Um médico se tornou réu num processo por suspeita de ter arremessado a então companheira de um veículo, na zona sul de Porto Alegre. Thiago Kasikawa de Oliveira, 38 anos, foi denunciado em maio pelo episódio, que aconteceu há dois anos. A mulher, que também é médica e foi noiva do anestesiologista, relatou ter sido empurrada de dentro do carro em movimento, caindo no meio da rua, na Vila Assunção.
No processo consta que o fato aconteceu na noite de 17 de agosto de 2021, perto da Praça Tabira e do Corpo de Bombeiros, na Avenida Guaíba. A mulher contou ter sido jogada de dentro do carro, que estaria trafegando a cerca de 40 km/h. Na queda, a médica bateu o lado direito do rosto no chão, assim como o joelho e o punho. A vítima teve lesões na face. Imagens dos ferimentos foram incluídas no processo.
O caso tramita no 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Capital. Oliveira foi denunciado pela Promotoria de Justiça Especializada de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher por lesão corporal e dano qualificado, ambos no contexto de violência doméstica. Segundo a denúncia, o médico danificou o celular da companheira, que quebrou durante a queda.
O casal retornava para casa após sair de um restaurante à margem do Guaíba. Segundo a denúncia, apesar de "estar embriagado", o médico quis dirigir o veículo, que pertencia à companheira. No trajeto, a mulher teria passado a guiá-lo, usando o aplicativo Waze. No percurso, ela teria se confundido e deixado passar uma das ruas. Por isso, o médico teria passado a xingá-la. Na denúncia, consta que ele teria ofendido e ameaçado a companheira.
A partir deste momento, conforme o Ministério Público, os dois teriam começado a discutir, "pois a vítima estava amedrontada com ele dirigindo sob influência do álcool, alterado e agredindo verbalmente". A médica teria pedido ao companheiro que parasse o carro. Neste momento, o homem teria aberto a porta do passageiro e dito:
— Quem vai descer é você.
Logo depois, o médico teria arremessado a companheira do carro, fazendo com que ela caísse com o rosto no chão. Na queda, o telefone da vítima quebrou. Um grupo de ciclistas, que estava logo atrás do veículo, parou para socorrê-la.
Violência psicológica
O médico também foi denunciado por violência psicológica contra a vítima, que teria se dado no período de julho de 2021 até setembro de 2022. Esse tipo de crime está previsto na Lei Maria da Penha, como uma das formas de violência contra a mulher. Na denúncia, o MP aponta que a vítima teria sido submetida a "ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir".
Conforme o relatado, o médico teria afastado a vítima da família e dos amigos, e mantinha "comportamento extremamente agressivo" com ela. Em setembro do ano passado, em outra situação, o médico estaria dirigindo seu carro numa rodovia. Segundo a denúncia, o veículo estaria em alta velocidade, o que fez a vítima gritar para que ele reduzisse. O médico teria debochado, conforme o MP, dizendo ""vamos morrer, vamos morrer, vamos, vamos" e "vou matar, quem que eu vou matar hoje".
Na denúncia, consta ainda a mulher chegou a ser ameaçada com uma arma de fogo. No inquérito policial, foi incluído vídeo no qual o médico aparece dentro do banheiro do apartamento com uma pistola. Conforme a acusação do MP, o relacionamento trouxe prejuízo à saúde psicológica da vítima, o que foi atestado por relatório da Central de Atendimento Psicossocial e Multidisciplinar.
O caso foi alvo de investigação da Delegacia da Mulher da Capital, que resultou no indiciamento do médico. Posteriormente, o Ministério Público denunciou Oliveira, que foi citado recentemente como réu no processo. Ainda será aberto prazo para a defesa do médico se manifestar no processo.
"Minha vida nunca mais foi a mesma"
— Ele abriu a porta com o carro andando, e me empurrou, me arremessou — disse a médica de 34 anos a GZH.
Após a queda, segundo a mulher, ela foi encaminhada para atendimento médico, onde passou por exames para verificar se não havia traumatismo. Depois do episódio, a vítima teria ficado uma semana sem conseguir trabalhar. A mulher confirmou ter mantido o relacionamento por cerca de um ano mais, e só depois disso conseguiu buscar ajuda, e registrar ocorrência. A vítima atualmente conta com medida protetiva contra o médico.
— No começo foi aquela fase do ser perfeito. Foi tudo muito rápido. Logo fomos morar juntos. Era tudo muito bom. Ele dizia o que eu queria ouvir. Depois disso tudo, a minha vida nunca mais foi a mesma. Continuo fazendo terapia, tomando remédios. Só saio de casa para o trabalho, e do trabalho para casa. É muito difícil — disse a mulher.
