Havia dois meses que Nara Denise dos Santos, 61 anos, e o companheiro Marcos do Nascimento Falavigna, 37, tinham se mudado para uma casa verde no bairro Sulbrasileiro, em Osório, no Litoral Norte. Pela vizinhança, eram considerados moradores discretos, que pouco eram vistos.
Foi no interior da residência que, no último sábado (6), policiais encontraram o corpo da mulher, depositado dentro de uma geladeira deitada, coberta de concreto.
Foi o próprio companheiro quem procurou a polícia, segundo a Brigada Militar, e relatou que a mulher estava morta dentro de casa. Quando os policiais localizaram a vítima na geladeira, Marcos teria admitido informalmente o crime e alegado que estava "possuído por uma entidade maligna" quando cometeu o assassinato.
Havia imagens religiosas espalhadas pela moradia. Papelotes de cocaína foram encontrados dentro de uma churrasqueira. O homem foi preso e levado à Delegacia de Polícia, onde preferiu ficar em silêncio.
Segundo a polícia, a causa da morte da vítima ainda deverá ser identificada pela necropsia. Após matar Nara, o homem teria tentando esquartejá-la, mas não conseguiu. Ele ainda teria ateado fogo dentro da geladeira, deixando o interior da casa coberto de fuligem.
A suspeita é de que ele tenha tentando se desfazer do corpo da vítima, com intuito de ocultar o crime. O caso é investigado como feminicídio, quando a mulher é morta em contexto de gênero, e ocultação de cadáver.
Vizinhança
Na Rua Pinheiro Machado, os moradores seguem horrorizados após a descoberta do crime. Em frente à casa, que está fechada, as fitas de isolamento ainda estão caídas no pátio. O imóvel havia sido alugado pelo casal cerca de dois meses antes. Em razão de um tratamento de saúde, Nara costumava sair pouco da moradia.
— Quase nunca via, nem ele e nem ela. Eram muito discretos — diz um dos vizinhos.
No sábado, os vizinhos despertaram com a movimentação da polícia no local, e a notícia logo se espalhou. Nara era bastante conhecida no município do Litoral Norte, pois já havia trabalhado na Câmara de Vereadores, na prefeitura e em outros locais em cargos de confiança. No último pleito municipal, concorreu à vereadora pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Ainda no sábado, no fim da tarde, ela teve o corpo sepultado no Cemitério Nossa Senhora da Conceição. Sobre o túmulo, foram depositadas homenagens de amigos, familiares e companheiros de partido.
— A Nara Denise era conhecidíssima aqui em Osório. Muito engraçada, divertida. Um coração bom, ajudava todo mundo — descreve Camila Knack, que atua na Câmara de Vereadores.
Na segunda-feira (8), novamente a rua teve movimentação de polícia e perícia. Um familiar de Nara havia ido até o local limpar o imóvel para devolver ao proprietário, e deparou com o pé da vítima dentro da casa, enrolado numa lona. A cena deixou os familiares de Nara horrorizados e indignados. Em nota o IGP informou que "está abrindo procedimento para investigar se houve erro técnico no atendimento da ocorrência".
— Uma brutalidade dessas tão perto da gente. Chocou todo mundo, ela era de uma família muito conhecida. A gente ensina os filhos a respeitar as mulheres e aí depara com algo assim do nosso lado — diz outra vizinha, que reside na mesma rua.
Motivação
Aos policiais, Marcos alegou que estava possuído quando cometeu o crime. A polícia ainda averigua qual a real causa do crime.
O casal estava junto havia cerca de seis anos. Quando Nara conheceu Marcos, ainda em Imbé, município de onde ele é natural, ele fazia animações em eventos, como mágico. Depois disso, teve algumas outras atividades, mas era ela, já aposentada, quem sustentava a casa atualmente.
— Ela acreditava muito no amor, que as pessoas podem mudar. Mas muitas vezes presenciei ele mandando ela calar a boca. Ela só dizia “que isso, amor?”. Ela disfarçava na frente da gente — conta uma amiga de Nara.
