A Polícia Civil de Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo, toma depoimentos e busca imagens de câmeras de videomonitoramento da cidade na tentativa de elucidar os fatos relacionados ao assassinato de Lisiane Vieira Bicca, 41 anos. A safrista estava grávida e foi morta a tiros no final da tarde de 26 de junho, na presença dos três filhos menores, na casa da família, localizada no bairro São João, área periférica do município.
— Foi uma grande maldade o que fizeram com minha família. Mataram minha mãe sem que ela tivesse a menor chance de se defender. Colocaram arma na cabeça de crianças. Não tem explicação. Ela estava gestante de três para quatro meses — diz Lilian da Silva, 19 anos, filha mais velha de Lisiane.
Conforme a jovem, Lisiane tinha chegado em casa havia poucos minutos quando homens armados invadiram a moradia na Rua José de Oliveira Lopes.
— Deveria ser umas 17h40min. Minha mãe passou na creche, como fazia todos os dias, e pegou a pequena (cinco anos). Chegou em casa, falou com os meninos (de nove e 12 anos) e foi tomar banho. O que os vizinhos disseram é que uns homens chamaram pelo meu pai, que nem morava mais com minha mãe. Estavam separados tinha uns dois anos. Como ninguém respondeu, eles entraram no pátio — relata.
Segundo Lilian, os irmãos contaram que a mãe saiu às pressas do chuveiro quando ouviu o estampido de um tiro disparado contra o cachorro Thor, mascote da família, que teria tentado impedir a invasão dos criminosos.
Ao chegar no cômodo principal da casa, uma combinação de cozinha e sala, Lisiane teria sido surpreendida com um dos homens rendendo seu filho de 12 anos com uma pistola em punho.
Novamente, os criminosos teriam perguntado sobre o ex-companheiro de Lisiane e, diante do silêncio da mulher, disparam ao menos quatro vezes, acertando sua cabeça. No momento do ataque, a filha caçula estava no banheiro com a mãe e se preparava para entrar no banho. Nenhuma das crianças ficou ferida. Elas estão com familiares.
— Ela não teve chance de dizer que o meu pai nem mora mais naquela casa. Ele tem os conflitos dele com a Justiça. A gente já não se dava mais bem já fazia um tempo. Mas nada justifica o que fizeram para ela e os meus irmãos — desabafa a jovem.
Planos interrompidos
Lilian conta que havia conversado longamente com a mãe no final de semana que antecedeu a trágica segunda-feira do crime.
— Minha mãe estava muito feliz, pois tinham prorrogado até final de agosto o contrato de trabalho na empresa fumageira onde ela estava prestando serviço. Estava fazendo planos e se preparando para a chegada do bebê — lembra.
Lisiane, de acordo com a filha mais velha, tinha uma relação conturbada com o ex-companheiro, que é pai dos quatro filhos do casal e da criança que estava sendo gestada.
— Quando viviam juntos, meu pai não deixava ela trabalhar. Ele é uma pessoa antiga, com jeito que não concordo muito. Por isso não nos damos bem. Depois de ficar uns dois anos longe de nós, ele apareceu, em fevereiro. Ficou uns dias com ela pois queria rever as crianças. Daí foi embora de novo. Não sabemos pra onde foi, com quem esteve e o que fez. Nada disso importava mais, pois ele vivia longe da gente — comenta.
Polícia mantém sigilo sobre informações
Alegando estar em uma etapa avançada das apurações, a delegada Raquel Schneider, titular da Delegacia Especializada em Atendimento da Mulher de Santas Cruz do Sul, afirma que há linhas bem definidas de investigação. A delegada, no entanto, pondera que o sigilo colocado sobre a maior parte das informações se deve ao fato de que há pontos delicados na apuração policial.
— A investigação evoluiu, mas os avanços serão mantidos em sigilo para que o trabalho não acabe comprometido com alguma eventual divulgação prematura. Há total empenho em esclarecermos este crime gravíssimo e tudo será esclarecido no seu devido tempo — argumenta a delegada.
Raquel informa, no entanto, que o inquérito já reuniu uma série de depoimentos e que imagens estão sendo buscadas no sistema de videomonitoramento da cidade para serem analisadas.
A delegada relata também que o ex-companheiro de Lisiane foi localizado, prestou depoimento e permanece em uma cidade fora do Rio Grande do Sul.
Além do femicídio com diversas agravantes, o inquérito também deve se consolidar com indiciamentos por crueldade contra animal de estimação. O cãozinho Thor foi alvejado no rosto durante a invasão da casa. Apesar de ter sido socorrido, o bichinho que ofereceu resistência contra os agressores acabou não resistindo e morreu em um abrigo do município.
— Foi a única defesa que eles tiveram. É muito difícil acreditar que pessoas podem fazer tanta maldade sem pensar se os outros que estão ali são filhos, irmãos ou pais de alguém. Desconsiderar assim a vida é uma coisa muito triste — conclui Lilian.