A Polícia Civil realizou nesta sexta-feira (17) mais uma etapa da investigação sobre um sequestro ocorrido em outubro de 2022 no bairro Jardim Itú-Sabará, zona norte de Porto Alegre. Cerca de cem agentes cumpriram durante a manhã mandados de busca e de prisão contra supostos integrantes de uma quadrilha que manteve os filhos de um empresário em cativeiro por quase 40 horas.
Os sequestradores exigiam do pai das vítimas R$ 1,7 milhão como resgate. Houve pagamento para que eles fossem soltos, mas em valor menor. O empresário acionou a Delegacia de Roubos do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) desde o início e toda a ação foi monitorada. Desta forma, foi possível identificar os suspeitos e rastrear o dinheiro.
O delegado João Paulo de Abreu comandou toda a apuração e destaca que são oito suspeitos envolvidos, três deles presos durante a investigação e outro detido em Esteio nesta sexta-feira. Uma advogada é suspeita de fazer parte do esquema criminoso. Ela teria mantido contato com o negociador do grupo durante visitas a ele no Presídio Central e teria emprestado um carro para o recebimento do resgate.
Segundo a investigação do Deic, o grupo lavou grande parte do dinheiro obtido com a extorsão mediante sequestro por meio de depósitos em contas bancárias, inclusive de outros Estados, e usando um suposto investimento em uma empresa do Paraná, onde também foram cumpridos mandados de busca.
Se passando por policiais
O delegado Abreu revela que os dois filhos do empresário, entre 20 e 30 anos de idade, caminhavam por uma via pública do bairro Jardim Itú-Sabará por volta de 8h30min do dia 21 de outubro de 2022. Conforme depoimentos e imagens de câmeras de segurança, dois veículos cercaram a dupla e pelo menos quatro homens armados os renderam. Os criminosos estariam se passando por policiais civis e teriam gritado "Polícia!" ao abordá-los, ordenando que deitassem no chão.
Os jovens foram “algemados” com pulseiras plásticas, semelhantes às usadas pela polícia, e colocados dentro dos veículos. A ideia era não chamar a atenção de moradores da região e fazer com que tudo parecesse, para eventuais testemunhas, uma abordagem da polícia.
Logo depois, o pai dos jovens começou a receber mensagens pelo celular informando que os filhos estavam em um cativeiro. Os criminosos exigiam quase R$ 2 milhões para a libertação deles. O delegado Abreu diz que, em um primeiro momento, a família achou que se tratava de um golpe, mas, quando percebeu que a situação era real, o empresário acionou o Deic, que participou de todas as negociações.
— Foi de suma importância que a polícia fosse acionada prontamente, não só para garantir a segurança da família, mas foi possível detectar toda a movimentação e descobrir detalhes iniciais que foram fundamentais para uma posterior identificação dos criminosos — diz o titular da Delegacia de Roubos.
Pagamento do resgate
Abreu relata que as mensagens recebidas dos criminosos deixaram a família muito preocupada. Os sequestradores cobravam agilidade no pagamento do resgate e faziam ameaças: “Se tu não der jeito, vou mandar um dedo de cada um hoje já”. Outro texto dizia: “A polícia pode até achar eles, mas vai achar morto”.
O empresário, apreensivo, acabou cedendo e resolveu pagar o resgate. Mas, com o apoio do Deic na negociação, o valor foi inferior ao solicitado inicialmente. O delegado Abreu prefere não revelar a quantia paga.
Quase 40 horas depois da abordagem aos filhos do empresário, já no dia 22 de outubro de 2022, houve o pagamento de resgate. O pai deles, conforme combinado, foi de carro até o bairro Restinga, zona sul da Capital, e deixou o dinheiro dentro de uma lixeira. A polícia monitorou de longe.
Os jovens foram soltos no bairro Belém Velho, também na Zona Sul, na Estrada Costa Gama, por volta de 22h30min. O delegado conta que, além da pressão psicológica, os sequestrados levaram chutes e socos, mas sem lesões de maior gravidade.
Antecedentes por tráfico e roubos
Com a libertação dos jovens, a polícia passou a agir para identificar e prender os criminosos. Entre as informações iniciais colhidas, houve, inclusive, uma denúncia sobre o possível local do cativeiro. Com o avanço das investigações, um por um dos sequestradores foi sendo identificado.
Três deles, que foram alvo de novos mandados de prisão nesta sexta-feira, já haviam sido detidos anteriormente. Abreu diz que nenhum dos envolvidos tinha antecedentes por extorsão mediante sequestro, mas a maioria já tinha passagens por tráfico de drogas e roubos, além de assassinatos.
No decorrer do inquérito, um dos suspeitos foi preso pela Delegacia de Roubos em Balneário Camboriú, Santa Catarina. Ele havia participado de furtos e roubos de celulares em lojas de Porto Alegre. Outros dois suspeitos, também envolvidos nos roubos de telefones, foram detidos na Capital. Os três teriam participado da abordagem aos jovens sequestrados.
