As primeiras informações levantadas sobre o cenário que levou à morte de uma bebê de um ano no bairro Restinga, no Extremo-Sul de Porto Alegre, fazem a Polícia Civil concluir que a criança já havia sofrido maus-tratos e agressões. Uma das suspeitas é de que a menina possa ter sido vítima, inclusive, de tortura. O padrasto, que era namorado da mãe, foi preso em flagrante por homicídio e estupro de vulnerável.
No fim da tarde dessa segunda-feira (5), a irmã do padrasto foi até a casa onde a menina estava sob os cuidados do homem de 22 anos. A tia teria encontrado a criança desacordada em frente a um ventilador. A mãe, de 30 anos, que tem outros três filhos, havia saído para trabalhar.
Quando questionado sobre o que aconteceu, o padrasto teria dito que deu uma mamadeira para a menina, e que ela teria se engasgado. A mulher pediu então ajuda a uma vizinha, e as duas levaram a bebê ao Hospital da Restinga.
Na casa de saúde, a equipe médica tentou reanimar a menina, mas ela não resistiu e morreu. Ao perceber que a criança apresentava lesões no rosto, na mandíbula, na têmpora e na clavícula, os funcionários do hospital acionaram a Brigada Militar. Durante o atendimento, foi constatado que a bebê apresentava também dilacerações nas partes íntimas, que levaram à suspeita de estupro.
No hospital, os policiais militares encontraram o padrasto e a mãe da bebê. O homem foi preso em flagrante, por suspeita de ter sido o autor do crime. De maneira informal, ele teria admitido aos policiais militares que agrediu a menina, mas negado a violência sexual.
Investigação
Na manhã desta terça-feira (6), em coletiva à imprensa, a Secretaria da Segurança Pública, a Polícia Civil e a Brigada Militar detalharam o caso e descreveram os próximos passos da investigação.
O fato inicialmente foi atendido pela equipe da volante do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Mas, em razão de a vítima ser criança, foi repassado para o Departamento de Proteção dos Grupos Vulneráveis (DPGV).
— A investigação já está bem elucidada, mas tem que esclarecer outros elementos, como aconteceu esse fato, se já tinha acontecido outros. Temos informação de que já havia informações de essa criança ter sofrido violência, caído de uma cama e se machucado em dias anteriores. Tem uma série de situações que estão sendo apuradas e são importantes para o desfecho do inquérito, inclusive para a tipificação penal — afirmou o chefe da Polícia Civil, delegado Fernando Sodré.
Até o momento, a polícia não obteve nenhuma informação de que a criança tenha recebido atendimento médico anteriormente. Segundo o diretor do DPGV, delegado Christian Nedel, a mãe foi questionada sobre o motivo de não ter buscado socorro para a filha após a suposta queda da cama, que teria acontecido no sábado (3):
— Num primeiro momento, quando foi questionada sobre o fato, ela partiu para a proteção do seu companheiro. Com muito custo conseguimos a informação de que a criança tinha caído. Questionamos por que não levou no hospital. Ela respondeu que não havia sequela evidente. Tentou proteger ao máximo qualquer tipo de participação dele.
O suspeito do crime foi preso em flagrante por homicídio duplamente qualificado, por motivo torpe e por ter sido praticado contra criança, além do estupro de vulnerável. Ele possui antecedentes por lesão corporal, ameaça e vias de fato. Ainda sobre os crimes investigados, o diretor do DPGV ressaltou que a polícia apura a possibilidade que a menina tenha sido vítima também de tortura.
— Ficou claro no deslinde inicial dessa investigação que essa criança vinha sendo submetida a maus-tratos, negligência, espancamentos e torturas. E também, evidentemente que isso vai ser analisado no curso da investigação criminal, a mãe dessa menina neste momento está na condição de testemunha. Mas, teremos que identificar, se a sua negligência, se a sua desídia (comportamento negligente), se a sua omissão, não tiveram contribuição a esse trágico desfecho — disse o delegado.
Há outros pontos que ainda precisam ser esclarecidos sobre o crime. Entre eles, se o padrasto já havia ficado sozinho com a criança em outras oportunidades. O suspeito era namorado da mãe da criança havia cerca de seis meses. Segundo o delegado, a conduta da mãe em relação ao comportamento dele com a menina será apurada.
— Essa conivência pode dar ensejo a responsabilidade criminal. Isso que precisamos identificar no curso da investigação. Essa mãe de 30 anos, que não estava no local do fato no momento em que teria acontecido essas sevícias (ações de crueldade ou torturas que podem levar alguém à morte), também vai ser alvo de investigação. Nós sabemos que é muito difícil que uma mãe pode ter participação num crime horrendo como esse, mas são detalhes e circunstâncias que são inevitáveis para serem trabalhadas — afirmou Christian Nedel.
Irmãos
Além da menina de pouco mais de um ano, a mulher também é mãe de outros três filhos, de 11, seis e quatro anos. As crianças, segundo a Polícia Civil, serão encaminhadas para perícia psíquica e psiquiátrica. O suspeito do crime é pai de um menina de três anos que também passará por avaliação psicológica.
— Podemos vislumbrar dentro de todo esse contexto outros crimes praticados contra essas crianças — explicou o delegado Nedel.
O nome do preso não é divulgado para proteger as identidades da filha e demais enteados.
A análise do Instituto-Geral de Perícias (IGP) deve apontar a causa da morte da criança. Até a manhã desta terça-feira, a polícia ainda não havia localizado o pai da menina.
Contraponto
Na Polícia Civil, o suspeito do crime optou por permanecer em silêncio. GZH tenta contato com a defesa do investigado.