Dinheiro que seria extorquido de famílias pobres que invadiram uma área em busca de moradia em Viamão, há cerca de uma década, teria sido usado para engordar a conta bancária de uma associação comunitária, que espraiou valores para negócios de interesse do crime organizado. O principal deles seria uma rede de barbearias que tem ao menos sete unidades em Porto Alegre e uma no Rio de Janeiro.
O esquema foi revelado na investigação que levou à Operação Xerxes, deflagrada pela Polícia Civil na manhã desta quinta-feira (25) em seis cidades e em quatro unidades prisionais. Até as 7h30min, oito pessoas foram presas durante as ações.
A estimativa da polícia é de que os criminosos tenham lavado em torno de R$ 33 milhões em dois anos e meio a partir da conta da Associação Comunitária e Habitacional da Chácara da Figueira, de Viamão, e de outros negócios. Além da extorsão praticada contra as famílias, o grupo obtinha dinheiro com o tráfico de drogas.
Em apenas um período analisado, policiais identificaram 1,1 mil depósitos no valor de R$ 326 por parte de moradores ameaçados. A alegação para as cobranças era de que os valores serviriam, no futuro, para a compra da área invadida em prol dos posseiros. Fora o que foi rastreado em contas do esquema criminoso, haveria ainda valores que eram pagos em espécie diretamente para pessoas ligadas ao grupo criminoso.
As autoridades não revelam nomes de envolvidos, mas a reportagem apurou quem são os principais alvos da ação. Dois irmãos são apontados como mentores do esquema, com participação na associação e no controle da conta bancária da entidade: Jackson Fabiano Benedik e Robson Juliano Benedik.
A polícia ainda afirma que eles lideram uma célula de uma facção em Viamão. Os dois estão detidos no Presídio Central, em Porto Alegre.
Com antecedentes por roubo a residência, tráfico de drogas e porte de arma, o presidente da associação comunitária, José Inácio Marques de Sá, é outro alvo da Xerxes. Em dezembro, ele participou de um assalto a uma agropecuária e acabou preso em flagrante. Está na Penitenciária Modulada de Charqueadas.
Rede de barbearias seria usada para lavar dinheiro
Segundo a investigação, o dinheiro dos criminosos passou, a partir de 2019, a fomentar o crescimento de um negócio familiar de barbearia que se transformou rapidamente em uma conceituada rede. GZH verificou que se trata da rede El Cartel Fernandes.
O principal sócio do empreendimento, Erick Berkai Fernandes, que concorreu a deputado estadual pelo Solidariedade em 2018, é apontado pela polícia como um dos articuladores da lavagem de dinheiro e operador de contas bancárias. Fernandes foi preso na operação desta quinta.
Dois irmãos dele — ambos sócios das barbearias —, além da mãe e do pai, também são investigados por movimentações suspeitas de valores. Todos atuam no mesmo ramo. Os irmãos, Allan e Nicholas Berkai Fernandes, também foram detidos pela polícia nesta quinta.
Nas redes sociais da El Cartel, representantes das unidades da rede costumam exibir regalias e veículos de luxo. Erick, inclusive, promove cursos para ensinar estratégias a barbeiros que queiram alavancar seus negócios.
— O principal elo e beneficiário ostensivo dos investimentos do grupo criminoso é um barbeiro que hoje vive uma vida de luxo, opera as contas dos líderes dessa célula da facção e vende uma espécie de mentoria que pretende ensinar barbeiros pelo país a ficarem ricos cortando cabelo por R$ 25,00 — destaca o delegado Filipe Bringhenti, que coordenou a investigação pela Delegacia de Combate à Lavagem de Dinheiro do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic).
Pelo menos dois restaurantes — um em Novo Hamburgo e outro em Porto Alegre — também foram usados para lavar dinheiro do grupo, segundo a polícia.
Há um advogado ligado ao grupo entre os investigados. A suspeita é que Airton Carbonel Licht tenha atuado como operador da conta da associação comunitária, fazendo repasses para sua conta pessoal e também para a de Jackson Benedik.
Policiais cumprem 10 mandados de prisão preventiva, 54 de busca e 19 ordens de apreensão de veículos. Há mandados também para bloqueio das contas de 68 investigados, entre pessoas físicas e jurídicas, em Porto Alegre, Viamão, Novo Hamburgo, Canoas, Tramandaí e no Rio de Janeiro. Na capital fluminense, a ação conta com apoio operacional da Delegacia de Combate às Organizações Criminosas e à Lavagem de Dinheiro da Polícia Civil carioca.
— Nosso maior objetivo com a operação de hoje foi remover os ativos ilícitos da esfera de disponibilidade dos criminosos, tanto para impedir que sejam reinvestidos na prática de delitos como extorsão e tráfico de drogas, quanto para assegurar que o crime não compense financeiramente — explica Bringhenti.
A delegada Vanessa Pitrez, diretora do Deic, destacou com que a polícia tem "atuado fortemente" no combate às extorsões cometidas por organizações criminosas. A polícia, segundo Vanessa, chama estes grupos de "narcomilícias", por serem uma ramificação das facções ligadas ao tráfico de drogas.
— As extorsões vão desde moradores e comerciantes mais humildes a empresários com grande poder aquisitivo. No caso investigado pela operação de hoje (quinta), chama atenção o alto valor extorquido de pessoas com baixa renda, que permitiu à facção adquirir uma rede de barbearias como forma de lavar o dinheiro deste crime e tentar reinseri-lo no mercado através de atividades aparentemente lícitas — relata a delegada.
Em coletiva de imprensa durante a manhã, na Capital, o titular da Secretaria da Segurança Pública, Sandro Caron, afirmou que o cerco ao crime organizado está cada vez mais fechado:
— Grupo criminoso que praticar homicídios ou extorsões vai entrar na nossa lista de prioridade.
Xerxes
O nome foi escolhido em função das Guerras Médicas, entre Gregos e Persas. Na tentativa de invasão persa, ao tomarem território, os invasores passavam a cobrar uma taxa dos habitantes, além de exigir que estes construíssem templos em homenagem a Xerxes, o soberano persa.
Contraponto
GZH entrou em contato com o advogado João Vicente Caputy, que representa os três irmãos Berkai Fernandes. Ele afirmou que vai se manifestar depois de ter acesso a informações da investigação.