Em 30 de janeiro de 2018, Sandra Mara Lovis Trentin saiu de casa, em Boa Vista das Missões, no noroeste do RS, passou no escritório de contabilidade, que mantinha na mesma rua, e depois seguiu à cidade vizinha de Palmeira das Missões. A contadora havia prometido às funcionárias que retornaria no mesmo dia, mas isso não aconteceu. No início de 2019, seu corpo foi localizado num matagal às margens da BR-158. Cinco anos depois, os dois réus acusados do crime, entre eles o marido dela, ex-vereador, seguem presos, mas ainda não há previsão de quando será realizado o julgamento.
O desaparecimento de Sandra, que culminou com a descoberta da morte dela um ano depois, é cercado de reviravoltas. Ao longo da investigação, o então marido da contadora, Paulo Ivan Baptista Landfeldt, 52, que na época era vereador em Boa Vista das Missões, acabou apontado como mandante do crime. Também foi acusado Ismael Bonetto, 26, indicado como o executor do assassinato. Os dois foram presos ainda em 2018, mas até hoje o caso segue sem um desfecho final.
Tanto Paulo Ivan como Ismael, que negam terem cometido o crime, permanecem presos — o ex-vereador chegou a deixar a prisão em 2018, mas retornou à cadeia em maio do ano seguinte, após a localização dos restos mortais da esposa. O processo perdura no Judiciário, ainda sem previsão de quando será julgado. A decisão de que os dois devem ser submetidos a julgamento popular se deu ainda em 2021. A juíza Vanessa Silva de Oliveira decidiu que o Tribunal do Júri deve julgar os réus pelos crimes de homicídio qualificado e ocultação de cadáver.
Depois dessa decisão, as defesas recorreram na tentativa de que os dois não fossem a júri, e, atualmente, os recursos ainda tramitam no Tribunal de Justiça, em Porto Alegre. No caso de Ismael, a defesa solicitou ainda que, caso seja mantida a decisão pelo júri, não seja aplicada ao réu a qualificadora de feminicídio. Ainda não há definição de quando os recursos devem ser julgados.
Idas e vindas
Paulo Ivan acabou preso antes mesmo de o corpo da esposa ser encontrado. Foi detido após a Ismael ser preso em Lages, Santa Catarina, e confessar à polícia ter matado a contadora a mando do político. Ele disse na época ter sido pago para interceptar a vítima e executá-la. Para o Ministério Público, o então vereador prometeu a Ismael o pagamento de R$ 40 mil para executar Sandra a tiros e esconder o corpo.
Inicialmente, Ismael confessou ter assassinado a contadora com um tiro no peito e enterrado o corpo em Vicente Dutra (a 65 quilômetros de Boa Vista das Missões). Uma semana depois, voltou atrás e disse que havia mentido. Em entrevista a GZH, em janeiro de 2019, negou o crime e alegou que só quis se aproveitar da situação, ao saber do desaparecimento, para extorquir o político.
O ex-vereador alega que foi procurado por Ismael, que afirmava pertencer a uma facção e saber o paradeiro de Sandra. Para isso, teria exigido pagamento em dinheiro. O marido chegou a registrar essa suposta extorsão na polícia e, logo depois, Ismael acabou preso. Quando ele apresentou a versão sobre quem seria o mandante, Paulo Ivan também teve a prisão preventiva decretada.
Embora Ismael tenha voltado atrás no depoimento, a Polícia Civil entendeu que a primeira versão apresentada pelo jovem era a mais próxima do que aconteceu com a contadora e indiciou os dois. O Ministério Público manteve o mesmo entendimento. Os dois foram denunciados, a denúncia foi aceita e eles viraram réus.
Paradeiro do corpo
O crime, segundo a acusação, teria sido cometido para que o marido pudesse ficar com os bens da família e assumisse outra relação, sem que houvesse separação, já que o casal estaria vivendo um relacionamento conturbado. O primeiro depoimento de Ismael é uma das principais provas do caso, além, claro, da localização do corpo da vítima. A confissão dele à polícia foi gravada em vídeo. Ele chegou a levar os policiais até uma mata em Vicente Dutra, onde dizia ter escondido o corpo, mas nada foi encontrado.
O processo começou com os dois presos e sem que o cadáver tivesse sido localizado. No entanto, em janeiro de 2019, a ossada foi encontrada enterrada no limite de Palmeira das Missões e Condor — a cerca de 40 quilômetros de onde ela sumiu. Na mesma cova rasa, estavam pertences da contadora, como cartões bancários. Com isso, o Ministério Público acabou fazendo complemento à denúncia. Novas perícias também foram inseridas no processo. Uma delas confirmou que se tratavam dos restos mortais de Sandra.
Família espera por Justiça
Com 31 anos, o filho mais velho de Sandra, Rômulo Trentin, afirma que a vida dele e das irmãs mudou completamente após a perda da mãe. As duas irmãs caçulas, atualmente com 10 e 16 nos, passaram a residir com a avó materna; já a mais velha das filhas de Paulo Ivan e Sandra, que tem 21 anos, passou a morar em outra cidade.
Rômulo também decidiu se mudar de Palmeira das Missões, onde vivia até a confirmação da morte da mãe. Atualmente, o engenheiro eletricista reside em Passo Fundo, no norte do RS. Um dos motivos para deixar o município foi justamente as memórias do que viveu naquele momento.
— O impacto pela perda de uma mãe já é imensurável, e da forma como foi é muito mais. E ainda não sabemos o que de fato ocorreu. Estamos esperando o desfecho do processo, para que saibamos o que realmente aconteceu, e acreditamos que a justiça será feita — diz o filho.
Contraponto
O que diz a defesa de Paulo Ivan Baptista Landfeldt
O advogado João Taborda enviou manifestação na qual afirma que "a defesa de Paulo Ivan acredita que, com a análise do recurso em sentido estrito, serão acolhidos os pedidos defensivos e, por via de consequência, impronunciado o mesmo, uma vez que não existem provas que liguem Paulo aos fatos relatados na denúncia oferecida pelo Ministério Público".
O que diz a defesa de Ismael Bonetto
O advogado Lucas Estevan Duarte informou que a defesa de Ismael não pretende se manifestar sobre o andamento do processo.
— Entendemos a dor da família e que a demora para uma resposta causa um sentimento de injustiça, porém, as regras do jogo devem ser seguidas para que se possa, ao final, todos terem a certeza de que a justiça foi feita — afirmou.