Em relatório no qual pede autorização da Justiça fluminense para cumprir as diligências da operação que prendeu mais um réu pelo assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, a Polícia Federal (PF) analisou centenas de procedimentos já abertos para a apuração do crime ocorrido em 15 de março de 2018. A PF relatou "percalços" e até o que chamou de "golpe" nas investigações. A corporação conclui que agora foram constituídas "bases sólidas" para a identificação dos supostos mandantes e financiadores das execuções.
O documento da PF possui mais de 150 páginas. A corporação destaca que a investigação visou dar sustentáculo às movediças premissas fixadas pelo relatório da Polícia Civil do Rio de Janeiro sobre a autoria do crime.
A avaliação dos investigadores é a de que agora estão bem ilustrados os pormenores dos assassinatos de Marielle e Gomes, em razão da riqueza de detalhes das declarações de Élcio de Queiroz, ex-policial militar que fechou acordo de delação premiada com o Ministério Público estadual. O ex-PM confessou participação no crime e incriminou Ronnie Lessa, também ex-policial, acusado de ser o autor dos disparos.
"Cold case"
Se, por um lado, os investigadores consideram que agora há bases sólidas para identificar os mandantes dos assassinatos, eles citaram também "percalços investigativos". A PF ressaltou que, em uma apuração sobre homicídio, a "janela de oportunidade para a captação de vestígios e demais elementos de convicção é compacta".
Nessa linha, a corporação diz ter analisado o caso Marielle como um cold case — caso frio, do inglês —, argumentando que "amarras temporais impõem à equipe de investigação limites intransponíveis que seriam supridas caso fossem adotadas as providências necessárias em momento contemporâneo aos fatos".
A PF apontou ainda severa limitação a novas diligências que se mostraram oportunas com o avanço dos trabalhos. Os investigadores argumentaram que tiveram de buscar meios de prova não triviais para tentar identificar mais envolvidos no caso, como a delação premiada do ex-PM Élcio de Queiroz e a corroboração do relato com dados que já haviam sido levantados pelo Ministério Público ao longo do inquérito.
Queiroz fez uma série de revelações sobre o planejamento e o assassinato de Marielle e o motorista. Narrou todos os passos do crime, tanto no dia da emboscada e execução como nos dias posteriores, em que os investigados tentaram se desfazer das provas. Élcio dirigiu o veículo Cobalt prata na noite do assassinato. Ele relatou uma tentativa anterior, frustrada, de executar a parlamentar, o que teria deixado Ronnie Lessa irritado.
Ainda indicou o nome de quem teria arrumado, para Lessa, a arma usada no assassinato. A mesma pessoa teria sido responsável por levar a "missão" de matar Marielle para o grupo. Segundo o delator, o suposto contratante do crime foi o então policial militar Edimilson Oliveira da Silva, conhecido como Macalé, assassinado em novembro de 2021.
Os investigadores qualificaram a morte de Edimilson, "participante efetivo nas campanas e vigilâncias que objetivaram atentar contra a vida de Marielle", como um "severo golpe que a intempestividade impôs à persecução penal".
Procurada, a Polícia Civil do Rio não havia se manifestado até a publicação deste texto.