Depois que a Polícia Militar de São Paulo passou a adotar câmeras corporais portáteis nos uniformes de alguns agentes, a letalidade provocada por policiais em serviço caiu 62,7% no Estado, passando de 697 mortes em 2019 para 260 em 2022. É o que revela a pesquisa "As Câmeras Corporais na Polícia Militar do estado de São Paulo: Processo de Implementação e Impacto nas Mortes de Adolescentes", divulgada nesta terça-feira (16) pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Segundo o estudo, a letalidade policial, ou seja, o número de mortes ocorridas durante ações policiais, vem caindo desde 2019, principalmente nos 62 batalhões que passaram a adotar as câmeras operacionais portáteis (COP) em sua rotina, o que demonstra que o uso desse instrumento tem sido positivo.
Enquanto nesses batalhões a queda foi de 76,2% entre 2019 e 2022, naqueles onde o dispositivo não é utilizado (73 batalhões), a redução na letalidade policial foi de apenas 33,3% no período.
Com as câmeras corporais, houve também diminuição no total de adolescentes mortos em intervenções de policiais militares em serviço. Em 2019, antes do dispositivo entrar em ação, 102 adolescentes morreram no Estado de São Paulo após intervenções policiais. Já no ano passado, esse número passou para 34, uma queda de 66,7%. Ao comparar os dados com 2017, primeiro ano da série histórica, quando 177 adolescentes foram mortos por policiais em serviço, a queda chegou a 80%.
— Os adolescentes, que eram o principal grupo com a maior taxa de mortalidade em intervenções policiais, deixou de ser o principal grupo em 2022 — informou a coordenadora do estudo, Samira Bueno, que é diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A coordenadora do estudo conta que São Paulo tem uma especificidade, na comparação com o resto do país, no que diz respeito ao perfil de vítimas de policiais em atividade: a alta vitimização de adolescentes.
— Em 2017, por exemplo, que é o nosso ponto de partida nessa análise, 35% das vítimas das ações de policiais militares em serviço em São Paulo eram adolescentes entre 15 e 19 anos. Para se ter uma ideia, a média nacional é de 12%. Em São Paulo, morriam três vezes mais adolescentes em intervenções policiais do que na média nacional — reforça.
Para a chefe do escritório do Unicef em São Paulo, Adriana Alvarenga, a expectativa é de que outros Estados adotem a tecnologia para prevenir mortes em ações policiais.
— Esperamos, com esse estudo, que outros Estados possam adotar iniciativas semelhantes. Lembrando que não basta colocar câmeras. A câmera é um elemento importante, mas precisa vir junto a uma série de outras medidas — destaca.
Recorte racial
Em um recorte racial, a pesquisa revela que a população negra continua sendo a principal vítima de intervenções policiais. Após o uso das câmeras, também houve redução na letalidade contra essa população. Ao comparar os dados de 2022 com 2019, as taxas de mortes pela polícia caíram 66,2% entre brancos e 64,3% entre negros.
— A população negra continua sendo três vezes mais atingida pelo uso da força letal da polícia militar do que a branca. Mas, quando a gente olha a redução da mortalidade nesses dois grupos, a gente percebe que ela se deu de forma proporcional. A câmera contribuiu para a redução da morte de brancos e de negros — informou a coordenadora.
Uniformes
As câmeras operacionais portáteis, conhecidas como câmeras corporais, começaram a ser utilizadas pela Polícia Militar paulista em 2020. Essas câmeras de lapela são fixadas nos uniformes dos policiais para que suas ações nas ruas sejam monitoradas. O objetivo do governo paulista ao instalá-las nos uniformes foi tentar reduzir a violência policial.
Um estudo anterior, realizado pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e divulgado no fim do ano passado, havia demonstrado queda na letalidade policial após a utilização dos equipamentos. Segundo essa pesquisa, o uso das câmeras evitou 104 mortes entre janeiro de 2019 e julho de 2022 e teve um impacto positivo, ajudando a recuar em 57% as mortes decorrentes de ações policiais nesse período.
No início deste ano, o novo governo paulista cogitou reavaliar o uso do equipamento. Em uma entrevista a uma rádio do interior paulista em janeiro, logo após assumir o cargo, o secretário estadual de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, disse que iria rever o uso de câmeras por policiais. Essa fala gerou preocupação no governo federal, que soltou uma nota para defender o uso do equipamento.
No dia seguinte a essa entrevista, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, negou que as câmeras seriam retiradas.
— Nesse primeiro momento, nada muda, não vamos alterar nada. Ao longo do tempo, vamos observar e reavaliar, o que faremos com qualquer outra política — disse o governador na ocasião.
Segurança e integridade
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) informou que o estudo corrobora as medidas adotadas pela pasta "para promover a segurança e a integridade, tanto da população quanto dos próprios policiais".
Até o momento foram implementadas 10,1 mil câmeras corporais, informou a secretaria. "(A iniciativa) trouxe maior transparência para as ações policiais, além de fortalecer a prova, melhorar a segurança e a qualidade de ensino pela modalidade de estudo de caso".
A Secretaria informou ainda que tem investido na aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo, como teasers (arma de incapacitação neuromuscular) e sprays de pimenta para diminuir a letalidade nas ações policiais.
A nota da secretaria diz também que todos os casos que resultam em morte "são analisados pelas instituições policiais, rigorosamente investigados pela Corregedoria, comunicados ao Ministério Público e julgados pela Justiça".