Outro homem, alvo de buscas nesta sexta, é suspeito de envolvimento direto no sequestro, mas a polícia ainda busca mais provas contra ele. Um quinto investigado, que também teria participado do rapto das vítimas, foi preso em Esteio. Ele tem passagem pela polícia por um homicídio. A polícia apurou que o principal negociador da quadrilha é um homem que, à época do sequestro, cumpria pena no Presídio Central. De lá para cá, ele recebeu progressão de regime e passou a ser monitorado por tornozeleira eletrônica.
Abreu diz que ele rompeu o equipamento e foi considerado foragido, mas preso posteriormente no Estado vizinho pela Polícia Rodoviária Federal. O suspeito tem oito antecedentes criminais por homicídio e já foi considerado matador de aluguel de uma facção. Dos seis, cinco tiveram prisão preventiva decretada. Eles têm entre 23 e 28 anos de idade e não tiveram os nomes divulgados. Além deles, outras três pessoas são investigadas e foram alvo de buscas nesta sexta-feira, além de medidas cautelares.
Entre os suspeitos, uma advogada
De acordo com o inquérito do Deic, uma advogada está entre as investigadas. A partir de solicitação da polícia, a Justiça impôs a ela medidas cautelares. Ela não pode sair da cidade por mais de 15 dias, deve comparecer trimestralmente à Justiça, deve manter endereço residencial, profissional e eletrônico atualizados em cartório, não pode entrar em contato com as vítimas e deve atender aos chamados da polícia. Se descumprir estas regras, pode ser presa.
O diretor da Divisão de Investigação Criminal do Deic, delegado Eibert Neto, diz que dois fatos ligam a advogada ao crime. Imagens de câmeras de segurança mostraram que o carro usado por uma mulher para pegar o dinheiro do resgate, que estava em uma lixeira de uma rua no bairro Restinga, era dela. O veículo dela foi apreendido. O delegado diz que a investigação ainda tenta apurar se quem conduzia o carro era a própria advogada ou outra mulher envolvida.
A mesma advogada investigada teria visitado em parlatório — quando um preso pode falar com alguém em sala especial de uma casa prisional e mediante autorização — o homem apontado como negociador do grupo, que na época estava detido no Presídio Central.
— Foi no mesmo dia em que ocorreu a extorsão mediante sequestro, e o curioso é o fato de que, conforme a polícia apurou, houve uma troca de negociador justamente no período em que o preso conversou com a advogada no presídio — ressalta Neto.
O cumprimento de mandado judicial contra a suspeita foi acompanhado por um representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o vice-presidente da Comissão de Prerrogativas, advogado Mateus Marques. O nome dela não foi divulgado, mas GZH apurou que se trata de Cláudia Costa Araújo. A reportagem conversou com a defesa da investigada. Por meio de nota, a advogada Arima da Cunha Pires informou o seguinte: "A representante da advogada esclarece que, até que se tenha vista do que existe, não pode se manifestar e vai aguardar ter vista da íntegra dos autos para então se posicionar".
Uma outra mulher, que teria cedido a casa, na Restinga, para servir de cativeiro, também é alvo da operação, com mandados de busca. Mas a polícia não descarta que ela tenha sido coagida pelos sequestradores. Mesmo assim, foram impostas também contra ela medidas cautelares. Um outro homem alvo de buscas nesta sexta é apontado como dono de um dos carros usados no sequestro. Os nomes deles não foram divulgados.
Operação Chapatral
Segundo o delegado Abreu, titular da Delegacia de Roubos do Deic, a operação recebeu o nome de Chapatral, em referência ao nome da rua no bairro Restinga onde ficava o cativeiro. Ao todo, 110 agentes cumpriram nesta sexta-feira cinco mandados de prisão preventiva.
Também houve o cumprimento de duas medidas cautelares diversas da prisão — com restrição de liberdade para os suspeitos — e de 21 mandados de busca e apreensão em imóveis residenciais e comerciais. A ação ocorreu em Esteio, Porto Alegre, Alvorada e Gravataí e em uma cidade do Paraná.
O rastro do dinheiro
Os agentes gaúchos, com apoio da polícia paranaense, estiveram no município de Campo Largo. O delegado diz que documentos e materiais foram apreendidos na casa e na empresa de um dos suspeitos. O empresário é investigado por receber parte do dinheiro obtido com o resgate dos jovens de Porto Alegre.
Abreu revela que, depois da extorsão mediante sequestro, houve a lavagem de capitais. Além do investimento na empresa paranaense, também foram feitos depósitos bancários em várias contas no Rio Grande do Sul e em outros Estados, como São Paulo, por exemplo.
O Deic obteve o bloqueio judicial das contas supostamente usadas. Abreu estima que sejam bloqueados até R$ 200 mil. Seria dinheiro não só do resgate, mas também lucro obtido com investimentos financeiros do que foi extorquido das vítimas.