O Ministério Público informou que não se manifesta sobre o processo, em razão do sigilo.
Contraponto
Procurada durante a produção da reportagem, a defesa de Thiago Kasikawa de Oliveira enviou a seguinte nota:
A defesa de Thiago Kasikawa de Oliveira, patrocinada pela advogada Maria Eduarda Klein, irá contrapor as acusações em juízo. A defesa também ressalta que o processo tramita em segredo de justiça e o vazamento distorcido das informações é crime. Por fim, a defesa reafirma que Thiago Kasikawa de Oliveira sempre se manteve ao dispor da Justiça para os devidos esclarecimentos.
Após esta publicação, a defesa do médico enviou um novo posicionamento. Confira abaixo:
A advogada Maria Eduarda Klein, responsável pela defesa técnica do médico acusado, esclarece as informações veiculadas na matéria sobre o caso envolvendo seu cliente.
De início, cabe ressaltar que a autoridade policial não realizou o indiciamento do meu cliente pelo crime de lesão corporal porque constatou informações nas quais a denunciante nega as agressões. Além disso, a investigação não teve acesso aos laudos da perícia porque a denunciante não realizou o exame de corpo de delito. As autoridades também constataram que a denunciante procurou o acusado, após os relatos, inúmeras vezes.
Sobre o pedido de prisão preventiva do acusado, a defesa esclarece que nunca foi solicitada pela Polícia Civil e nem pelo Ministério Público pois sequer é cabível diante da ausência dos requisitos estabelecidos na legislação, bem como considerando as provas trazidas pela defesa.
Lamentamos a divulgação precoce de informações editadas e o vazamento de dados sigilosos.
Peça ajuda
- Se estiver sofrendo violência psicológica, moral ou mesmo física, busque ajuda imediatamente. Não espere a violência evoluir. Converse com familiares, procure unidades de saúde, centros de referência da mulher ou a polícia. É possível acessar a Delegacia Online da Mulher
- Caso saiba que alguma mulher está sofrendo violência doméstica, avise a polícia. No caso da lesão corporal, independe da vontade da vítima registrar contra o agressor, dada a gravidade desse tipo de crime
- Se estiver em risco, procure um local seguro. Em Porto Alegre, por exemplo, há três casas aptas a receberem mulheres vítimas de violência doméstica
- Siga todas as orientações repassadas pela polícia ou pelo órgão onde buscar ajuda (Ministério Público, Defensoria Pública, Judiciário)
- No caso da lesão corporal, o exame pericial para comprovar as agressões é essencial para dar seguimento ao processo criminal contra o agressor. Procure realizar o procedimento o mais rápido possível
- Caso passe por atendimento em alguma unidade de saúde, é possível solicitar um atestado médico que descreva as lesões provocadas
- Reúna todas as provas que tiver contra o agressor, como prints de conversas no telefone. No caso das mensagens, é importante que apareça a data do recebimento
- Se tiver medida protetiva, mantenha consigo os contatos principais para pedir ajuda. A Brigada Militar mantém em pelo menos 114 municípios unidades da Patrulha Maria da Penha que fiscalizam o cumprimento da medida
- Se tiver medida protetiva e o agressor descumprir, comunique a polícia. É possível acionar a Brigada Militar, pelo 190, ou mesmo registrar o descumprimento por meio da Delegacia Online. Descumprimento de medida pode levar o agressor à prisão
- Fonte: Polícia Civil e Poder Judiciário do RS
Onde pedir
Brigada Militar
- Telefone - 190
- Horário - 24 horas
- Serviço - atende emergências envolvendo violência doméstica em todos os municípios. Para as vítimas que já possuem medida protetiva, há a Patrulha Maria da Penha da BM, que fiscaliza o cumprimento. Patrulheiros fazem visitas periódicas à mulher e mantêm contato por telefone
Polícia Civil
- Endereço - Delegacia da Mulher de Porto Alegre (Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia), bairro Azenha. As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há 23 DPs especializadas no Estado
- Telefone - (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências)
- Horário - 24 horas
- Serviço - registra ocorrências envolvendo violência contra mulheres, investiga os casos, pode solicitar a prisão do agressor, solicita medida protetiva para a vítima e encaminha para a rede de atendimento (abrigamentos, centros de referência, perícias, Defensoria Pública, entre outros serviços)