A Polícia Civil do RS e a Polícia Federal (PF) têm agido contra uma prática que não é nova, mas que se intensificou nos últimos anos. Uma facção do Estado estaria fazendo feito ameaças e extorsões a empresários e comerciantes, cobrando valores por um serviço ilegal de vigilância privada. Há casos sendo investigados no Vale do Sinos, Vale do Paranhana, Serra e sul do RS.
No Vale do Sinos, até a semana passada havia 32 vítimas identificadas. O número saltou para 74 até esta sexta-feira (31). A polícia afirma que o problema é que a maioria das pessoas não registra ocorrência, principalmente depois de ter imóveis depredados, queimados ou metralhados. Na Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) de São Leopoldo, que realiza investigações sobre estes casos na região do Vale do Sinos, havia apenas dois casos contabilizados oficialmente.
Um empresário que não está tendo nome, cidade e negócio revelados, diz que o medo é grande:
— Eles ameaçam a gente pela manhã, pela tarde, e a gente tem medo de falar ou de denunciar. Isso porque eles vão lá (nas empresas e comércio) e quebram uma vitrine, tocam fogo, dão tiro e mandam mensagem. Mandam pra vítima e para os demais empresários e comerciantes: "Vai pagar? Vai fechar com a facção ou vai querer que a gente faça o mesmo com vocês?" — conta a vítima.
Ele diz ainda que os ameaçados não conseguem nem dormir direito. Temem por suas vidas e de seus familiares. A cada amanhecer, precisam conferir se o seus negócios não foram alvo de ataque.
— Não tem outra alternativa, temos a polícia e temos de confiar. Faço um apelo para parar com essa extorsão: denunciem, por favor — diz o empresário, que foi ameaçado pela facção.
O titular da Draco de São Leopoldo, delegado Ayrton Figueiredo Martins Júnior, está identificando as vítimas. Ele diz que já ouviu mais de 20 pessoas nesta semana para entender mais detalhes das ameaças e garantir maior registro de ocorrências.
A polícia já tem seis suspeitos identificados no Vale do Sinos, sendo que um deles foi preso em uma ação realizada no dia 24 deste mês. O detido é apontado como líder do grupo que agia na região para a facção. Até agora, o delegado Martins Júnior tem informação de casos, principalmente, em Estância Velha (veja acima vídeo de um dos casos), Campo Bom e Novo Hamburgo.
O comandante da Brigada Militar do Vale do Sinos, coronel João Ailton Iaruchewski, afirmou que ações de inteligência têm sido realizadas, especialmente para "identificar regiões, vítimas, modus operandi, e mormente os autores para evitar novos acontecimentos do tipo" (leia abaixo a nota na íntegra).
Vale do Paranhana
Além do Vale do Sinos, há relatos desse tipo de ameaça e extorsão em municípios do Vale do Paranhana. O titular da Delegacia de Taquara, delegado Valeriano Garcia Neto, que apura os casos na região, conta que os integrantes da facção fazem imagens dos estabelecimentos e mandam mensagens, exibindo ainda armas e exigindo repasse de valores. Há ainda ameaças em áudio (ouça abaixo).
No Vale do Paranhana, oito criminosos foram presos, o mais recente na semana passada. Todos estão envolvidos nas extorsões e ameaças a pelo menos quatro vítimas que registraram ocorrência desde o ano passado. Duas delas tiveram revendas de veículos depredadas neste mês.
Em Taquara, em dezembro do ano passado, seis integrantes de facção foram condenados a 61 anos de prisão pela mesma prática criminosa entre os anos de 2019 e 2021. Em um desses casos, o dono de uma revenda teve a loja atingida por diversos tiros de fuzil há cerca de um ano e meio.
Ouça o áudio com ameaças a um empresário do Vale do Paranhana:
Serra
Empresários de Bento Gonçalves, na Serra, também relatam estar sendo amedrontados por criminosos. Nos casos, homens armados chegam em frente ao estabelecimento e atiram contra os veículos. A ação é gravada em vídeo, que é enviado ao empresário, com cobrança de valores e ameaças.
— Esses vídeos são reais. Ocorreram em Bento, em diversos pontos da cidade, como os bairros São Roque e Cidade Alta. São locais de fácil acesso para a fuga dos criminosos. É a primeira vez que esse modus operandi é realizado com disparos de arma de fogo. São situações recentes, relatadas neste mês de março — explica o delegado Renato Nobre, responsável pela apuração.
