O contexto violento em que Guilherme Alfredo Alves Horn perdeu a vida não poderia ser mais distante da imagem que familiares e amigos guardam do jovem, morto em um assalto na terça-feira (1º), na zona norte de Porto Alegre. Quem convivia com o estudante de 22 anos diz que se acostumou a receber elogios e gestos de carinho dele, mesmo em dias comuns. E foi justamente para ajudar um amigo de longa data que ele acabou indo ao encontro de um assassino. Morreu ao ser atingido por um tiro, dentro do carro que havia comprado há dois meses. O caso é investigado pela Polícia Civil.
A perda repentina abalou pessoas próximas, que lembram especialmente do jeito amoroso como Guilherme as tratava. Ele travalhava na empresa do pai, que gerencia uma frota de lotações e tem postos de gasolina na Capital. A rotina começava às 5h, quando ele acordava para ir abrir o espaço e receber os funcionários.
Único homem entre as três irmãs, é descrito pela mais velha, Ingrid Alves Horn, 28, que também trabalha na empresa da família, como "extremamente amoroso":
— Ele conhecia as famílias dos funcionários, estava sempre conversando, abraçando todo mundo. Às vezes, perguntava como um deles estava, e a pessoa dizia que "tudo bem", e aí ele falava assim: "Não mente pra mim, quero saber se tu está bem mesmo". Ele se preocupava, queria ajudar, ver todos bem. Era muito amado, tanto que, no dia do enterro, a empresa toda parou, todos foram se despedir.
Nos últimos tempos, Horn estava "muito feliz", em uma fase "boa e leve", segundo familiares. Ele havia retomado os estudos recentemente e conseguido trocar o carro, com ajuda do pai. Falava em ter filhos e também pedia por sobrinhos para a irmã mais velha. Queria ser dindo novamente, mesmo já tendo outros afilhados.
— Meu irmão nunca teve vergonha de expressar os sentimentos dele, não teve medo de ser apontado como mais ou menos homem por dizer "eu te amo" a todos que ele amava. Dizia todos os dias, repetidamente. Não perdeu nenhuma chance de se expressar. Eu brincava que ele chegava a ser chato de tão querido e amoroso, de tanto que elogiava a gente. Me chamava de "irmã ursa", porque tava sempre me abraçando. Ele foi luz na nossa vida. Era amor puro. Por um lado, entendo porque Deus o levou, o coração bom dele era de outro plano, nao era daqui — diz Ingrid.
Ela conta que viu o irmão pela última vez na segunda-feira (31), quando os dois dividiram um pão de queijo enquanto resolviam pendências de trabalho. Mais tarde, o estudante fez uma última demonstração de afeto para a irmã:
— Ele parou o carro perto da janela do escritório, onde eu estava sentada. Ficou chamando até eu olhar. Quando apareci, fez sinal de coração com as mãos e me mandou beijo. Foi a última vez que vi ele. Na terça, ele passou o dia com o pai, fizeram um supercafé da manhã na empresa, com os funcionários. Já fazia um tempo que isso não acontecia, aí compraram pão, leite, frios. Meu irmão ficou procurando o iogurte de coco que é o preferido do pai, mas não tinha. Foi o último café deles juntos, depois foram trabalhar.
Na presença de amigos e familiares, o corpo do jovem foi sepultado na quarta-feira (2), no cemitério Jardim da Paz, na Capital.
"Ele cuidava de mim", diz mãe
Horn morava com a mãe, Aline da Cunha Alves. Amparada por familiares, ela tenta lidar com a perda do filho, a quem lembra ter visto o filho no dia anterior ao crime.
— Ele saía às 5h para trabalhar, na terça, não vi ele. Na segunda de noite, perguntei se ele queria que eu fizesse uma torradinha. Eu fiz, ele me abraçou e agradeceu. Me beijou e disse que me amava. Era o amor da minha vida, minha força. Dizia que iria morar comigo até os 40 anos, que nunca me abandonaria. Ele cuidava de mim. Meu filho era só amor, com todos, nunca cansava de dizer e demonstrar o que sentia. Era amigo, companheiro, humilde e trabalhador — relata a mãe.
