Em apenas dois dias do mês de dezembro de 2022, foram registrados dois sequestros no Rio Grande do Sul e o terceiro só não ocorreu porque policiais civis monitoravam uma quadrilha e conseguiram libertar a vítima em uma abordagem na Avenida Bento Gonçalves, na zona leste de Porto Alegre. Dias depois, houve confronto em Portão, no Vale do Sinos, com a morte de dois sequestradores, mas o refém foi resgatado.
Um pouco antes, em outubro do ano passado, dois filhos de um empresário da zona norte da Capital ficaram 40 horas em um cativeiro. Desde julho de 2021, foram registrados oito casos de extorsões mediante sequestro, tendo casos em que o pedido de resgate chegou a R$ 1,7 milhão. Mas o Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) informa que o cenário mudou em 2023: não houve nenhum registro deste tipo de crime no Rio Grande do Sul no ano.
Pelo contrário, houve operações policiais comandadas pelo titular da Delegacia de Roubos do Deic, delegado João Paulo de Abreu, seguidas de denúncias por parte do Ministério Público e processos tramitando na Justiça. Além disso, metade dos casos registrados já tem condenações, alguns deles num período de apenas um ano.
— Investigação qualificada, ou seja, uma equipe especializada, bem como o uso de modernas técnicas de apuração, serviço de inteligência e com destaque ao trabalho integrado. Nós identificamos e localizamos os criminosos, resgatamos as vítimas, prendemos os sequestrados, a Promotoria denuncia e a Justiça, em curto prazo, condena — ressalta Abreu.
Atualmente, o Deic não tem informações de quadrilhas agindo no Estado, apesar do alerta para o fato de que alguns sequestradores detidos acabaram ganhando a liberdade. Em quase todos os casos desde julho de 2021, a polícia apurou que se trata de grupos distintos, pessoas que se associaram para praticar os sequestros e sem conexão entre os envolvidos.
Sequestros do segundo semestre de 2022
Apenas em dois casos, os que ocorreram em um período de 48 horas no início de dezembro de 2022, havia relação entre os criminosos. Abreu diz que as vítimas foram atraídas pelos investigados para encontros após contatos feitos em sites de relacionamento. Segundo ele, este foi o único fato em que houve mais de uma extorsão mediante sequestro praticada pelo mesmo grupo.
O delegado destaca como exemplos de um trabalho qualificado que iniciaram com as famílias procurando rapidamente a polícia, os crimes em Portão e o dos filhos do empresário de Porto Alegre, os últimos que ocorreram no Estado. Abreu explica que houve negociações envolvendo um especialista, além de apoio e orientação aos parentes das vítimas.
Ele lembra que, não somente procurar uma delegacia mais próxima, mas o fato das pessoas não publicarem informações sobre os casos nas redes sociais, são os primeiros passos para que o trabalho seja realizado com eficácia. Segundo ele, a Delegacia de Roubos será acionada e trabalhará em conjunto com a Delegacia local.
— É um trabalho complexo porque tem família extorquida e apreensiva, vítima em local inicialmente incerto e com possibilidade de lesão e tempo escasso. Isso é o que chamamos de incidente crítico. Então, é fundamental uma intervenção de grupo especializado e recursos. Uma integração de esforços que vão de resgates e prisões às denúncias e condenações — diz o delegado.
Os agentes do Deic conseguiram descobrir o cativeiro de um empresário de Canoas em Portão e, desta forma, foi montada uma ação. Os policiais prenderam dois suspeitos e, na troca de tiros com criminosos, dois foram mortos em confronto. Mesmo com pedido de resgate de R$ 500 mil não ter sido pago, os sequestradores conseguiram fazer transferências bancárias com cartões da vítima no valor de R$ 60 mil. Três meses depois, mais suspeitos foram presos em uma operação policial.
Abreu divulgou, na época, alguns áudios da vítima ainda sob poder dos criminosos. Em um deles, alertava:
— Mãe, sem polícia... Eles me asseguraram que vão me deixar vivo se não tiver polícia.
Em outro, desta vez para sua esposa, ele destaca o pedido de resgate:
— Eu estou bem, só faz o Pix, é a chance de eu ficar vivo.
Durante a gravação, um dos sequestradores pega o telefone e também fala:
— Sem envolver polícia.
Praticamente no mesmo período da operação policial, em março deste ano, contra criminosos que agiram no Vale do Sinos em dezembro do ano passado, houve mais uma ação que prendeu o último suspeito de outro sequestro: o dos filhos de um empresário do bairro Jardim Itú-Sabará, que foram mantidos em cativeiro por cerca de 40 horas na zona sul da cidade. Os suspeitos se passaram por policiais para abordar as vítimas e parte do dinheiro pago do resgate, cujo valor ficou abaixo do que foi pedido, foi usado para lavagem de capitais no Paraná.
A diretora do Deic, delegada Vanessa Pitrez, diz que, apesar de não ter tido nenhum delito deste tipo no Rio Grande do Sul, não há tempo para comemorar. Segundo ela, o trabalho continua.
— Há pelo menos 12 anos não temos um caso de extorsão mediante sequestro que não tenha tido êxito, com autores presos e indiciados e a vítima resgatada com vida. Isso deve a expertise adquirida pela Delegacia de Roubos ao longo dos anos. A repressão intensa e exitosa a este crime trouxe a certeza da punição para as quadrilhas e para quem mais ousasse se aventurar neste tipo de delito — ressalta a delegada.
De julho de 2021 a julho de 2022, houve quatro extorsões mediante sequestro
- Julho de 2021 — Em Caxias do Sul, vítima foi resgatada, suspeitos, que pediram resgate de R$ 600 mil, foram presos e condenados
- Agosto de 21 — Vítima foi libertada em Sentinela do Sul com pedido de resgate de R$ 100 mil. Criminosos presos e condenados
- Janeiro de 2022 — Um colombiano foi sequestrado e torturado em Porto Alegre mediante pedido de resgate de R$ 50 mil, mas a polícia prendeu suspeitos e houve condenação
- Fevereiro de 2022 — Foram exigidas jóias para libertação de uma mulher e seus filhos em Nova Santa Rita. Um preso comandou a extorsão e caso na Justiça
De julho de 2022 a julho de 2023, houve quatro extorsões mediante sequestro.
- Outubro de 2022 — Suspeitos foram presos após pedido de resgate de R$ 1,7 milhão para libertar filhos de empresário da zona norte de Porto Alegre
- Dezembro de 2022 — Uma vítima de suspeitos presos em Porto Alegre que atraíam as pessoas para encontros combinados em sites de relacionamento
- Dezembro de 2022 — Dois dias depois do primeiro caso, o grupo fez mais uma vítima de extorsão que foi atraída para encontro acertado em sites de relacionamento. Nos dois casos, já há processos judiciais
- Dezembro de 2022 — Também já há sete réus que pediram R$ 500 mil para libertar empresário de Canoas mantido em cárcere em Portão. Dois morreram em confronto e há um foragido