O policial explica que há relatos de cinco casos. Em duas situações, houve ameaças e em três aconteceram disparos. Em nenhum, conforme ele, houve pagamento.
Segundo relatos de comerciantes, o primeiro contato dos bandidos se dá por aplicativos de conversa. Mesmo após ignorar as mensagens e realizar o bloqueio dos números que enviam ameaças, os empresários começam a receber vídeos do próprio estabelecimento e nomes de seus familiares.
— Isso abala o emocional da pessoa. Se o ela não é resistente, não é forte, acaba entregando dinheiro para eles — conta um comerciante, que preferiu não se identificar.
Os comerciantes declararam ter aberto boletins de ocorrência tanto na delegacia online quanto pessoalmente, mas que as ações surtiram pouco efeito.
— Não adianta, eles sabem o nome da sua família, sabem o endereço. Tem gente daqui que já foi filmado, filhos na escola, netos na escola, esposa em outro lugar de trabalho. Eles sabem muito da nossa vida. É um pesadelo, a gente fecha a loja de noite e não sabe se alguém vai passar lá e dar um tiro na frente, se vão colocar fogo no estabelecimento, então é uma incerteza. É o dia inteiro assim, o sistema nervoso a mil— relata o empresário.
A Polícia Civil abriu inquérito contra o crime de extorsão e busca informações sobre os responsáveis. O delegado ressaltou que, até o momento, não há evidências que demonstrem a ligação desses casos com facções criminosas. O delegado responsável esclareceu ainda que já teve reunião com o 3º Batalhão de Brigada Militar para reforçar ações ostensivas e de abordagens a possíveis suspeitos.
Operação na Zona Sul
Nesta sexta-feira (31), a Polícia Federal deflagrou nova etapa de uma operação que teve como objetivo reprimir o serviço ilegal de segurança privada. Foram cumpridos dois mandados de prisão preventiva dos dois donos de uma empresa clandestina que foi alvo de investigação e também de um funcionário.
Os crimes apurados são milícia privada, porte ilegal de arma de fogo, tortura, usurpação de função pública, constrangimento ilegal e ameaça. A PF lembra que o serviço de segurança privada armada somente pode ser exercido por empresas e vigilantes certificados pela própria instituição.
Já o serviço de portaria, zeladoria, vigia, monitoramento, comércio e instalação de sistemas eletrônicos de segurança, somente deve ser exercido por empresas e profissionais licenciados e fiscalizados pela Brigada Militar, através do Grupamento de Supervisão de Vigilância e Guardas (GSVG).
O que diz a Brigada Militar
O comandante da Brigada Militar no Vale do Sinos, coronel João Ailton Iaruchewski, enviou nota a GZH:
Em virtude dos acontecimentos recentes voltados à prática delitiva de extorsão, especialmente aquelas como as que aconteceram em São Leopoldo, este Comando Regional tem destacado, prioritariamente, ações diretas de Inteligência.
Tais ações têm por finalidade identificar regiões, vítimas, modus operandi, e mormente os autores para evitar novos acontecimentos do tipo.
O conhecimento produzido tem dois aspectos principais no tocante à localidade onde se desenvolve.
Como dito anteriormente, em São Leopoldo um setor comercial específico foi alvo de criminosos e neste sentido já foram adotadas as providências iniciais.
Também estão sendo envidando esforços com o fito de apurar os fatos e depurar o conhecimento acerca do fenômeno, o qual, preliminarmente, pode-se dizer que vem aumentando em volume.
Das ações de Inteligência da Brigada Militar é possível uma melhor tomada de decisão no que tange a prevenção deste crime, bem como tornam-se viáveis ações Integradas entre as Instituições de Segurança Pública na região e no Estado.
Denúncias
- No caso da PF no sul do Estado, o telefone é o (53) 3293-9000.
- Em Taquara, as vítimas podem acionar a polícia pelo telefone (51) 98443 3481.
- No Vale do Sinos, o telefone disponibilizado pela Draco de São Leopoldo é o (51) 98585 6118.
* Colaboraram Giovani Grizotti e Carla Dariano