Alfredo Horn, pai de Guilherme, conta que centenas de pessoas participaram do velório, entre colegas da escola, funcionários da empresa e amigos do futebol e da igreja. Em resumo, reforça que o filho "era amor":
— Meu filho era um guri que só queria amor, unir a família. Quando eu brigava com a irmã, ele dizia para nos unirmos. Não se importava com dinheiro, roupas caras, mesmo que a família tenha condições. Todos os dias, ele me perguntava: "Pai, sabia que eu te amo?". É a frase que nunca vou esquecer.
Há pouco tempo, Horn havia começado a frequentar a igreja. Ia todas as quintas-feiras e vinha tentando memorizar as letras das músicas cantadas nas celebrações.
Recentemente, tinha voltado a estudar, encorajado pelo amigo Wellington Guilherme Antunes Mendes, 22, dono de uma loja de roupas em Cachoeirinha. Os dois se conheceram há cerca de 10 anos, na escola. Em 2019, se aproximaram mesmo e "não desgrudaram mais". Viam-se toda a semana, se reuniam nos domingos de churrasco, nos carnavais e no litoral gaúcho no verão.
— A gente não passava um final de semana sem se ver. Ele era igual família para mim. Escolhi ele como dindo da minha filha, que hoje tem dois anos, os dois se adoravam. Muitas e muitas vezes, ele aparecia dizendo que só queria me dar um abraço. E realmente me abraçava e saía. Ele se preocupava com as pessoas, era um guri muito coração. Naquela terça mesmo, me ligou de tarde e eu disse que estava na loja. Ele falou: "To indo aí te ver. Te amo, irmão". Ele era assim — conta Mendes.
Segundo o amigo, antes do assalto, os dois tinham jogado sinuca e conversado por algumas horas. Pelo WhatsApp, a loja recebeu um pedido de compra de roupas, que somavam cerca de R$ 3 mil. A entrega deveria ser feita no bairro Santa Rosa de Lima, perto de onde Horn morava.
— Eu faço muitas vendas assim, em que a entrega é feita por motoboy. Durante o atendimento, a gente achou as mensagens meio estranhas, até suspeitamos de que o comprador tentaria usar um cartão clonado. Mas nunca imaginamos que aquilo fosse ocorrer — lembra o amigo.
Foi Horn quem se ofereceu para fazer a entrega, pois era perto de onde ele morava. Ele levou a máquina para pagamento no cartão, que depois devolveria a Mendes.
Investigação
De acordo com a Polícia Civil, no entanto, a venda seria parte de uma armadilha forjada por pelo menos um criminoso para roubar a mercadoria. Ao perceber o assalto, ainda dentro do carro, Horn arrancou com o veículo, mas foi baleado.
— Quando chegou no local combinado, foi abordado por um homem que perguntou se ele era da loja, e ele disse que sim. O criminoso deve ter anunciado o assalto e parece que a vítima arrancou o carro. Logo depois, se ouve os tiros. O jovem estava no telefone com o amigo, conversando sobre a localização do suposto cliente, que ouviu os disparos — afirma o delegado Cesar Carrion.
Em imagens obtidas pela polícia, é possível ver Horn chegando de carro ao local, na Rua Alcântara, por volta das 17h07min de terça. Cerca de um minuto depois, ele retorna pela mesma rua, tentando fugir do local. É quando dois tiros são efetuados, um acerta a vítima e outro, o veículo, segundo a polícia. O jovem morreu no local.
— Com certeza foi uma armadilha, para assaltar quem fosse fazer a entrega — complementa Carrion.
As roupas que seriam entregues foram encontradas dentro do veículo da vítima, que não foi levado. O celular do jovem, um iPhone, foi roubado, em princípio por um homem que passou pelo local e se aproveitou do fato de Horn já estar morto, dentro do veículo, segundo a investigação.
As equipes buscam por mais imagens que tenham flagrado a ação, para esclarecer os fatos e tenta identificar o atirador. Também é investigado se o criminoso estava sozinho ou se mais pessoas têm envolvimento no caso.