Com o tempo, o homem teria passado a se envolver com drogas, e a pegar dinheiro de Nara. Os dois residiam próximos de familiares dela, mas se mudaram para a casa alugada recentemente. Na semana passada, uma amiga chegou a receber uma mensagem no WhatsApp pelo telefone de Nara. Também foi feito um post no Facebook, com a localização de Capão Novo. A hipótese, no entanto, é de que o autor estivesse usando o telefone e as redes da vítima para não levantar suspeitas. Somente a perícia deve indicar há quantos dias a mulher já estava morta.
— Estão impactados com tamanha crueldade, brutalidade. Nosso chão desabou quando soubemos o que aquele monstro fez com ela. Estamos até agora sem acreditar no que aconteceu — diz outra amiga.
A alegação do investigado de que estava possuído durante o crime levou, inclusive, um babalorixá a se manifestar por meio de um vídeo publicado nas redes sociais. Pai Éder de Lodê relatou que Marcos havia sido seu filho de santo, mas não frequentava sua casa religiosa havia pouco mais de um ano. Sobre as imagens encontradas na casa onde aconteceu o crime, alegou que o homem estava tentando fazer pinturas, reproduzindo as figuras.
— Estamos todos aterrorizados. Não esperávamos uma atitude assim, ainda mais de uma pessoa que frequentava nossa casa. Ele foi meu filho nove anos, e nunca apresentou um gesto de agressividade com ninguém. A gente não sabe o que deu na cabeça dele para fazer isso — disse.
Investigação
A polícia deve concluir a investigação até o início da próxima semana, em razão do prazo de 10 dias por conta da prisão do investigado. Após o flagrante, foi decretada a prisão preventiva. Segundo a Polícia Civil, não havia nenhum registro anterior de Nara contra o companheiro. Marcos não tinha nenhuma ocorrência envolvendo violência doméstica até o momento.
A perícia deverá indicar a forma como a vítima foi assassinada. Segundo a polícia, a principal hipótese é de que o companheiro de Nara tenha cometido o crime sozinho.
Sobre o caso, a Polícia Civil destacou que o o esclarecimento da autoria e motivação se deu “em razão da rápida e eficiente ação integrada entre a Polícia Civil, por meio da delegacia de Osório, e policiais militares do CRPO/LITORAL”. Segundo a polícia, diligências preliminares foram realizadas, perícias requisitadas, oitivas de testemunhas, coleta de todos os elementos possíveis para esclarecer a autoria, que resultou na prisão em flagrante do homem, com homologação pelo judiciário e conversão em prisão preventiva.
Contraponto
À Polícia Civil, Marcos do Nascimento Falavigna optou por permanecer em silêncio. A Polícia Civil informou que até o momento não houve apresentação de defesa por parte do investigado. GZH busca contato com a defesa.
Como pedir ajuda
Brigada Militar – 190
- Se a violência estiver acontecendo, a vítima ou qualquer outra pessoa deve ligar imediatamente para o 190. O atendimento é 24 horas em todo o Estado.
Polícia Civil
- Se a violência já aconteceu, a vítima deverá ir, preferencialmente à Delegacia da Mulher, onde houver, ou a qualquer Delegacia de Polícia para fazer o boletim de ocorrência e solicitar as medidas protetivas.
- Em Porto Alegre, a Delegacia da Mulher na Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia, no bairro Azenha. Os telefones são (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências).
- As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há DPs especializadas no Estado. Confira a lista neste link.
Delegacia Online
- É possível registrar o fato pela Delegacia Online, sem ter que ir até a delegacia, o que também facilita a solicitação de medidas protetivas de urgência.
Central de Atendimento à Mulher 24 Horas – Disque 180
- Recebe denúncias ou relatos de violência contra a mulher, reclamações sobre os serviços de rede, orienta sobre direitos e acerca dos locais onde a vítima pode receber atendimento. A denúncia será investigada e a vítima receberá atendimento necessário, inclusive medidas protetivas, se for o caso. A denúncia pode ser anônima. A Central funciona diariamente, 24 horas, e pode ser acionada de qualquer lugar do Brasil.
Defensoria Pública – Disque 0800-644-5556
- Para orientação quanto aos seus direitos e deveres, a vítima poderá procurar a Defensoria Pública, na sua cidade ou, se for o caso, consultar advogado(a).
Centros de Referência de Atendimento à Mulher
- Espaços de acolhimento/atendimento psicológico e social, orientação e encaminhamento jurídico à mulher em situação de violência.