As investigações que têm sido empreendidas pela Polícia Civil desde a segunda-feira (2) – quando uma clínica geriátrica clandestina foi interditada em Taquara em função da suspeita de maus-tratos a idosos e das condições insalubres das instalações – revelaram que os gestores do local mantinham retidos os documentos e os cartões de benefícios previdenciários dos dez internos resgatados.
Em depoimentos à polícia, os idosos contaram que eram impedidos de sair, mantidos sem cuidados de higiene e saúde, muitas vezes deixados sem refeições e até sem água limpa para beber.
— Há um padrão claramente estabelecido. Todos os idosos mantidos naquele lugar são pessoas solitárias, sem nenhum familiar vivo ou distanciados das famílias que tiveram. E todos possuem algum benefício previdenciário, o qual seria tomado pelos gestores da casa de forma irregular — explica o delegado Valeriano Garcia Neto.
Conforme o delegado, a descoberta que propiciou o resgate para o acolhimento de seis homens e quatro mulheres, com idades até 80 anos, ocorreu por uma denúncia anônima e contou com o respaldo de operação vinculada ao Ministério da Justiça, denominada Virtude. A ação desencadeada na segunda teve o suporte de setores municipais de Assistência Social e Vigilância Sanitária.
— O cenário que encontramos era semelhante ao dos registros históricos dos campos de concentração nazistas. Algo desumano. Idosos em condição de abandono, desidratados e desnutridos. Alguns tão fracos que não podiam mais sair da cama. Vivendo sem cuidados e sem supervisão profissional. Dividindo espaço com galinhas, porcos e cães — conta o delegado Valeriano Garcia Neto.
Nesta quinta-feira (5), em passagem pelo local, o que se via ainda era um ambiente em péssimas condições de instalação e conservação, com precariedade de acomodações e ausência de estruturas de lazer. O mau cheiro, de falta de limpeza e acúmulo de dejetos humanos, ainda exalava pelas aberturas do imóvel situado na localidade de Santa Cruz da Concórdia, zona rural de Taquara, no Vale do Paranhana.
— Não havia nenhum profissional atendendo os pacientes, que em nosso entendimento eram vítimas de cárcere privado. O trabalho de limpeza, os cuidados pessoais, a confecção de refeições, quando havia refeições, era feito por uma mulher de 42 anos, que afirmou em seu depoimento que não era remunerada, sendo impedida de sair e tendo sofrido ameaças e abusos, inclusive sexuais — aponta o delegado.
Garcia Neto diz acreditar que a mulher era submetida a condições análogas às de escravidão. Ela também foi resgatada e encaminhada para amparo pelo serviço público do município. Os supostos empresários que seriam gestores do lugar estão sendo procurados pela Polícia. São pai e filho, cujas identidades não foram divulgadas pelas autoridades.
O delegado comenta que solicitou a prisão preventiva dos dois suspeitos, mas relata que o Poder Judiciário negou, nesta quarta-feira (4), o provimento aos pedidos da Polícia Civil.
— Reiteramos o pedido nesta quinta, reforçando o entendimento de estamos diante de fatos gravíssimos. Desta vez com o apoio do Ministério Público, voltamos a solicitar e aguardamos por uma resposta — argumenta Garcia Neto.
Procurado pela reportagem, o Tribunal de Justiça do Estado informou que o pedido inicial de prisão preventiva foi negado porque "não estavam presentes todos os requisitos legais para a decretação das prisões solicitadas. No entanto, foram estabelecidas medidas cautelares diversas da prisão que deverão ser cumpridas pelos investigados, como comparecimento mensal ao Foro de Taquara para atualizar endereço e telefone e proibição de aproximação com vítimas e testemunhas." O TJ confirmou que há um recurso contra esta decisão na 5º Câmara Criminal, que deve ser "incluído na primeira sessão de julgamento prevista".
Os suspeitos são investigados por cárcere privado, tortura e lesão corporal, maus-tratos com agravante das vítimas serem idosas, retenção de documentos e valores na forma prevista pelo Estatuto do Idoso, associação criminosa e atentado à dignidade sexual.
Suspeitos seriam administradores de ao menos mais duas casas semelhantes
De acordo com as investigações, os mesmos pai e filho são suspeitos de manter pelo menos mais duas casas irregulares nos mesmos moldes da que foi interditada em Taquara. Uma delas foi alvo de averiguação. Denúncia, conforme o delegado Valeriano Garcia Neto, dava conta de que haveria quantidade semelhante de internos sob as mesmas condições.
No entanto, ao realizarem uma vistoria no local, não foram achadas pessoas, embora houvesse indicativos de presença humana na casa situada nas proximidades da Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre. A Polícia busca identificar o endereço de outro estabelecimento em Viamão. A ação na Capital contou com o trabalho de agente da Delegacia do Idoso.
Após resgates, busca de corpos de pacientes que teriam falecido no local são prioridade
Embora não tenham obtido êxito na localização de cadáveres na propriedade de Taquara, os investigadores da Polícia Civil ainda consideram prioritária a busca por evidências de onde podem ter sido enterradas cinco pessoas que teriam falecido enquanto eram mantidas na clínica interditada.
— Não descartamos a hipótese de que eles tenham sido enterrados provisoriamente naquele terreno e, posteriormente, levados a algum cemitério clandestino. Os cães farejadores do Corpo de Bombeiros reagiram com muita clareza sobre a presença de registros de restos biológicos humanos nos pontos de escavação. Em momento oportuno, as buscas serão retomadas — indicou o delegado.