O interrogatório de Neuza Regina Bitencourt Vidaletti foi o último ato da sessão desta segunda-feira (11) do júri que trata da morte de uma família após uma briga de trânsito no bairro Lami, em Porto Alegre. O crime aconteceu em janeiro de 2020, quando o filho dela, Dionatha Bitencourt Vidaletti, disparou e matou três pessoas. A mulher também é ré na ação, por disparo de arma de fogo.
As vítimas foram Rafael Zanetti Silva, sua esposa, Fabiana da Silveira Innocente Silva, e o primogênito do casal, Gabriel. Eles tinham 45, 44 e 20 anos, respectivamente. A discussão aconteceu porque Rafael colidiu o carro na Ecosport dos réus e não parou para prestar contas. Mãe e filho passaram a seguir a família de carro.
Durante o júri, Neuza falou logo após o filho. Os dois afirmam que o filho agiu em legítima defesa, para proteger a mãe.
Segundo a ré, depois que o carro das vítimas bateu no veículo de Dionatha, que estava estacionado, os dois passaram a seguir a família. Segundo ela, a intenção era resolver o conserto:
— A gente chegou lá para conversar, tentar um diálogo. Se não, por que ele já não desceu com a arma na mão? Mas quando saímos do carro, pareceu que éramos os errados. Nunca fui tão xingada na minha vida. De repente vi ele (Dionatha) no chão, e os dois chutando ele. Aí peguei a arma no carro e dei um disparo de advertência. Nisso, ele conseguiu se levantar e correu, veio pegar a arma de mim.
Ela alega que, em determinado momento, o filho teria pedido para que chamasse a polícia. O homem também teria dito para irem embora.
— Ele não tinha intenção de atirar, disse para irmos embora. Daí eu só lembro de ter sentido uma dor na cabeça e de ter dito: "Ai". A partir disso não lembro de mais nada. Depois só ouvi um estampido e vi ele do meu lado. Ele disse: "Mãe, eu acho que matei os três". Eu falei que ele não tinha feito aquilo, mas ele seguiu dizendo que sim. Então eu pedi para só me tirar dali. Não conseguia raciocinar, aquilo não era verdade. Não é a índole dele fazer isso, eu criei meus filhos como eu fui criada, com educação e respeito — disse.
Ela diz que o filho ficou com machucados em razão das supostas agressões, e que reclamou de dores nas costelas por alguns dias.
— Eu falei para ele aguentar, porque não podia levar no hospital. Para ele aguentar a dor até que eu achasse um advogado para ele poder se apresentar (na delegacia) — relata.
Neuza afirma que, logo após a colisão, antes da discussão que terminou com as mortes, embarcou no carro do filho para que ele não fosse atrás da família sozinho:
— Eu fui para cuidar do meu filho. Disse para ele não ir, porque quem não para depois de uma batida não é boa gente. Foi tudo muito rápido. Às vezes me arrependo de ter ido junto, porque se eles não tivessem tocado a mão em mim, nada disso teria acontecido.
Ela também contestou a fala de testemunhas que estiveram no local de crime:
— Ninguém está dizendo que ele não matou, mas por que ninguém fala o que viu lá? Ele mesmo pediu para chamar a polícia, mas eu não consegui. Os fatos aconteceram sim, mas ele não é um monstro.
Diferença é que "meu filho está vivo", diz ré
Em sua fala, Neuza contou que, após o episódio, a família se desestruturou e passou a sofrer ameaças.
Disse que o fato desencadeou problemas de saúde, como mieloma múltiplo, câncer que trata com quimioterapia uma vez por semana. Também alega que toma morfina para lidar com as dores causadas. Precisou parar de trabalhar e não conseguiu retomar as atividades.
— Isso tudo apareceu depois, eu não tinha nada tinha nada antes. Mas a dor emocional é maior do que a física. Até hoje não consigo acreditar no que aconteceu. A única diferença é que meu filho está vivo. A minha família ficou destruída. Nós éramos muito unidos, ou saíamos os quatro ou ninguém saía. Ele (o filho) sempre cuidou de mim, da irmã dele. O nosso sofrimento é imenso.
Ela conta que visita o filho com frequência, e que as primeiras vezes foram "muito difíceis":
— Ele já me pediu desculpas muitas vezes. Nas primeiras visitas na na cadeia, ele se jogava aos meus pés, pedia perdão. Foi horrível. Comentava que o menininho (filho do casal morto) viu tudo, que queria pedir perdão a ele quando saísse dali.
Neuza disse ainda que a arma foi comprada pelo marido em razão de assaltos que sofriam no comércio da família. Alegou que fez cursos para aprender a manusear a arma em clubes de tiro.