Um dos casos de maior repercussão em Porto Alegre nos últimos anos teve desfecho nesta terça-feira (12). No fim da tarde, Dionatha Bitencourt Vidaletti foi condenado pelo assassinato de três pessoas da mesma família, em janeiro de 2020, no bairro Lami. A mãe dele foi condenada por disparo de arma de fogo. O destino dos dois foi definido pelo Conselho de Sentença, formado por sete mulheres, após dois dias de sessão no Foro Central.
Dionatha foi condenado a 35 anos e quatro meses de reclusão pelos três homicídios e pelo porte de arma. As três qualificadoras foram aceitas pelos jurados — motivo fútil, perigo comum, recurso que dificultou a defesa das vítimas. Dionatha já estava detido preventivamente na Penitenciária Estadual de Canoas desde 29 de janeiro de 2020, totalizando três anos, 10 meses e 19 dias. Assim, resta cumprir a pena de 31 anos, cinco meses e 11 dias de reclusão — contando o período de progressão de regime, como para o semiaberto. O regime inicial aplicado é o fechado, sem direito a apelar em liberdade.
Neuza Regina Bitencourt Vidaletti, mãe de Dionatha, foi sentenciada a dois anos de reclusão pelo disparo de arma de fogo, substituída por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária.
Para calcular a pena pelos homicídios, a juíza Anna Alice Schuh aplicou o entendimento de crime continuado, benefício previsto em lei nos casos em que crimes de mesma natureza ocorrem em circunstâncias semelhantes de tempo, lugar e maneira de execução, autorizando que sejam considerados como conduta única, apenas com majoração da pena do caso mais grave.
— A gente sabia que era um crime absurdo, por um motivo muito estúpido, muito banal. Os jurados reconheceram essa situação, afastaram a tese da defesa, de violenta emoção, e acolheram na íntegra o que a gente mostrou como promotores. Entendo que a gente fez justiça — afirmou a promotora Lúcia Helena Callegari.
O promotor Julio Melo avaliou que a "missão foi cumprida":
— A gente sabe que essa decisão não traz as vidas de volta, mas serve de alento, especialmente a familiares e amigos das vítimas, que agora têm essa resposta: a sociedade de Porto Alegre não compactua com esses atos. Que também sirva de alerta que situações como essa, uma discussão banal, não pode ser resolvida dessa maneira.
Apesar da condenação, o Ministério Público do Estado (MP) afirmou que irá recorrer da sentença, pedindo aumento de pena.
— Sempre entendo que quando a gente não soma as penas dos homicídio de vítimas diversas, em circunstâncias como essas, a gente está rifando vidas. Temos três pessoas que foram mortas e não se considera isso, mas sim uma construção aumentando a pena de um dos assassinatos. Não consigo aprovar esse tipo de entendimento — diz Lúcia Helena.
A promotora também acredita que a sentença não levou em conta o fato de que as juradas afastaram a tese, trazida pela defesa, de violenta emoção, que pressupõe provocação da vítima e pode levar a diminuição da pena.
— Quando a juíza valora algo do comportamento da vítima Rafael, no sentido de reduzir a pena do réu, entendo que não considerou, de certa forma, a decisão dos jurados, que afastou qualquer circunstância que envolvesse a conduta da vítima. Isso será pontuado em recurso — explica a promotora.
Ao fim do júri, o advogado Cristiano Rosa disse que é prematuro afirmar se vai ou não recorrer.
— A defesa está contente com o trabalho e também sabe que respeita plenamente a decisão do Conselho de Sentença, que é soberano — afirmou Rosa.
Os três homicídios
O crime aconteceu em janeiro de 2020. Naquela tarde, a família voltava de uma comemoração de aniversário em seu veículo, pela Estrada Armando Inácio da Silveira, no bairro Lami, extremo sul de Porto Alegre.
Durante o trajeto, o Aircross no qual estavam as vítimas colidiu com a Ecosport de Dionatha, que estava parada no acostamento. O motorista, Rafael Zanetti Silva, não parou para prestar contas sobre o acidente, o que teria deixado o réu inconformado. Ele, então, passou a perseguir a família, acompanhado por Neuza.
Dionatha alcançou a família, que estacionou e desceu do veículo. Na discussão, a violência escalou e o réu atirou contra Rafael, sua esposa Fabiana da Silveira Innocente Silva, e o primogênito do casal, Gabriel, que morreram. As vítimas tinham 45, 44 e 20 anos, respectivamente, à época dos fatos.
A cena foi presenciada pelo filho caçula do casal, à época com oito anos, e pela namorada de Gabriel, que permaneceram no carro.
O julgamento
O júri de mãe e filho começou na segunda-feira de manhã. No primeiro dia do rito, foram ouvidas testemunhas de acusação, como o delegado Rodrigo Pohlmann Garcia, que conduziu a investigação na época, além de uma vizinha do local do crime e um segurança que teria assistido o fato.
Em um dos momentos mais marcantes do júri, foi ouvida a namorada de Gabriel, sobrevivente do caso. Ela trouxe detalhes daquele dia, em um relato repleto de pausas e emoção. Disse que viu o momento em que o trio foi baleado.
— Só vi eles caindo em sequência, enfileirados. O Rafa, a Fabi e o Gabriel, não lembro quem caiu primeiro. Logo que deu os tiros, eu entrei em pânico e saí do carro por um segundo e voltei — diz ela, que afirmou ter ficado com medo de também ser baleada.
Ela lembra que o filho caçula do casal morto estava ao seu lado no veículo:
— Ficou em choque, dentro do carro, apavorado. Não falou nada, mas viu tudo. Quando (os réus) entraram no carro e foram embora, eu desci e ele veio atrás de mim. Ele foi para perto dos pais, que já estavam mortos, ficou abaixado junto aos corpos. Eu fui até o Gabriel, que estava vivo, mas não conseguia dizer nada.
Em seguida, os réus foram interrogados. Os dois confessaram que Dionatha atirou contra a família, mas alegaram que os disparos foram dados em legítima defesa, para proteger Neuza. A mãe também admite o tiro de advertência.
Nesta terça-feira, ocorreram os debates entre Ministério Público e a defesa. Depois, o Conselho de Sentença se reuniu e definiu o resultado do julgamento.