Nova metodologia de segurança aplicada em penitenciárias, a inexistência de tomadas de energia elétrica nas celas tem como motivação a eliminação de pontos de carregamento para telefones. A intenção é criar barreira tecnológica para a utilização de aparelhos de comunicação dentro das unidades prisionais, diante da percepção das autoridades de que crimes são comandados por lideranças de organizações de dentro das cadeias.
A medida, posta em prática pela primeira vez na Penitenciária Estadual de Charqueadas (PEC) II, tem inspirado diferentes pontos de vista. Leia as opiniões a seguir.
Prós e contras das celas sem tomada
Restrição a uso de celulares
A medida é compreendida como fundamental para o enfrentamento a crimes comandados por líderes que mantêm poder de decisão mesmo atrás das grades.
— Celulares em mãos de apenados são o grande fator na organização de crimes graves. São homicídios, ações do tráfico e uma enorme variedade de golpes que atingem a sociedade por decorrência da comunicação entre criminosos — define a coordenadora do Centro de Apoio Operacional Criminal e de Acolhimento às Vítimas, promotora de Justiça Alessandra Moura.
— Tem de haver controle contra o ordenamento de crimes de dentro das penitenciárias e entendemos que a esta medida está orientada pelo objetivo de dificultar o acesso à comunicação entre integrantes de organizações criminosas — aponta a defensora pública Cintia Luzzatto, dirigente do Núcleo de Defesa em Execução Penal da DPE.
Controle da temperatura
A principal fonte de questionamentos, com a nova medida, tem relação com a impossibilidade do uso de ventiladores, sob a alegação de que os espaços seriam quentes. As celas abrigam oito detentos e têm janela, porta e teto de grades de metal, com passagens de ar.
— O dia da nossa visita à PEC II (4 de dezembro) não era um dia muito quente. Mesmo assim, era possível perceber o calor no local. É importante pensarmos que estas pessoas passarão de 22 a 23 horas por dia naqueles espaços, sobretudo enquanto as atividades de trabalho e estudo não estiverem disponíveis — analisou a defensora pública Cintia Luzzatto, em entrevista após a inspeção.
Ela ainda afirmou que a área técnica da instituição realizará medições de temperatura para emitir posicionamento baseado em evidências. O Ministério Público também projeta aferir temperaturas nas dependências.
— Solicitei ao grupo de assessoramento técnico, que conta com profissionais da área da engenharia, que avaliem a questão da temperatura interna e, a partir disso, teremos resultado pericial técnico. As medições devem ser feitas em dias com diferentes condições de clima e em diferentes horários, nos três turnos do dia, para que tenhamos retrato fiel da situação — explicou a titular da Promotoria de Execução Criminal, promotora Gislaine Rossi Luckmann.
Acompanhamento
Nos primeiros dias a partir do início da ocupação das novas instalações, o sistema passou a ser questionado. Instituições de Estado realizaram vistoria conjunta. A inexistência de tomadas estava entre os objetos das dúvidas, além de questões relacionadas à higiene, alimentação e separação de integrantes de facções. GZH apurou que mais de 200 relatos chegaram às autoridades.
Juiz-corregedor do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) e coordenador do Grupo de Fiscalização e Monitoramento do Sistema Prisional na Corte, Antônio Carlos Tavares, assegura que as reclamações sobre a temperatura, bem como outras dúvidas, estão sendo permanentemente monitoradas pelo Poder Judiciário.
A promotora de Justiça Gislaine Rossi Luckmann, por sua vez, aponta que visitas às penitenciárias são realizadas mensalmente. Na PEC II, onde a nova modalidade está sendo aplicada, aferição de temperatura será uma das práticas nas inspeções do MP.
Já a defensora pública Cintia Luzzatto comenta que a nova política, de não oferecer tomadas nas celas, adotada também em outras Estados, é motivo de preocupação das Defensorias Públicas.
Especialistas têm diferentes visões
Charles Kieling, pesquisador e professor em Ciências Sociais, entende que evitar o carregamento de baterias nos dormitórios de penitenciárias é fundamental. Kieling define como estratégia de "segurança tecnológica". Para ele, o conceito transfere visão clara de Estado aos apenados.
— O Estado está dizendo que não vai permitir e nem oferecerá recursos para que as pessoas privadas de liberdade para o cumprimento de penas voltem a cometer crimes. A comunicação não vai terminar, mas o Estado conseguirá mitigar o problema — analisa o pesquisador.
Já a professora Letícia Maria Schabbach, doutora em Sociologia e integrante do Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), acredita que a retirada de pontos de eletricidade não será suficiente para solucionar o problema da comunicação irregular.
— Será que foi ponderado que celulares podem ser levados até estes presos considerados líderes e que possuem influência pelo poder econômico? Acharam realmente que tirar tomadas das cadeias é a solução contra o crime organizado? — cita Letícia.
Delegados aprovam
Diretora do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), a delegada Vanessa Pitrez considera a medida acertada.
— Em praticamente todos os delitos praticados pela criminalidade organizada, as investigações apontam para lideranças comandando as ações e dando ordens de dentro das cadeias com uso de aparelhos celulares. A ausência de tomadas nas celas me parece a única medida eficaz contra o uso dos celulares — comenta a delegada.
Para o diretor do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), delegado Mario Souza, ao reduzir o acesso a recursos de comunicação, o Estado estará prestando apoio ao enfrentamento dos homicídios relacionados ao crime organizado.
— Nossas investigações demonstram que muitos homicídios são ordenados de dentro das prisões. O poder público acerta ao quebrar a fluência do comando de crimes por este tipo de comunicação. A medida terá reflexos positivos — pontua o delegado.