ônibus e imediata identificação e condução do abusador. É um alento para as vítimas e auxiliar da investigação — diz a policial.
Caso durante Gre-Nal
Um dos casos que chamou atenção recentemente é um registro de importunação sexual envolvendo o mascote do Inter, durante o Gre-Nal. A repórter Gisele Kumpel, da Rádio Monumental, relatou que o mascote lhe abraçou e deu um beijo no rosto, próximo da boca. Gisele afirmou que, minutos após o ocorrido, entendeu o que havia acontecido e "teve uma crise de choro". O episódio foi registrado na Polícia Civil, que investiga o caso.
O homem que atua como o intérprete do Saci, foi ouvido na Delegacia da Mulher de Porto Alegre nesta semana, acompanhado de advogado. No início da semana, o Inter anunciou que o funcionário, suspeito da importunação sexual contra a repórter, foi afastado de suas atividades até a conclusão da investigação. O clube emitiu comunicado afirmando que tanto o funcionário responsável pelo mascote quanto o próprio clube estão cooperando integralmente com as autoridades.
O aplicativo
O serviço é um aplicativo para celular vinculado ao sistema de bilhetagem Cartão Rio Grande. A ferramenta foi desenvolvida e já é utilizada em Campina Grande, na Paraíba, mas lá é a equipe trânsito que é notificada sobre a ocorrência da importunação. Em Rio Grande esse acionamento é feito diretamente à Guarda Municipal.
Como usar
O aplicativo está disponível sem nenhum custo para a população. Basta baixar o app do Cartão Rio Grande, e, além de outras informações sobre o transporte público, é possível acessar a Ju.li.a. Saiba como usar:
- Dentro do aplicativo “Cartão Rio Grande”, a ferramenta Ju.li.a pode ser acionada indo até a aba “Mais”. O botão aparece na cor lilás. O aplicativo está disponível tanto para Android como para iOS (iPhone).
- Ao acionar a Ju.li.a – que é uma inteligência artificial – ela perguntará à usuária se ela está, naquele instante, em uma situação de emergência, e dará as diretivas para que ela acione a ajuda: o primeiro passo é ativar a localização de onde esteja.
- Caso a mulher opte por não informar a localização, mas quiser comunicar um caso de assédio, as informações são coletadas e repassadas à Guarda Municipal.
- Ao presenciar ou ser vítima de assédio sexual, a usuária do transporte coletivo pode acionar Ju.li.a e enviar a denúncia. Sempre que possível, é importante informar o maior detalhamento possível das características do agressor nas respostas ao que é perguntando.
- A notificação é recebida por uma equipe da Guarda Municipal preparada para atender esse tipo de ocorrência.
O que é importunação sexual
É quando se pratica ato libidinoso ou comete outra prática contra alguém, sem sua permissão, para satisfazer desejo sexual. Pode ser, por exemplo, apalpar, tocar, beijar à força, masturbar-se, entre outros. A pena prevista é de reclusão de um a cinco anos.
Como agir
- Em muitos casos, a vítima não consegue pedir ajuda porque fica paralisada. Por isso, é essencial que quem testemunha esse tipo de crime também saiba como agir.
- Se presenciar uma mulher sendo vítima de importunação sexual no transporte coletivo, numa festa, num estádio, ou em qualquer lugar, intervenha, e acione os órgãos de segurança.
- É possível ligar imediatamente para a Brigada Militar, pelo 190.
- Se ocorrer dentro de ônibus, tente identificar a linha e localização do ônibus.
- Se possível, fotografe o agressor, se for vítima ou testemunhar um caso desses.
- Se o crime já aconteceu, tranquilize a vítima e oriente que ela registre o fato. Neste caso, é possível registrar o fato em qualquer delegacia ou pela Delegacia Online.