Imagens feitas por uma frequentadora da Cidade Baixa, em Porto Alegre, mostram uma ação da Brigada Militar na qual policiais utilizam spray de pimenta e cavalaria para desobstruir a Travessa dos Venezianos, entre as ruas Lopo Gonçalves e Joaquim Nabuco, na madrugada de domingo (16).
Pedestres que estiveram no local alegam que não teria havido diálogo por parte dos policiais e classificam a ação como violenta. Procurada, a Brigada Militar se manifestou por meio de nota, em que sustenta ter recebido "inúmeros chamados de emergência" relatando perturbação de sossego, sendo "necessário desobstruir" o local. A corporação também informa que um inquérito policial militar será instaurado "para melhor esclarecimento dos fatos". A ação foi realizada por equipes de Força Tática do 9⁰ Batalhão de Polícia Militar (9º BPM) da Capital, que atende o bairro, em conjunto com o efetivo do 4⁰ Regimento de Polícia Montada.
Segundo o relato de uma jornalista de 28 anos, que fez a gravação e prefere não se identificar, ela estava com um grupo de pessoas na travessa por volta das 2h de domingo, quando os PMs se posicionaram em um cordão, na Joaquim Nabuco, e começaram a avançar em direção à Lopo Gonçalves. Ela narra que os policiais teriam afirmado que precisavam desobstruir a via, ponto tradicional da boemia local, onde funcionam diversos bares.
— Eles começaram a avançar, vir para cima da gente. Questionamos o que a gente estava fazendo de errado. Eu falei que a minha bicicleta estava do outro lado, na Joaquim Nabuco, e pedi pra ir para aquele sentido para ir embora, mas não deixaram, disseram que era para dar a volta na quadra. Eu perguntei se, então, eles fariam nossa segurança para isso, mas não respondiam. Cada vez foram sendo mais violentos, não teve diálogo algum — conta.
Nas imagens, é possível ouvir o pedido da jovem aos policiais. Um amigo dela também afirma ao PM que mora no outro lado da rua e pede para retornar para casa pela travessa. Os policiais, contudo, não liberam a passagem.
Depois disso, o grupo caminha até a Lopo Gonçalves, para sair da travessa, quando policiais montados em cavalos se aproximam.
— A gente já estava quase no fim da rua e a cavalaria veio para cima da gente. Eu entrei num bar ali, onde me ajudaram. Quando melhorei, um pouco depois, fui buscar a bicicleta e a travessa já estava com gente de novo. Foi um ato superviolento, desproporcional, para meia hora depois estar com público ali novamente. Costumo frequentar a Cidade Baixa, sempre vejo efetivo da BM ali, mas isso que aconteceu no domingo eu nunca tinha visto, apesar de já ter escutado vários relatos — diz a jornalista.
Movimento no bairro vem aumentando
Conforme uma pessoa ouvida pela reportagem, que mora na Travessa dos Venezianos e também preferiu não se identificar, a Brigada Militar foi chamada por vizinhos para conter o barulho feito por frequentadores. Segundo relatou a GZH, mais três bares abriram na rua, e o movimento no local vem crescendo, especialmente durante a noite e a madrugada, mas se intensificou entre o sábado (15) e o domingo (16), diz.
— Para a gente que mora aqui, é ruim, o som alto, a obstrução. Já tem reclamações recorrentes de barulho depois da meia-noite. Naquele dia, a BM queria evacuar a rua e as pessoas passaram a questionar por que tinham que sair dali. Os PMs começaram a se irritar e tratar as pessoas igual cachorro. Estavam gritando "vai, anda" e mostrando as armas — conta.
A pessoa afirma que algumas casas e bares abrigaram alguns dos frequentadores e fecharam as portas. Pouco depois, foi disparado o spray de pimenta:
— Um policial estava a um metro de mim e engatilhou a arma, eu estava dentro de casa, na janela. Me deu muito medo, um pavor, senti que estava no meio de uma guerra. Tu não engatilha uma arma se não vai atirar, né? Só para espantar? Não se faz isso. Aí veio o spray de pimenta, que entrou muito aqui pra dentro, para dormir foi bem incômodo.
Após a ação da BM, o público retornou ao local, diz:
— Voltaram a se reunir nos bares. Em um deles, que fica com a porta fechada, as pessoas ficaram batucando até as 10h de domingo. Para a gente, é horrível. A travessa é muito legal, mas o barulho não pode durar a noite inteira.
BM abrirá inquérito
Por meio da assessoria de imprensa, o 9° BPM afirmou que "será instaurado procedimento adequado à situação para melhor esclarecimento dos fatos". O inquérito policial militar serve para verificar a conduta de PMs durante serviço.
Em nota, o batalhão diz que, "devido a inúmeros chamados de emergência na pasta de perturbação do sossego", foi necessário realizar a desobstrução das ruas. "Tal situação trata-se de um problema crônico e recorrente da Cidade Baixa, sempre gerando uma série de chamados de perturbação do sossego, em que moradores da região solicitam reiteradamente providências da Brigada Militar. Menciona-se que, na última semana, o comando do 9° BPM esteve reunido com os moradores da Cidade Baixa e com representantes municipais da área de segurança pública, justamente para tratar sobre ações necessárias na região, principalmente, aos finais de semana", diz o texto.
A nota acrescenta que a ação "iniciou como uma desobstrução induzida, através do diálogo, que não foi atendida". "Inclusive, durante a ação, um dos indivíduos — que estava exaltado — insultou os militares do 9⁰ Batalhão de Polícia Militar proferindo palavras de baixo calão, fazendo gestos ofensivos e lançando garrafa de vidro contra os policiais, mostrando uma resistência ativa. Assim, se fez necessário o uso de espargidor (spray de pimenta) para conter o homem. O indivíduo foi identificado e responderá em juízo."
A nota é assinada pelo major Demian da Rocha Riccardi, subcomandante do batalhão, que responde temporariamente pelo 9º.
Contrapontos
A reportagem também procurou a Secretaria da Segurança Pública do RS e o governo do Estado, que informaram que a manifestação fica a cargo do 9ª BPM.