Após um ano da morte trágica da criança sorridente e amorosa aos nove anos, o pedreiro Edison de Souza Lopes, 36, esforça-se para evitar o pensamento de que Fernando dos Santos Lopes irá cruzar a porta e voltar ao convívio da família. O menino foi morto por uma bala perdida que teria como alvo criminosos que trocavam tiros em via pública, na tarde de 16 de outubro do ano passado. A investigação permanece pendente de conclusões.
— Só o fato de perder um filho já é muito difícil. Mas a forma como aconteceu torna ainda mais complicado. Passam dias, meses, e nada muda. Mãe, irmão, tios, avós, todos ainda estão sofrendo. Não tem como não perceber que a vida de todos mudou depois que isso aconteceu pra gente — descreve o pai, contendo a emoção, durante a entrevista.
Edison lembra que Fernando nasceu prematuro, era frágil e inspirava mais cuidados e atenção entre os familiares. O carinho dirigido a ele fez crescer uma criança doce e vibrante de alegria. Fernando era carinhoso e amado por todos.
— Já faz um ano, mas parece que foi ontem. Às vezes o sentimento de saudade faz a gente acreditar que ele está aqui com a gente, que vai atravessar a porta pedindo uma coisinha para comer, uma água depois de jogar bola com o mano dele — desabafa.
O pedreiro afirma que a família mantém esperança no esclarecimento dos fatos pelas autoridades e espera o momento de ingressar em uma audiência para o julgamento dos homens que lhes trouxeram tamanho sofrimento.
— Nosso outro filho não aceita o que aconteceu. A gente que é mais vivido custa a acreditar. Mas ele também era uma criança, que agora está mudando, virando adolescente. Aquele companheiro, que estava sempre ao lado dele não está mais aqui. Ele sente que não tem com quem compartilhar as mudanças que está vivendo. Se fechou em um sentimento de revolta — lamenta.
O que diz a Polícia Civil
A Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DPHPP) de Novo Hamburgo trata o caso como uma de suas prioridades. Conforme a delegada Marcela Ehler, as apurações estão em pleno andamento e desdobramentos estão vinculados ao retorno de análises solicitadas ao Instituto-Geral de Perícias.
— Aguardamos o retorno de algumas perícias, bem como análise de dados. Asseguro que a investigação está acontecendo, mas a produção dessas provas técnicas é realmente lenta e não depende apenas da Polícia Civil — pondera a delegada.
Marcela Ehler afirma não poder revelar detalhes sobre a composição de provas, a fim de evitar que os próprios investigados atuem para dificultar a investigação. A delegada assumiu o caso durante seu andamento no começo deste ano.
Dois dias depois do crime, um ocupante de um dos veículos envolvidos no tiroteio foi preso e interrogado. Pouco contribuiu para a apuração. O carro utilizado por um dos grupos foi incinerado, periciado e identificado como objeto de roubo anterior ao ataque.
A linha fundamental das investigações aponta para a disputa entre organizações criminosas, porém, até o momento, não ocorreram mais prisões.
Informações em apoio às investigações podem ser prestadas à polícia pelo telefone 0800-642-0121.
Escola em luto
A morte do menino causou grande comoção entre a comunidade e levou dezenas de pessoas aos atos de despedida e solidariedade à família. A Secretaria Municipal de Educação de São Leopoldo, cidade onde o menino cursava o primeiro ciclo do Ensino Fundamental emitiu nota, manifestando "profundo pesar" pelo trágico falecimento de um de seus estudantes.
Nascido em 8 de novembro de 2012, o menino estudava no 4º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Edgard Coelho, e foi descrito pelos professores como uma criança alegre, cativante e amorosa com sua família. Muitos destes educadores compareceram ao velório ocorrido na sede de uma comunidade religiosa no mesmo bairro.
Relembre o caso
Era um domingo, dia 16 de outubro. Por volta das 17h30min, o automóvel onde estava o menino foi colocado no caminho de uma perseguição entre dois carros, supostamente tripulados por integrantes de grupos criminosos.
A ação, parcialmente registrada em imagens de videomonitoramento, exibe a movimentação de um Chevrolet Prisma, de onde, segundo a Polícia Civil, ocupantes atiravam contra os tripulantes de um Peugeot Sedan.
Os carros trafegavam em alta velocidade pela Rua Valparaiso, no bairro Santo Afonso, quando o veículo no qual Fernando era conduzido de volta para casa, em São Leopoldo, entra na linha de tiro dos bandidos.
Em meio à agitação provocada pelo tiroteio, é possível observar quando a perseguição é percebida por pedestres. Há correria na rua. Pessoas, desorientadas, buscam abrigo, entre elas há uma mulher conduzindo apressada um carrinho de bebê.
O Gol dirigido pelo tio do menino aparece na cena logo após o Peugeot perseguido passar diante do enquadramento de uma câmera. O Gol parece reduzir a velocidade e aparenta inclinar sua trajetória em direção à guia da calçada. Logo após, o Prisma cruza o quadro, também em alta velocidade.
Tiro cruza para-brisa
Tragédia. Fernando estava ferido com um tiro na cabeça. Um dos disparos efetuados pelos criminosos havia atravessado o para-brisa traseiro do Gol, atingindo a nuca do menino. O tio do garoto não se feriu.
Iniciou-se a tentativa de socorro. O garoto foi levado às pressas para o Hospital Municipal de Novo Hamburgo (HMNH) e transferido posteriormente ao Hospital de Pronto Socorro (HPS) de Porto Alegre, onde passou por procedimentos.
Sua morte foi confirmada por volta das 11h da manhã seguinte pela instituição de saúde da Capital.